O Yoga é uma prática que procura trabalhar o ser humano como um todo. Pela sua forma holística de encarar a pessoa, o Yoga, é uma prática com efeitos marcantes ao nível do corpo, mas também da mente, das emoções, sendo uma prática que pode ter um efeito transformador em todos os aspectos da vida física e psicológica de quem pratica.
Segundo Feurstein: “ A palavra Yoga é etimologicamente derivada da raíz verbal yuj, que significa “conjugar, juntar, jungir”, e que pode ter muitas conotações, como as de “união”, “conjunção de dois astros”, “regra gramatical”, “empenho”, “ocupação”, “equipe”, “equipamento”, “meio para um fim”.Assim, podemos entender o Yoga como a união entre o corpo e a mente ou como uma ligação do nosso eu mais superficial às partes mais profundas do nosso ser. Há também quem sinta o Yoga como uma forma de unir o nosso eu individual ao Cosmos, ao Universo ou a uma inteligência superior ou divina. O Yoga é uma prática individual, como tal, a interpretação que cada um dará às suas experiências é pessoal, já que cada um sente e vivencia as coisas de uma forma única.
Raízes do Yoga
O Yoga é uma prática cujas raízes se encontram na Índia, há mais de 5000 anos atrás, segundo indicam as pesquisas arqueológicas. Sabemos que o Yoga estava presente na cultura Indiana pelas referências que são feitas a este nos Vedas - os livros sagrados do Hinduísmo que contém os textos mais antigos desta cultura – e nos Upanishads, os comentário aos Vedas que contém as bases dos seus ensinamentos.
Mas, nestes livros, as referências feitas ao Yoga não são suficientes para sabermos ao certo o que constituiria uma prática de Yoga nesta altura. Tradicionalmente, nesta altura, os ensinamentos eram transmitidos por via oral, por isso estes livros não pretendiam registá-los, pelo menos não de uma forma óbvia. Acredita-se que os Vedas foram escritos por pessoas em estados de iluminação e com uma linguagem poética e simbólica, por isso, quem quisesse compreender alguns ensinamentos neles contidos, teria que recorrer à ajuda de um mestre iluminado, para conseguir decifrar as mensagens contidas no texto.
Swami Satyanananda, fundador da Bihar School of Yoga, uma das maiores e mais reconhecidas escolas de Yoga dos nossos dias diz-nos que “a única coisa que falta nos Upanishads é um tratamento sistemático e sumário dos caminhos do yoga; estes são uma conglomeração de ideias profundas misturadas com outros tipos de informação. De facto podemos dizer que os Upanishads pretendem mais inspirar do que instruir.”, porque estas instruções seriam sempre dadas pelo mestre ou Guru. (1981, p. 129)
O Yoga sutra
A primeira obra escrita que se conhece sobre Yoga, o “Yoga Sutra”, foi escrita por Patanjali. Mas esta obra, apesar de procurar ser uma exposição do Yoga, também não contém ensinamentos óbvios que alguém possa seguir ou que nos possam dar uma ideia exacta daquilo em que consistiria uma prática de Yoga nesta altura. Mais uma vez Patanjali respeitou a tradição de que os ensinamentos concretos deveriam ser transmitidos oralmente e, por isso, esta obra é uma exposição mais genérica daquilo que é a prática do Yoga e do que esta nos poderá ajudar a alcançar. Nesta obra e, de acordo com alguns historiadores, devido à influência de Buda de quem Patanjali pode ter sido contemporâneo (não há um consenso quanto ao século concreto em que este autor viveu), é feita a primeira exposição de uma espécie de código de conduta moral que o praticante de Yoga deve seguir para a sua própria evolução. Este código tem ainda uma grande influência hoje em dia na maioria das escolas de Yoga e, tal como os ensinamentos de Buda, parece ter surgido numa época em que se vivia, na sociedade indiana, uma certa cultura de amoralidade. Assim, estas normas de conduta, tal como o caminho óctupulo que o Buda propôs, em que a conduta certa tem também um papel fundamental, serviram para tentar relembrar as pessoas de que o desenvolvimento espiritual não poderá estar dissociado do comportamento social, que deverá ser correcto e fruto de uma ética que propõe um tipo de comportamento em que valores como a honestidade, a não violência, a verdade, a pureza, deveriam ser seguidos.
O surgimento do Yoga Moderno
Mas, na verdade, tudo indica que o Yoga dos nossos dias deverá ser muito diferente daquele que seria praticado nesta altura. Uma socióloga de Cambridge, Elizabeth DeMichelis define como Yoga Moderno aquele que tem vindo a ser desenvolvido nos últimos 150 anos principalmente nos países desenvolvidos e centros urbanos de todo o mundo.
De acordo com esta sociológa que defende a sua tese no livro “History of Modern Yoga” publicado em 2004, um dos marcos na história do Yoga Moderno é a comunicação de Swami Vivekananda, no Congresso das Religiões em Chicago em 1883, quando este tinha acabado de chegar ao Ocidente, vindo da Índia, sua terra natal.
Vivekananda tinha vindo para o Ocidente com o objectivo de angariar fundos para contribuir para melhorar a vida na região pobre de onde era oriundo. Mas este Swami carismático e com fama de ter sido um brilhante orador, rapidamente se tornou popular nos Estados Unidos, tendo feito amizade com figuras importantes da sociedade americana dessa altura que acabaram por ajudá-lo a divulgar os seus ensinamentos, facilitando o seu papel de pioneiro no ensino do Yoga no Ocidente. Uma destas figuras foi William James, um notável psicólogo, pioneiro dos estudos sobre a consciência e sobre a psicologia das experiências místicas e espirituais que foi influenciado pelos ensinamentos e teorias de Vivekananda e que, por sua vez, teve também uma forte influência neste. James escreveu o prefácio da obra mais importante de Vivekananda, o Raja Yoga onde este usa uma metáfora de James, do espectro da luz, para descrever a consciência. Nesta obra, à semelhança da psicologia, Vivekananda afirma que “precisamos de conhecer a natureza interna do homem, através da observação dos factos que se passam lá dentro.” (2004, pg. 173)
Segundo De Michelis, “o que Vivekananda fez foi adaptar as suas ideias e ensinamentos a condições mais completamente secularizadas e materialistas”. (p, 109), o que terá sem dúvida contribuído para a sua popularidade e contribuiu também para aquilo que esta investigadora considera serem os pilares do Yoga moderno. O seu livro Raja Yoga, publicado em 1896 marca o texto fundamental do Yoga moderno, neste Vivekananda fez uma revisão da história do Yoga, das suas estruturas, crenças e práticas, reformulando-as e tornou-as em algo muito diferente das abordagens clássicas do hinduísmo.
Vivekananda era também ele próprio um espírito pragmático, assim, não teve dificuldades em adaptar os seus ensinamentos ao pragmatismo que também fazia parte da sociedade americana, especialmente nesta época de grande desenvolvimento tecnológico e utilitário em que “as pessoas queriam técnicas e métodos para atingir metas mais ou menos imediatas, práticas e racionais....foi neste contexto que o yoga começou a atrair mais e mais atenção.”
Características do Yoga Moderno
Assim o conhecimento ou compreensão de Deus e do Eu, passaram a ser as metas dos 4 yogas que Vivekananda descreve, passando também a ser os objectivos de qualquer prática de Yoga moderno. Desta forma o Samadhi, considerado por Patanjali, o último estágio na evolução da consciência de um praticante, passou a ser quase um objectivo explícito das práticas. E o “Yoga torna-se uma ciência baseada em leis naturais, ou uma tecnologia espiritual para atingir o Samadhi.” (p. 143)
De acordo com De Michelis (2004) um dos aspectos que caracteriza o Yoga moderno é a noção de que o praticante se vai auto-aperfeiçoando e melhorando enquanto pessoa, “estas recomendações não têm quaisquer semelhanças com o Yoga clássico e podem por isso ser individualizadas como características distintivas das formas modernas de yoga”. (p. 219), esta característica aponta também para uma certa psicologização do Yoga que tem vindo a ocorrer nos tempos modernos, em que o Yoga tem servido também como método de desenvolvimento pessoal e é cada vez mais visto como uma ferramenta de mudança psicológica.
Na verdade o Yoga, como produto cultural que é, não pode estar imune às necessidades e atitudes das sociedades em que se insere. Tal como afirma Timothy Mcall, editor médico de uma das mais reconhecidas publicações de Yoga, o Yoga Journal, publicado há já várias décadas nos E.U.A) no seu completo livro Yoga as Medicine (2007), uma das principais características do Yoga, se não mesmo a principal, é justamente a sua capacidade de se modificar e adaptar às culturas e épocas em que se insere. E nem poderia ser de outra forma, uma vez que são as pessoas que o praticam, que o vivenciam, que o ensinam, o Yoga só pode mesmo existir e ter sucesso, enquanto corresponder às necessidades dessas mesmas pessoas, que assim o vão moldando.
Um exemplo da forma como o Yoga tem vindo sempre a adaptar-se às necessidades das sociedades em que está inserido pode ser encontrado no papel central que ocupa hoje o asana em praticamente todas as escolas de Yoga no mundo inteiro. Provavelmente há umas décadas ou séculos atrás o exercício físico não era tão importante para as pessoas já que estas, naturalmente, através do trabalho que iam fazendo no seu dia-a-dia encontravam várias formas de se exercitar, além de que levavam uma vida bem mais natural e com menos prejuízos para a saúde física. É com a generalização de um modo de vida cada vez mais sedentário que o exercício físico passa a ser fundamental para se preservar a saúde física mas também mental, lá diz o ditado: mente sã em corpo são. Assim, podemos observar que um dos textos clássicos do Yoga, o Hatha Yoga Pradipika, escrito na idade média (no século XIV, segundo indicam alguns historiadores) descreve muito poucos asanas (posições do yoga) sendo a grande maioria destes posições de pernas cruzadas, que se considera serem as mais indicadas para se fazer meditação ou pranayama (exercícios de respiração), apesar de reconhecer a existência de muitos mais.
Krishnamacharya, pode ter sido talvez uma figura marcante na disseminação e aceitação do asana enquanto figura central das práticas de hoje em dia, já que foi mestre de B.K.S. Iyengar, uma das figuras mais reconhecidas do Hatha Yoga no Ocidente, criando uma escola de ensino com o seu próprio nome e de Patabbhi Jois fundador da escola do Ashtanga Yoga. Estas duas escolas sempre deram uma grande importância ao corpo e ao trabalho corporal que ocupou sempre um lugar de destaque nas suas práticas e podem ser consideradas bons exemplos da forma como a crescente necessidade de um trabalho físico, ou corporal, nas sociedades de hoje em dia tem vindo a ser incorporado também em toda a prática do Yoga.
Mas, mesmo hoje em dia, aquilo que se faz no asana não é, de forma alguma, algo de estanque ou imutável. Existem cada vez mais estudos científicos acerca das influências do yoga e, uma boa parte destes, centra-se justamente nos seus efeitos físicos. Ao mesmo tempo, à medida que vão aparecendo cada vez mais praticantes, também é possível analisar cada vez melhor os efeitos desta prática num número cada vez maior de pessoas. E, por outro lado, também é verdade que o nosso conhecimento acerca da anatomia e fisiologia humanas também aumentam de dia para dia. Assim, os bons professores e as boas escolas não são imunes a estas descobertas da ciência e vão por isso actualizando as suas práticas e as suas aulas em função destes conhecimentos.
Laura Sanches
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
De Michelis, Elizabeth (2004) – A History of Modern Yoga.
Elíade, Mircea (1962) – Patanjali e o Yoga.
Feurstein, G. (1998)- A Tradição do Yoga.
Mcall, Timothy (2007) – Yoga as Medicine. Bantam Books.
Swami Muktidodhananda (1985) - Hatha Yoga Pradipika.
Swami Satyananda (1981) - A systematic course in the Ancient Techniques of Tantra and Kryia. Bihar School of Yoga
Swami Vivekananda (1939) - Raja Yoga.