sábado, 5 de março de 2016

Yoga terapia para as dores de costas - A instabilidade Sacroilíaca

Instabilidade Sacroilíaca

A articulação sacroilíaca (SI) é formada pela ligação do sacro com os ossos ilíacos do lado esquerdo e do direito, com vários ligamentos a uni-los.

Esta é uma articulação em que não é consensual a forma como julgamos movimentar-se, pois há quem defenda que não tem movimento e que os ossos estão como que fundidos, contudo, tudo parece indicar que essa falta de mobilidade ocorra apenas com o envelhecimento. Se em alguns casos, algumas pessoas que têm essa falta de mobilidade, isso pode trazer dor e desconforto, para outras é o excesso de mobilidade que pode originar os sintomas semelhantes.

Diagnóstico

A identificação do problema de IS e o seu diagnóstico são muito difíceis, pois os sintomas confundem-se com muitos outros problemas como hérnia discal, ciática, artose ou dores lombares crónicas.

A dor pode surgir de um dos lados da pélvis (do latim pelvis, que significa concha, bacia). A pélvis é formada por 5 ossos: o sacro, os ilíacos, os isquíos, o osso púbico e o cóccix. Essa dor pode-se manifestar acima da articulação, na zona das costas, e irradiar para um dos lados. Esta dor também se pode manifestar na banda iliotibial, irradiando na zona da anca, ou para mais perto do joelho. O desconforto também pode surgir na zona da virilha.
Por ser uma condição de dificil diagnóstico pode por vezes ser esquecida ou mesmo menosprezada. Por estas razões os seus graus de incidência e de ocorrência não são muito conhecidos. Há quem defenda que um grande número das dores lombares são originadas por esta situação e não por outras razões que muitas vezes são diagnosticadas erroneamente.

O que parece contribuir para o surgimento do problema é a desestabilização da articulação e o efeito que essa instabilidade provoca nos ligamentos que a unem.


O Yoga na Estabilidade ou Instabilidade da Articulação

O yoga como muitas vezes é uma prática que incide muito na questão do alongamento pode contribuir para provocar e acentuar essa mesma instabilidade. Verifica-se que são as mulheres em maior número que sofrem destas dores, em primeiro porque naturalmente já têm mais flexibilidade, depois porque nas práticas mais exigentes de yoga reforçam e muito essa mesma flexibilidade do corpo. A gravidez com a produção da hormona relaxina e a menopausa também são factores de agravamento da condição. Pessoas com escoliose e outros desalinhamentos posturais também ficam mais vulneráveis a esta condição, fruto do desequilíbrio na articulação.


Os ligamentos são tecidos muito pouco vascularizados, as suas fibras têm uma capacidade de alongamento muito reduzida, por volta de 4% do seu tamanho natural, ao contrário das fibras musculares que têm grande capacidade de alongamento. Quando  fazemos asanas em que colocamos o corpo numa posição instável para as articulações, principalmente em posições assimétricas - o que é muito comum no yoga - forçando em demasia a sua mobilidade, acabamos por forçar esses mesmos ligamentos, e a sua recuperação é muito mais lenta do que a recuperação muscular.
Devemos por isso, nestes casos, optar por práticas em que se reforce o fortalecimento muscular em detrimento do alongamento.


Cuidados a ter durante a Prática de yoga

  •  Deve-se ter atenção para não forçar durante as torções pois estas podem desalinhar também a SI. 

  • O mesmo pode acontecer com as flexões anteriores do corpo, pois o facto da musculatura isquitibial das duas pernas poder ter algum tipo de diferença, fará com que o movimento do sacro não seja alinhado, criando instabilidade na SI agravando o problema.

  • Tudo que sejam posições assimétricas também se devem evitar, como a posições de pé (em uma das pernas), os trikonasanas e o asana do guerreiro (todas variantes).

  • As aberturas pélvicas também potenciam o desconforto e desalinhamento da SI. 
  • Os movimentos repetitivos assimétricos também são de evitar, nestes casos de instabilidade.


                                   O que devemos fazer

  • Procurar insistir no prolongamento das expirações, pois este tem um efeito analgésico e calmante, além de que a expiração traz uma acção da musculatura abdominal reforçando uma maior estabilidade da pélvis e por inerência da SI.

  • Devemos procurar sempre o alinhamento tanto nas práticas como no nosso dia a dia, evitando o apoiar-nos em uma só perna quando estamos parados, evitando cruzar as pernas quando nos sentamos e procurando não apoiar o peso do corpo mais sobre um dos lados da bacia quando nos estamos a sentar. É fundamental termos sempre presente a importância do alinhamento da bacia no nosso dia a dia.

  • Trabalhar o soalho pélvico e a região abdominal e lombar actuando também o trabalho sobre os adductores das coxas e flexores do quadril. Ao trabalhar com esta musculatura o movimento deve ser muito lento, feito durante as expirações, pois isto dá uma maior estabilidade também à região lombar. 

  • Um óptimo exercício para fazer é o Mula Bandha antes do movimento, porque ajuda a estabilizar e a alinhar a articulação. Este exercício tem diferentes interpretações dependendo das diferentes escolas de yoga existentes. Para o fazer, neste caso, podemos imaginar  o “apertar de uma fecho de umas calças justas” na região pélvica, verificando a acção que ocorre entre as cristas dos ossos ilíacos. È um exercício que activa os transversos pélvicos, que por sua vez mobilizam os músculos multifidus proporcionando um maior estiramento da coluna vertebral. Dominando este movimento podemos associar um outro que consiste no aproximar do osso púbico e do cóccix, e por fim o “fechar” do espaço entre os ossos ísquios. Estes 3 movimentos em conjunto e quando feitos nas expirações dão uma grande estabilidade e alinhamento à bacia e à SI.

  • Ao trabalhar os músculos abdominais (transversos, oblíquos e rectos abdominais) como estes são músculos estabilizadores, feitos para dar solidez e não tanto para o movimento, acaba por ser benéfico introduzir o movimento com as pernas ou com os braços de forma a fortalecer a musculatura abdominal.

  • É importante actuar sobre os Psoas, que se ligam ao diafragma, às vértebras lombares que se prolongam até aos fémures, perto da zona das virilhas. Ao procurar actuar sobre esta musculatura, é importante não ter qualquer tensão na região pélvica. 

  • Os adductores das coxas ligam através da fáscia o soalho pélvico aos arcos dos pés, por isso também é importante trabalhar estes músculos. Os arcos dos pés dependendo da sua posição - supinados ou pronados - interferem directamente com a disfunção na SI. A sua correcção é pois essencial.
  •  O Fortalecimento dos rotadores do quadril é essencial porque quando estes músculos estão fracos normalmente é o músculo piramidal que sofre, ocorrendo o síndroma do piramidal em que surge uma compressão do nervo ciático, fruto do excesso de contracção do músculo piramidal, como resultado do desequilíbrio do complexo dos rotadores. É importante insistir no fortalecimento e não no alongamento, o alongamento é como uma pequena sobremesa que se toma no final da refeição: pode saber bem e trazer algum conforto mas não é o que alimenta verdadeiramente o corpo.

  • É importante trabalhar os glúteos, os médios e mínimos, que além de rotadores têm como principal função a estabilização da região pélvica.

  • É muito importante fazer os movimentos devagar, com pouca amplitude e durante o máximo de tempo possível.

  • É preciso também trabalhar os quadrados lombares, sendo que isto é mais fácil através de asanas de flexão lateral ou de torção, que têm também como função a estabilização da bacia quando algo de errado ou de disfuncional ocorre na zona sacro-lombar. O conjugar do alongamento com a contracção parece funcionar muito bem com estes músculos.

  • A instabilidade da SI é uma disfunção  que tem como raiz um problema de assimetria, devemos por isso, durante os exercícios da prática, começar e finalizar com a simetria da bacia, procurar distribuir a estabilização dessa zona por todos os músculos que ajudam nesse processo, e procurar no decorrer da prática não fazer mais do que 2 asanas assimétricos seguidos antes de uma compensação feita simetricamente. Devemos ainda começar pelo lado mais fraco e insistir o dobro do tempo para esse mesmo lado. E compreender que devemos fortalecer e não alongar, por vezes o alongamento até pode saber bem, mas os seus efeitos são nefastos para esta condição.

  • É importante procurar um professor de yoga ou yoga terapeuta que compreenda os cuidados e correcções a ter na execução dos exercícios.



Jorge Ferreira

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Yoga e Escoliose

A palavra escoliose tem a sua raiz no grego “Skolios” que significa curvado, sinuoso. 
O problema surge com a curva lateral da coluna por causa da estrutura das vértebras, esta flexão lateral traz associada uma torção ou rotação da coluna vertebral.
Escoliose
A Escoliose está presente em cada vez mais pessoas e numa idade cada vez mais precoce, podendo ter uma origem estrutural, mas na maior parte das vezes, tem uma causa funcional, fruto das experiências (físicas e mentais) e dos comportamentos da pessoa.
Esta pode ser degenerativa, ou idiopática onde se desconhecem as causas, sendo esta última a causa mais frequente.

Em primeiro lugar devemos ter em atenção que é muito difícil modificar o ângulo da coluna vertebral, porém muitos exercícios são feitos como forma de atenuar o desconforto e de impedir um agravamento da condição. Quanto mais cedo se procurar fazer exercícios adequados melhor, pois os resultados apontam para um maior sucesso nos adolescentes. Em alguns países a existências de escoliose é idêntica nos dois géneros até aos 4 anos de idade, mas a partir daí o ratio fica de 8:1 com maior incidência nas raparigas, principalmente pela rápida evolução nas mulheres fruto da sua maior flexibilidade, pela gravidez, pela menopausa (Laxidão ligamentar).

A chave da escoliose encontra-se na coluna vertebral, mas devemos numa primeira fase reparar no sacro, que funciona na engenharia dos tempos românicos como o arco romano. A última pedra do topo do arco é que dava estabilidade aos dois lados do arco e com isto conseguia manter o topo.
Arco Romano

Podemos identificar como os dois lados do sacro, os ossos ilíacos e as pernas, ajudando depois a suster a coluna vertebral e todos os orgãos superiores. Podemos assim visualizar a estrutura de base, pernas e bacia, através de qual se eleva a coluna vertebral, e através desta os vários elementos tênseis, uma espécie de rede de elementos que proporcionam mobilidade e estabilidade e que partem do seu centro a coluna. Os tecidos moles respondem sempre ao movimento, e se esses cabos são mais forte de uma lado do que do outro, devido aos tipos de movimentos que fazemos, o corpo inclina-se, criando uma lado mais forte (o que não significa bom) do que outro que é o côncavo.

Na curva lateral da escoliose o lado côncavo (o mais encurtado) tende a rodar à frente (anteriormente) na direcção frontal do corpo, e por sua vez o lado convexo (longo) tende a rodar posteriormente, para a parte de trás do corpo, criando um alto mais proeminente enquanto a omoplata tende a abduzir , afastando-se da coluna.

Existem diferentes tipos de escoliose, de uma, duas, três ou mesmo quatro curvas,  com diferentes tipos de torção associadas, com maior ou menor grau de inclinação, o que fará com que os sintomas variem de pessoa para pessoa.

As consequências destas condições estendem-se para lá dos efeitos sobre a coluna, pelo facto das costelas estarem ligadas às vértebras e por se moverem com a coluna, acabando por ter um efeito também sobre a cintura escapular. Os efeitos das mudanças na coluna e nas costelas podem produzir compressão nos orgãos internos em particular no coração e nos pulmões, que tende a agravar-se, pois a mudança na estrutura óssea, altera também o tónus muscular, o que por sua vez aumenta a pressão nessa mesma estrutura provocando um acentuar na curva e na torção da coluna e caixa torácica.

A escoliose também acaba por afectar a posição dos quadris mudando o centro de gravidade do corpo, sendo este um dos aspectos mais desafiantes no trabalho do yoga, o conseguir trazer o corpo para o seu verdadeiro centro gravítico. A escoliose relaciona-se sempre com a musculatura e com o tipo de massa óssea da pessoa.
A melhor forma de diagnosticar uma escoliose com certeza no ângulo de inclinação é através das radiografias, porém existem outros métodos de avaliação como o método Cobb de uma forma mais directa ou geométrica, ou através do teste de Adam (Fig.3) tendo este uma melhor avaliação através do toque.
Fig.3 Adam Test


Quando existe mais de uma curva e não se sabe qual delas surgiu primeiro, normalmente a forma de actuar é perante a 1º curva, pois actuando sobre esta  acabamos por obter bons resultados também sobre a segunda curva.

O yoga pode desempenhar um papel muito positivo no alívio dos efeitos da condição, quer no retardar da sua evolução quer na correcção dos desalinhamentos dos quadris e cintura escapular.

Recentemente alguns estudos apontam para um asana  que tem obtido muito bons resultados na diminuição desses desvios escolióticos (na primeira curva) como é o caso do Vashistasana (Fig. 4), mas com diferentes apoios e tendo em atenção vários aspectos de correcção do asana e as limitações de cada praticante, e apenas com o lado convexo para baixo. 
Vasisthasana


Porém a prática de yoga feita de uma forma em que não leva em conta a pessoa e as suas condicionantes pode ter um efeito adverso, agravando ainda mais a escoliose.

Alguns dos princípios que devem estar presentes na prática de yoga nestes casos são os seguintes:


  • Recorrer a muitas  posições de pé para trabalhar os pés as pernas e torção para os músculos dos ombros. Estas posições de equilíbrio são também  importantes para se trabalharem as ancas, fortalecendo-as. É essencial um trabalho de correcção e de alinhamento, dos pés, tornozelos, joelhos e quadris.


  • Deve também ser trabalhado  o alongamento da musculatura isquiotibial, a musculatura posterior das coxas.


  • Insistir em asanas que ajudem a libertar os iliopsoas (musculatura da região lombar até à zonas internas das coxas), ajudando a fortalecer o lado oposto ao mais forte, ajudando também a libertar a pressão da excessiva lordose lombar que normalmente também encontramos nos casos de escoliose.


  • Insistir no Mula Bandha (acção do pavilhão pélvico) com estiramento dos Multifidus (pequenos músculos entre as vértebras).


  • Trabalhar a força abdominal  e os gluteos médios e máximos.


  • Encontramos assimetrias nas vértebras por causa do movimento das costelas, como é muito difícil modificar as vértebras, temos de trabalhar os músculos das costas, uma vez mais, tendo em atenção o alinhamento do corpo. Fazer o exercício da cobra (com muito cuidado) com movimento para o lado convexo, ou o asana do gafanhoto elevando mais o lado côncavo de uma forma muito moderada.


  • Fortalecer a musculatura das costas os quadratus lumborum (das últimas costelas até  ao topo dos ilíacos), ou os latissimus dorsi (das vértebras até ao úmero dos braços), que participam tanto no processo da respiração (musculatura secundária), como na flexão lateral da região lombar, assim  como na extensão da coluna.


  • Trabalhar sempre o estiramento através da coluna, tendo em atenção que as extensões nestes casos costumam ser más pois as pessoas que sofrem de escoliose geralmente já têm lordoses, e estas podem acentuar também a torção que geralmente já existe.


  • Usar exercícios de torção em cadeira para o lado côncavo, alongando o lado curto, tendo sempre presente que se deve trabalhar o fortalecimento muscular mais do que o alongamento.


  • Devemos ter muita atenção ao processo respiratório pois quando uma pessoa com escoliose respira de forma profunda agrava a condição (acentuando os desequilíbrios já existentes). Por isso temos primeiro de alinhar o tronco para depois se poder respirar profundamente. Devemos também procurar alinhar a posição da bacia e dos ombros, e só depois utilizar a respiração.


  • Devemos compreender que o alinhamento nunca é total, todas as pessoas e todos os corpos são assimétricos e procurar aceitar o nosso “Eu”, tendo presente que podemos sempre fazer algo para diminuir o sofrimento nos casos em que esta condição é mais dolorosa. 
Jorge Ferreira 


quinta-feira, 23 de abril de 2015

Mindfulness para pais

Mindfulness significa prestar atenção, de propósito e sem julgamentos ao momento presente. Este é um estado de atenção que pode ser mais facilmente aprendido através de uma prática de meditação mas que pode (e deve) ser integrado na nossa vida diária. Nos últimos anos este estado tem vindo a conhecer cada vez mais popularidade à medida que a ciência vai descobrindo os seus benefícios e cada vez mais profissionais – médicos, psicólogos e psiquiatras – o vão divulgando como uma excelente forma de combater o stress e de lidar com os desafios na nossa vida.

É um facto que são cada vez mais os desafios que precisamos de enfrentar nas nossas vidas e também é um facto que cada vez existem mais pessoas a sofrer com problemas relacionados com ansiedade, depressão e outras perturbações. Então é natural que se procurem cada vez mais alternativas. E existem também cada vez mais estudos a comprovar os benefícios do mindfulness, ou atenção plena, em português, para uma vida mais feliz, mais saudável e mais preenchedora. 

Com o avanço que tem acontecido no campo das neurociências estas já vieram demonstrar que, uma prática regular de mindfulness, pode até contribuir para modificar algumas estruturas do cérebro relacionadas com a resposta de stress mas não só: parece que o mindfulness pode contribuir para um retardamento de alguns sinais comuns do envelhecimento ao nível cerebral, aumentar algumas zonas relacionadas com a criatividade e até com a inteligência. Estes estudos demonstram aquilo que já se sabia há algum tempo: que a meditação pode realmente tornar-nos mais saudáveis, felizes, criativos e até mais inteligentes.

Outra das grandes vantagens do midfulness que, em boa parte, deve a sua popularidade ao trabalho de um médico dos E.U.A., Jon Kabat-Zinn, é que, desde que este médico o começou a divulgar nos anos 70 que se tornou mais fácil perceber que este é um estado ou uma prática acessível a qualquer pessoa, de qualquer idade e condição social. Antes do importante trabalho de divulgação e de investigação deste médico nesta área havia muito mais a noção de que a prática da meditação era algo difícil ou exigente e que seria apenas acessível a determinados grupos religiosos ou espirituais. Mas kabat-zinn deu um grande contributo para demonstrar que para meditar não precisamos de estar ligados a nenhuma tradição religiosa nem em nenhum tipo de retiro espiritual.

Para aplicarmos o mindfulness nas nossas vidas e para colhermos os seus muitos e variados benefícios precisamos apenas de alguns minutos de prática diária e de estarmos dispostos também a tentarmos estar presentes na nossa vida diária, seja a trabalhar, a brincar com os nossos filhos ou simplesmente no trânsito a conduzir.

Com esta prática percebemos também que a meditação não tem de ser algo demasiado trabalhoso ou inacessível a pessoas mais agitadas ou com mentes mais preenchidas, como tantas vezes se julga. Percebemos que qualquer pessoa pode meditar e que não precisamos de parar os pensamentos, como por vezes pensamos, para sentir todos os benefícios desta prática.

Benefícios do Mindfulness específicos para pais

Ser pai ou mãe é um dos maiores desafios que podemos enfrentar na nossa vida adulta.

O midfulness é uma óptima ferramenta para lidar com esses desafios porque, por um lado nos permite lidar da melhor forma com todo o stress que, tantas vezes está associado a este processo. E, por outro lado, pode ser também uma excelente ferramenta para criarmos um relacionamento com os nossos filhos que nos permita sentir verdadeiramente realizados nesta relação e que nos permita também perceber que podemos crescer juntamente com os nossos filhos e aprender a criar relações mais felizes, harmoniosas em que seremos mais facilmente capazes de transformar a nossa relação com eles numa fonte de prazer e de gratificação para ambas as partes mas também num espaço onde eles possam crescer de forma mais livre,  feliz e harmoniosa.

Para criar uma boa relação com os nossos filhos, em primeiro lugar, precisamos também de ter uma boa relação connosco. Precisamos de ter alguma capacidade de reflectir sobre a nossa própria história e de dar algum significado às experiências que vivemos. As investigações mostram que existe uma grande probabilidade de repetirmos com os nossos filhos o tipo de experiências que vivemos e de termos com eles o mesmo padrão de vinculação que tivemos com os nossos pais, a menos que alguma coisa na nossa vida, nos permita tomar consciência de tudo o que vivemos e encontrar algum tipo de significado para as nossas experiências, mesmo as mais negativas.

Todos conhecemos histórias daqueles pais que, durante toda a adolescência e início da idade adulta juraram nunca fazer com os filhos aquilo que os seus pais fizeram mas que, assim que se tornam pais, acabam por repetir exactamente os mesmos padrões. Por certo houve também alturas em que todos nos sentimos a agir exactamente como os nossos pais agiam connosco, ou pelo menos com bastante vontade de o fazer. Porque existem determinados padrões de relacionamento e de vinculação que ficam estabelecidos na nossa infância, ficam gravados na nossa memória implícita (que armazena todas as experiências importantes da nossa vida e que influencia diariamente o nosso comportamento de forma inconsciente, através da repetição de determinados padrões ou de comportamentos automáticos e certos mecanismos de defesa.

Então, precisamos de encontrar na nossa vida formas de tomar consciência destes padrões. O mindfulness pode ser uma boa ferramenta para essa tomada de consciência, porque nos permite um conhecimento mais profundo de quem somos e de como funcionamos mas, mais importante talvez, pode ser também uma excelente forma de quebrar esses padrões. Tem sido demonstrado que uma prática de mindfulness pode ajudar, por exemplo, a quebrar o ciclo da depressão crónica que é tão difícil de interromper, justamente porque permite a criação de novos padrões de funcionamento, mesmo ao nível cerebral.

Por outro lado a nossa presença, inteira, completa e livre de julgamentos é o melhor presente que podemos dar aos nossos filhos mas também a nós próprios. O mindfulness ensina-nos que podemos estar connosco independentemente do nosso estado interno. Ensina-nos a ter uma atitude de compaixão e de aceitação para connosco próprios que é fundamental para a saúde mental e para nos sentirmos felizes e bem connosco mesmos. Esta aceitação é mesmo a base da verdadeira auto-estima, de que tanto se fala hoje em dia. 

E, ao aprendermos a estar bem connosco podemos aprender a estar bem também com os nossos filhos. E, quando conseguimos estar verdadeiramente presentes na nossa relação com eles podemos ver que tudo muda. A nossa presença, inteira e de corpo e alma é o melhor presente que podemos dar aos nossos filhos. e, muitas vezes, esta presença é mesmo suficiente para vermos desaparecer tantas coisas que nos incomodavam, é suficiente para vermos a criança crescer, abrir-se e florescer verdadeiramente á nossa frente. Quando somos capazes de estar presentes com os nossos filhos, de verdade, sem julgamentos, sem preocupações, quando conseguimos estar verdadeiramente presentes de coração mas também de cabeça, na nossa relação com eles, estamos a dar-lhes liberdade de crescer, de se sentirem seguros. Estamos a dizer-lhes que eles são importantes, que a sua vida é importante para nós, estamos a dizer-lhes que eles valem a pena, que merecem todo o nosso amor. E, quando fazemos isto é verdadeiramente extraordinário perceber que, a partir daí, tudo se torna mais fácil, tudo passa a a fluir muito mais facilmente. A partir dessa nossa presença, quando nos tornamos capazes de criar para os nossos filhos um lugar seguro a partir do nosso coração, a partir dessa nossa presença completa e inteira, desaparecem os problemas de comportamento, as lutas de poder, as sessões de choro interminável. Desaparecem os gritos, as ansiedades, os medos e as culpas. Porque quando nos tornamos presentes com eles, para eles, estamos presentes também para nós. E quando estamos presentes percebemos que aqui agora está tudo bem, está tudo certo. E quando percebemos isto podemos descansar e, mais importante ainda, podemos deixar que os nossos filhos descansem no nosso amor – uma expressão de Gordon Neufeld que me faz todo o sentido. 


 E quando permitimos que os nossos filhos descansem no nosso amor, quando lhes damos a certeza de que o merecem e de ele está sempre presente, eles podem também abandonar as suas lutas, ansiedades, medos, receios, agitações. Porque se sentem seguros na nossa presença e aprendem assim eles próprios a estar presentes. E ensinar um filho a estar presente, ensinar um filho que é seguro estar presente, ensinar que é possível viver sem cair na armadilha da agitação permanente, da tristeza profunda ou a ansiedade constante, é a melhor oferta que lhes podemos dar para crescerem capazes de ser felizes e com segurança que de que podem ser quem são, em qualquer situação por mais desafiadora que seja. 

Saiba mais aqui sobre o próximo curso de mindfulness para pais no Espaço Vida: http://www.espaco-vida.com/cursos/cursos-workshops.html#pais


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Curso Mindfulness para lidar com os Desafios - comentários dos participantes

Deixo aqui  mais uma partilha de alguns dos comentários dos participantes mais recentes dos nossos cursos de Mindfulness:

Em resposta à pergunta: 
Até que ponto este curso o/a ajudou a lidar com os desafios da sua vida?        
 - Deu-me ferramentas para começar a cuidar de mim. Muito bom. - 41 anos
Ajudou muito, melhor, está e vai ajudar muito. Este curso deu me as ferramentas necessárias para eu passar a encarar a vida de uma forma mais saudável. Com o mindfulness aprendi que a felicidade não é algo que se conquista mas sim que se vai conquistando ao longo da vida. O objectivo não é chegar ao topo da montanha mas sim subi-la com todas as dificuldades e facilidades que ela nos proporciona e aceitar isso com tranquilidade. - 46 anos, desempregado

- Ajudou-me bastante. Como é um trabalho progressivo, os retornos serão maiores  quanto mais trabalhar e me dedicar. A aprendizagem e os passos atingidos serão fruto da minha dedicação. - 38 anos, aviação. 

Na secção dos comentários e sugestões:
- Foram 8 semanas de aprendizagem e de auto-aprendizagem: do meu eu, de aprender a partilhar sentimentos em grupo, de estar atenta a tantas sensações que nos passam despercebidas todos os dias. Contudo muito caminho a percorrer ainda. Grata por todos os momentos. - 39 anos, Account Executive.

-Tive a oportunidade de lêr o livro Mindfulness Yoga e gostei muito, está muito claro, de facil leitura e rico em informação. Como grande parte do que foi falado no curso está referido no livro, penso que seria interessante distribui-lo aos formandos mesmo que para isso fosse preciso aumentar o valor do curso. - 46 anos, desempregado. 


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Yoga e Ansiedade nas crianças

Yoga e ansiedade nas crianças 

Muitos pais falam comigo preocupados com os comportamentos ansiosos que vêem nos seus filhos. Porque, infelizmente, são cada vez mais os casos de crianças que sofrem com a tensão em que vivem quase diariamente e são cada vez mais os comportamentos que o demonstram como, por exemplo, dores de cabeça constantes como acontece com algumas crianças que conheço.

E, a maior parte das vezes, estes pais que chegam até mim que, na maior parte dos casos, são pessoas informadas, preocupadas e atentas já ouviram dizer que o yoga pode ser uma boa solução e muitas vezes esta é mesmo a recomendação do médico de família ou do pediatra que segue a criança. Como, além de psicóloga também sou professora de yoga e também já dei aulas de yoga a crianças, então muitas vezes estes pais vêm falar comigo na esperança de encontrarem no yoga uma solução para a ansiedade dos filhos. Mas  verdade é que fico sempre com sentimentos ambivalentes nestes casos, que vou tentar explicar porque surgem.

Benefícios do Yoga para crianças


É verdade que uma prática de yoga pode ter vários benefícios para uma criança. Por um lado, do ponto de vista físico, é importante que as crianças ganhem uma maior consciência do corpo e que aprendam o que podem fazer para o manterem saudável ao mesmo que podem também aprender a ter algum prazer com isso. Também é verdade que as crianças passam cada vez mais tempo sentadas e têm cada vez menos oportunidades de mexer o corpo e de entrar em contacto com ele e de explorar os seus limites, pelo que as aulas de yoga podem ser uma boa altura para o fazerem. Uma vantagem do yoga em relação a outros desportos é o facto de não ter a vertente competitiva que está presente nos outros e que pode ser uma fonte de tensão e de ansiedade para as crianças que, cada vez mais, já estão sujeitas a tantas pressões para serem capazes e para serem as melhores em tantas áreas da sua vida. O yoga pode ser também uma boa forma da criança entrar mais em contacto com as suas emoções e de aprender a adquirir algumas estratégias e ferramentas que lhe permitam geri-las da melhor forma. Através de alguns exercícios de respiração, de relaxamento e de concentração a criança pode aprender a libertar alguma tensão, a estar mais em contacto com o seu mundo interno a ser mais capaz de gerir os seus estados. O yoga pode também ajudar na capacidade de concentração levando a criança a perceber que é possível direccionar a sua atenção e a não ficar tão à mercê das distracções. Se o professor for capaz de transmitir à criança uma atitude de aceitação e de respeito pelo próprio corpo isto pode também ter um papel importante na auto-estima da criança e na criação de uma auto-imagem positiva. Todos estes benefícios têm vindo a ser comprovados por algumas investigações que vão sendo feitas nesta área.

No entanto não acho que o yoga deva ser encarado como a primeira solução para lidar com a ansiedade e insegurança nas crianças. Até porque, as crianças mais ansiosas, são justamente aquelas que terão mais dificuldade em retirar verdadeiros benefícios de uma aula de yoga.


As crianças vivem ainda muito em relação. Os adultos também mas, nas crianças, isto está ainda mais presente. Na infância os relacionamentos que formamos com as pessoas significativas são a fonte mais poderosa de experiências e a que mais contribui para moldar o nosso cérebro e a nossa forma de lidar com o mundo e connosco próprios. As crianças nascem totalmente predispostas para estabelecer relações significativas com as pessoas que cuidam de si. E nascem também com uma tendência inata para confiar nessas pessoas e para verem o mundo através daquilo que elas lhes mostram. Assim, as crianças são autênticos espelhos da forma dos seus pais estarem no mundo. Uma criança procura nos seus pais referências para a forma como se deve comportar, para a forma como deve agir, para a forma como deve lidar com as emoções e sentimentos. 

Os bebés quando nascem passam os primeiros meses num estado de fusão emocional com a mãe, isto quer dizer que, para além de precisarem muito da sua presença e da sua disponibilidade quase constante também acabam por ser um bom reflexo das suas emoções e daquilo que a mãe vai sentido. Se a mãe está ansiosa, por exemplo, os bebés demonstram muito rapidamente essa ansiedade passando a ter um comportamento mais agitado e com mais choro. Observações feitas com mães deprimidas mostraram que os bebés dessas mães apresentavam eles próprios um comportamento semelhante ao da depressão: mostravam muito mais expressões de desconforto de mau-estar do que expressões positivas, tinham episódios de choro mais frequentes do que os filhos de mães não deprimidas e tinham uma maior tendência para se tornarem bebés que mostravam muito pouca vontade de interagir. Isto demonstra que os bebés aprendem com as mães como devem olhar para o mundo e também como olhar para si próprios. Também do ponto de vista neurológico há estudos que mostram que o organismo do bebé tem tendência para se regular através do contacto com o organismo da mãe. Por exemplo, se o bebé está a chorar é muito mais fácil acalmá-lo se a mãe estiver com ele no colo e se mantiver ela própria calma. É como se o organismo mais maduro da mãe mostrasse ao bebé como pode passar de um estado de tensão e mal-estar para um outro estado diferente, de equilíbrio.

Por outro lado, a forma como respondemos aos nossos filhos também vai moldando o seu organismo. Por exemplo, sabe-se que os bebés que são repetidamente expostos a situações de stress - como nos casos em que são deixados a chorar sozinhos – acabam por ter os seus organismos inundados de cortisol, o que faz com o seu hipocampo perca a sensibilidade a esta hormona e deixe de ser capaz de avisar o cérebro que já foi produzida em excesso, o que quer dizer que, o hipotálamo se torna incapaz de desligar a produção de cortisol e a criança passa a viver com a resposta de stress ligada quase de forma permanente. Isto significa que esta será uma criança que terá sempre muita dificuldade em lidar com os desafios. Porque o seu organismo está já num estado permanente de sobrecarga que acaba por provocar um desgaste e fazer com que lhe sobre muito pouca energia extra para lidar com desafios.

Sobretudo durante os primeiros dois anos de vida, o cérebro das crianças está em constante formação. Nesta altura são perdidas e criadas milhares de ligações neuronais. É como se a criança, durante estes dois anos, estivesse a tentar perceber em que tipo de mundo irá viver e tentasse adaptar-se o melhor possível a este. Isto quer dizer que através das experiências que os pais proporcionam ás crianças, ela vai moldando o seu  organismo e o seu cérebro de forma a criar determinados padrões. E estas experiências incluem não só a forma como os pais respondem às suas necessidades mas também a forma como vê os seus próprios pais a lidar com as emoções. As crianças aprendem mais por imitação do que pelo que ouvem e, sobretudo nos primeiros tempos de vida, elas são peritas a sentir mesmo o que não foi dito. Nos dois primeiros anos a criança usa principalmente o lado direito do seu cérebro que está ligado ás emoções e, só a partir dos dois anos de vida, com o desenvolvimento da linguagem é que a criança começa a ser capaz de usar o lado esquerdo que lhe permite racionalizar, analisar e interpretar de forma  mais elaborada o que sente. Isto quer dizer que, nestes primeiros dois anos de vida, criança absorve muita coisa e faz muitas aprendizagens apenas através daquilo que sente com os pais.

Então, quando penso em crianças ansiosas, inseguras ou com alguma dificuldade em lidar com as situações da vida, é inevitável pensar que isso estará, de algum modo ligado ás experiências que viveu com os seus pais. E, se é verdade que os primeiros dois anos de vida são determinantes no que toca a essa moldagem que vai acontecendo, também é verdade que, durante toda a infância continua a existir alguma permeabilidade que permite à criança alterar esses padrões que foram criados. Também é verdade que esta capacidade de alterar esses padrões se mantém até na vida adulta mas, acontece que, na infância, esses padrões ainda não estão tão consolidados o que facilita essa alteração.

Uma das formas mais eficazes de alterarmos os nossos padrões de funcionamento é através das relações que estabelecemos com os outros e criam determinadas experiências dentro de nós, que nos fazem segregar hormonas e neuropéptidos – substâncias que segregamos em função daquilo que sentimos e que têm o poder de influenciar e de alterar a nossa fisiologia. E, se isto é verdade ao longo de toda a vida é ainda mais verdade durante a infância: uma altura em que estamos mais receptivos, mais predispostos a estabelecer relações e deixarmos-nos moldar por elas. Na meditação do tipo mindfulness, por exemplo, que tem vindo a ser comprovada como uma excelente forma de quebrarmos determinados padrões e de alterarmos o nosso funcionamento mesmo ao nível cerebral, o que acontece é justamente o facto de nos tornarmos capazes de estar verdadeiramente em relação connosco próprios e é isso que pode fazer toda a diferença na forma como encaramos a vida.

Então, isto quer dizer que, antes de decidirmos que uma criança ansiosa tem um problema e que precisamos de encontrar estratégias para a ajudar a lidar com ele, podemos pensar que ela está apenas a fazer aquilo que aprendeu connosco ao longo dos seus anos de vida e que, por isso mesmo, uma forma muito eficaz de a ajudar a lidar com a sua ansiedade é aprendermos a lidar com a nossa.

Sem culpas, porque cada pai ou mãe faz exactamente o melhor que sabe fazer com os seus filhos e sem culpas porque apenas podemos dar aos nossos filhos aquilo que aprendemos a dar a nós próprios. Então, se queremos verdadeiramente quebrar o ciclo e ajudar os nossos filhos a lidarem da melhor forma com as suas emoções, precisamos primeiro de aprender a lidar com as nossas. Por isto, dou comigo muitas vezes a dizer aos pais que, em vez, de porem os seus filhos a praticar yoga deviam pensar em ser eles próprios a praticar. Porque, honestamente, se é verdade que as crianças ansiosas ou inseguras podem encontrar no yoga algumas ferramentas que lhes permitam lidar melhor com essa ansiedade, também é verdade que essas crianças aprenderam a sê-lo por causa de todas experiências que viveram com os pais. Então, acredito que a melhor forma de eliminar de vez essa insegurança ou ansiedade é modificar essas experiências.

Muitas vezes, justamente por causa dos nossos receios ou ansiedades acabamos por acreditar que são as pessoas de fora que podem ajudar os nossos filhos  quando a melhor ajuda é nós simplesmente estarmos dispostos a estar presentes, verdadeiramente presentes na relação que temos com eles. Então, muitas vezes os pais fazem o esforço de levar o filho a algum lado para fazer aulas de yoga, incluindo mais uma actividade nas suas agendas já tão preenchidas e atarefadas quando esse tempo seria muito mais bem empregue se o passassem com a criança, criando espaço e oportunidade para estarem verdadeiramente com ela.


A nossa presença, inteira, completa de corpo e coração é o melhor presente que podemos dar a uma criança. E, quando nos tornamos capazes de lhe dar essa presença de forma regular, com que ela possa aprender a contar, estamos a criar-lhe a possibilidade de crescer no verdadeiro sentido do termo. Essa presença dos pais tem um efeito terapêutico muito mais profundo e completo do que aquele que qualquer aula de yoga ou qualquer outra relação lhe pode proporcionar. Uma criança precisa, mais do que tudo de sentir a presença e a aceitação incondicional dos seus pais. É a falta dessa presença - que acontece, a maior parte das vezes, por causa das nossas próprias ansiedades - que está na base de todas as inseguranças com que os nossos filhos lidam. Então, antes de procurarmos no exterior a correcção e a solução para esses medos ou dificuldades que os nossos filhos enfrentam, acredito que faremos muito melhor se as procurarmos em nós mesmos. E isto implica uma grande responsabilidade, sim, é verdade. Mas é uma responsabilidade sem culpa. É uma responsabilidade apenas de nos tornarmos conscientes do nosso poder enquanto pais ou mães de uma criança mas uma responsabilidade onde não entram culpas porque, enquanto pais, também já fomos filhos e fazemos apenas o melhor que nos foi possível aprender com os nossos pais. E sem culpas também porque é essencial que saibamos que é sempre tempo de mudar aquilo que ensinamos e transmitimos aos nossos filhos. Basta tomarmos consciência de que é tempo de lidar com as nossas feridas, é tempo de quebrar o ciclo e basta tomarmos consciência de que os nossos filhos estão sempre prontos, disponíveis para nos receber e para aceitar o que temos para lhes dar, sobretudo quando conseguem sentir que estamos realmente dispostos a tentar fazer diferente. 

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Mindfulness e Depressão - Acolher com Atenção Plena a nossa Dor

A depressão é um problema cada vez mais comum nos nossos dias. E é um facto que cada vez aparecem mais pessoas que dizem estar deprimidas ou que são diagnosticadas como tal pelo médico de família. 

Quando aparece alguém a dizer que está deprimido geralmente ou foi a própria pessoa que fez o seu diagnóstico ou foi o médico de família que lhe disse que estaria com uma depressão. Por vezes também acontece aparecerem pessoas na minha consulta que querem que lhes diga se estão deprimidas.  Nestes casos fico sempre na dúvida sobre até que ponto é útil colocar esse rótulo ou não. Regra geral não gosto muito de fazer diagnósticos. Por um lado porque gosto de tratar todas as pessoas com que lido com um indivíduo único e não como um conjunto de sintomas. Por outro porque, muitas vezes, o peso de se passar a ter um rótulo associado se pode ajudar a pessoa a sentir que não é a única a passar por aquele sofrimento, também pode fazer com que a pessoa fique tão identificada com esse rótulo que passa a sentir que ele faz quase parte de si. E em muitos casos isto quer dizer que se acaba por sentir que é uma espécie de pessoa com defeito e que não há muito a fazer a não ser aceitar que terá que lidar com essa condição para o resto da vida. No caso da depressão isto não é tão grave porque, apesar de tudo, esta é uma perturbação que normalmente é encarada como tendo um carácter passageiro. O problema acontece quando a pessoa começa ter várias recaídas de episódios depressivos e aí é mais provável que comece a pensar que há alguma coisa em si que não funciona como devia e que terá de lidar com isto para sempre. 

Depressão e Anti-depressivos


Quase sempre, a seguir a um diagnóstico de depressão, vem a receita de um anti-depressivo qualquer que é encarado pela a maior parte dos médicos como um mal inevitável e como a melhor forma de lidar com esta perturbação que, às vezes, é quase encarada como uma doença igual às outras que podem ser tratadas com antibióticos,por exemplo.

Acontece que, até pode ser verdade que o anti-depressivo ajuda a restabelecer algum tipo de equilíbrio químico no nosso cérebro que está ligado à depressão. Mas, a verdade, é que é muito redutor pensarmos que o nosso conjunto de emoções e sentimentos mais profundos se resume a algumas ligações químicas que podem ser alteradas à vontade. O facto de haver algumas alterações visíveis no cérebro das pessoas que estão deprimidas não significa necessariamente que estas sejam a causa da depressão, elas podem ser simplesmente o reflexo daquilo que se passa com a pessoa. A verdade é que as neurociências ainda não conseguiram estabelecer uma relação de causa efeito que nos diga com certezas absolutas o que é que causa o quê no nosso cérebro. 

Justamente porque essa ligação que existe entre as emoções e sentimentos e as ligações químicas e neurológicas no nosso corpo não é uni-direccional o que me parece que os anti-depressivos fazem é distanciar a pessoa ainda mais do seu corpo e das suas emoções e sentimentos. Porque é como se a pessoa passasse a receber uma mensagem do corpo que não corresponde em nada à forma como se sente ou como pensa. Sempre que temos algum pensamento ou sentimento provocamos a libertação de uma substância a que Candace Pert chamou neuropéptidos e estas substâncias são responsáveis por toda uma série de modificações que acontecem por toda a nossa corrente sanguínea que, por sua vez, poderão provocar alterações no nosso sistema nervoso e no modo de funcionamento do cérebro activando diferentes áreas e ligações neuronais em função daquilo que está a ser pensado ou sentido. 

Isto quer dizer que, quando usamos uma substância química para alterar as nossas hormonas e o nosso funcionamento cerebral ou neurológico acabamos por fazer com que o nosso corpo fique muito mais limitado na sua forma de viver e de manifestar as emoções, sentimentos e pensamentos. E, isto, com o tempo acaba por criar ainda mais mal-estar. Porque criamos uma dificuldade ainda maior na nossa capacidade de sentir e de nos sintonizarmos com o nosso corpo e com as emoções que são manifestadas através dele. 

Então a pessoa acaba por se alienar ainda mais do corpo  e das emoções e passa a viver de forma cada vez mais superficial. Por isso muitas pessoas dizem que, quando estão a tomar anti-depressivos deixam de sentir tanto as coisas más mas também deixam de sentir tanto as boas. Cria-se uma distância ainda maior entre a pessoa e os sinais que lhe dá o corpo e que estão ligados ao que sente e ao que pensa e isto, em vez de resolver o que quer que seja só serve para o piorar. Claro que quando a pessoa está numa depressão tão grande que nem consegue arranjar forças para sair da cama, para se vestir ou tomar banho os anti-depressivos podem ser um empurrão necessário para que a pessoa consiga ganhar forças para procurar ajuda noutro lugar. Mas, o problema é que, na maior parte dos casos eles são receitados a pessoas que ainda não estão nesse estado depressivo tão grave e, por outro lado, mesmo nestes casos eles quase nunca são usados como uma ajuda temporária, que poderia levar a pessoa a ter a força necessária para procurar outras ajudas,  mas sim como uma muleta permanente. Porque outro dos problemas dos anti-depressivos, além de todos os efeitos secundários que causam, é o facto de criarem níveis de dependência elevados que dificultam muito a interrupção da sua toma. E, nestes casos, os anti-depressivos causam mais problemas do que resolvem porque, também do ponto de vista físico, têm uma série de efeitos secundários que podem diminuir bastante a qualidade de vida de quem os toma.

                         Lidar com a Dor sem Sofrimento


Vivemos numa sociedade em que estamos muito pouco habituados a lidar com a dor. Corremos a tomar analgésicos ao primeiro sinal de dor de cabeça, de dentes, de barriga. E queremos muito fazer o mesmo com as dores emocionais. Já conheci casos de pessoas que tinham perdido alguém próximo há muito pouco tempo quando foram a uma consulta com o médico de família que lhes quis receitar anti-depressivos. Então vivemos numa sociedade em que já nem é permitido esta triste nas alturas em que é mesmo suposto estarmos tristes. Temos muito medo de viver as nossas tristezas, de lidar com elas, de as enfrentar, de lhes dar espaço. E este é mesmo o melhor caminho para uma depressão. Quando passamos anos a tentar enterrar as nossas dores acabamos por fazer com que um dia elas se tornem tão presentes que já não conseguimos fazer nada para as mandar embora. 

Um dos problemas da depressão são os chamados pensamentos ruminantes, em que a pessoa luta contra a própria depressão. São os pensamentos do tipo: porque é eu não consigo vencer isto? Porque é que todos parecem andar tão alegres menos eu? porque é que sou tão fraca? porque é que todos conseguem viver a vida menos eu? etc. Acontece que, quanto mais lutamos com os nossos pensamentos mais força eles acabam por ganhar. E assim criamos determinados padrões de funcionamento que são muito difíceis de romper. Sempre que temos um determinado tipo de pensamento activamos um determinado grupo de neurónios e, ao fazê-lo, estamos a criar redes neuronais que, quanto mais forem usadas, mais prontas estarão a ser activadas novamente. Esta é a razão pela qual sempre que temos uma depressão se torna mais provável que tenhamos uma segunda, e se temos uma segunda aumentam ainda mais as probabilidades de termos uma terceira e por aí fora. Porque criamos determinados padrões de funcionamento que activam essas redes neuronais que, por terem sido muito usadas, ficam cada vez mais prontas a disparar, como um músculo bem exercitado. 

Então é aqui que entra o mindfulness e este é tão eficaz a quebrar o ciclo da depressão porque ajuda a enfraquecer essas redes neuronais. Isto acontece porque, por um lado, o facto de pararmos de lutar com os nossos estados internos lhes retira um pouco do seu impacto e, por outro, porque o facto de aprendermos a observar os nossos estados internos sem lhes reagir e sem nos identificarmos com eles também faz com que esta ligações percam muita da sua força. 

Na tradição budista distingue-se a dor do sofrimento: a dor é inevitável e contra esta não podemos fazer nada mas o sofrimento, esse sim, pode ser evitado. O sofrimento é uma nova camada de dor que construímos à volta da dor original. Para perceber isto melhor imagine que se levanta de noite para ir à casa de banho, como está cheio de sono prefere não acender a luz e, pelo caminho, bate com os dedos no pé de uma mesa. Sente aquela dor aguda que lhe diz que magoou a sério os seus dedos. Esta dor é real e está presente de facto. Mas, logo a seguir, aquilo que acontece é que começa a julgar essa dor e a querer que desapareça e, na nossa tentativa desajeitada de querermos alterar a realidade em que nos encontramos a tendência, neste caso, seria para começarmos a distribuir culpas: ou porque não acendemos a luz e devíamos ter acendido se não fossemos preguiçosos, ou porque nos devíamos ter lembrado da mesa nova que acabámos de comprar com que chocámos ou porque alguém tirou a mesa do lugar onde deveria estar. Nestes pensamentos aquilo que queremos fazer é quase criar uma nova realidade para fugir daquela que, neste momento, é tão dolorosa. Mas, para o fazermos, acabamos por criar ainda mais tensão: cerramos os punhos zangados connosco ou com os outros, contraímos os maxilares e os músculos do pescoço, da cara e dos ombros. É como se ao contrair as várias partes do corpo acreditássemos que podíamos expulsar aquela dor. Mas não podemos. E, ao tentar fazê-lo só criamos ainda mais tensão e sofrimento à volta daquela dor. Então o mindfulness ensina-nos que podemos simplesmente observar e acolher as nossas experiências. E, quando o fazemos, percebemos que aquela dor afinal, quando lhe damos espaço, passa depressa e que, a nossa tentativa de a eliminar, na verdade só serve para a prolongar. 

E com as nossas emoções passa-se o mesmo: os nossos sentimentos são flutuantes, as emoções surgem e desaparecem naturalmente em cada situação. Mas, se lutamos e rejeitamos algumas emoções isso só fará com que elas permaneçam mais tempo na nossa consciência. Se aprendermos simplesmente a observá-las percebemos que atrás da tristeza vem a alegria e que existe um ciclo e um flutuar constante na forma como nos sentimos e pensamos. Mesmo que alguns sentimentos pareçam, por vezes, mais duradouros, eles também acabam por passar e por se transformar se lhes dermos espaço para isso. 

A dor, física, é um sinal de alarme. Avisa-nos que há alguma parte do corpo que foi agredida, ou que poderá estar com algum tipo de dificuldade ou problema. Se tentarmos ignorar esse alarme ele precisa de se tornar ainda mais forte e, se o mascarmos demasiadas vezes com analgésicos corremos o risco de, com o tempo, desenvolver algum problema ainda mais sério. 

O mesmo acontece com a dor emocional: também nos avisa de alguma parte de nós foi ferida, agredida de algum modo e esse aviso é precioso. Porque quer dizer que alguma parte de nós precisa de mais atenção. Quando um filho se magoa e chora, o instinto de qualquer pai ou mãe, é pegar-lhe ao colo e perguntar o que aconteceu. E isto, só por si, principalmente se for feito com calma e com carinho é suficiente para que a criança se acalme. Então precisamos de aprender a fazer o mesmo connosco. Precisamos de aprender a acolher e a olhar para as nossas dores em vez de as rejeitarmos. Precisamos de saber que tudo ficará bem se formos simplesmente capazes de olhar para nós e de nos acolhermos tal como somos, tal como estamos em cada momento da nossa vida, não como gostaríamos de ser ou como a voz da nossa cabeça nos diz que deveríamos ser, mas exactamente como somos. Esta é a proposta do mindfulness e é só através desta capacidade de olharmos para dentro com o mesmo amor e a mesma compaixão que olhamos para um filho que sofre porque se magoou é que podemos aprender a viver bem e a estar felizes mesmo quando nos dói alguma coisa. 

E quando nos tornamos capazes de ser o nosso próprio colo, quando nos tornamos capazes de voltar para dentro esse olhar de aceitação, de amor e de compaixão, deixamos de precisar de por nomes e rótulos ao nosso sofrimento e percebemos que podermos ser felizes, verdadeiramente felizes, mesmo com alguma dor de vez em quando. 

Curso - Mindfulness para Lidar com os Desafios  

É com o intuito de divulgar e partilhar os benefícios que pode ter uma prática regular de Mindfulness que vou começar, dia 1 de Novembro, mais um curso de Mindfulness para lidar com os Desafios, no Espaço Vida, em Lisboa. Pode saber mais aqui sobre este curso: Mindfulness para Lidar com os Desafios

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Video do Lançamento do livro Mindfulness Yoga


Deixo aqui o vídeo do lançamento do livro Mindfulness Yoga - Atenção Plena para lidar com os Desafios, em 27 de Setembro, na Galeria Abraço, em Lisboa. O livro foi apresentado pelo Prof. Mário Simões, psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa. 
Infelizmente havia uma obra num prédio em frente que, em alguns momentos, dificultou um pouco a gravação, por isso pedimos desculpa pela má qualidade do som, especialmente em algumas partes da gravação.