quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A Meditação como Ferramenta Terapêutica



Meditação no Oriente e no Ocidente

Meditar para os Ocidentais, geralmente, significa pensar a fundo sobre determinado assunto, mas no Oriente esta palavra designa um vasto conjunto de técnicas que servem para treinar a atenção e que podem exercer grandes mudanças em todo o nosso aparelho perceptivo.

No livro “Psychology of Meditation” (West, 1987) Guy Claxton escreve uma pequena história que se usa por vezes no Budismo Zen, para ilustrar o que é a Meditação:

Um dia um homem do povo disse a um Mestre Zen, Ikkyu : Mestre, por favor, pode escrever-me algumas máximas da mais alta sabedoria?
Ikkyu imediatamente pegou na pena e escreveu a palavra: atenção.
É só isso? – Perguntou o homem. Não quer acrescentar mais nada?
Ikkyu então escreveu rapidamente duas vezes: atenção, atenção.
Então?!- respondeu o homem com irritação- Eu realmente não vejo grande profundidade ou subtileza no que escreveu.
Então Ikkyu escreveu a correr a mesma palavra 3 vezes: Atenção, Atenção, Atenção.
Já meio zangado o homem perguntou: Mas o que é que quer dizer essa palavra atenção, afinal?
E Ikkyu respondeu gentilmente: Atenção significa Atenção.

Na sua essência, Meditar é aprender a prestar atenção. Esta prática está presente nas culturas orientais que desde sempre a reconheceram como uma prática espiritual ou religiosa, mas também tem feito parte da cultura ocidental, nomeadamente nas correntes mais místicas da tradição Cristã. Sta. Teresa de Àvila, um bom exemplo do misticismo na tradição Cristã, recomendava às suas noviças que, nas suas práticas espirituaisa, adoptassem uma atitude muito semelhante à da meditação: “Eu não requeiro de vós que formem grandes e sérias considerações no vosso pensamento. Só peço que olhem.” (Le Shan, 1983)

Hoje em dia esta prática tem vindo a ser redescoberta cada vez mais no Ocidente e os seus benefícios têm vindo a ser estudados e cada vez mais reconhecidos pela ciência (ver artigo: http://psiyoga.blogspot.com/2008/06/efeitos-da-meditao-ao-nvel-psicolgico.html ). Assim, hoje em dia, reconhece-se que esta prática pode vir a ter um efeito bastante terapêutico e esta começa mesmo a ser cada vez mais usada como uma técnica auxiliar na psicoterapia.


Meditação em Psicoterapia

Um autor pioneiro no uso da meditação como uma técnica terapêutica foi Kabat-Zinn que no seu livro Full Catastrophe Living descreve a forma como tem vindo a ensinar esta técnica, juntamente com alguns exercícios de yoga e de relaxamento, na sua clínica, nos E.U.A., a pessoas com vários problemas de saúde relacionados com o stress ou com doenças crónicas e incapacitantes. A aplicação da meditação nestes casos reduz os níveis de stress e ansiedade, com a consequência de diminuir ou mesmo fazer desaparecer várias complicações de saúde provocadas por este (como hipertensão arterial, problemas digestivos, problemas cardíacos, etc) ou, nos casos em que a condição física da pessoa não tem mesmo cura, estas aprendem a lidar com a sua situação de forma bastante mais tranquila e com uma atitude mais saudável. Nos casos de pessoas com condições que provocam dor crónica, por exemplo, o seu programa tem mostrado que, após alguns meses de treino, a meditação pode mesmo ajudar a diminuir muito os níveis de dor que a pessoa experimenta diariamente.


Meditação da Atenção Plena

Existem várias técnicas de meditação mas aquela que tem sido mais estudada, (muito graças ao trabalho de Kabat-Zinn) e que parece ter maior aplicação terapêutica, é a técnica de Mindfulness Meditation que, em português, pode ser traduzida como a Meditação da Atenção Plena.

Chris Mace que (2008) escreveu um livro sobre as implicações desta prática para a saúde mental, recolheu as seguintes definições de autores que se dedicaram à prática, mas também ao estudo daquilo que significa este tipo de meditação:

- Kabat- Zinn (1994)– Mindfulness significa prestar atenção de uma forma particular: de propósito, no momento presente e sem julgamentos.

- Gunaratana (1992) – a) Mindfulness lembra-nos daquilo que é suposto estarmos a fazer; b) vê as coisas como elas realmente são; c) vê a verdadeira natureza de todos os fenómenos.

- Goleman (1988) – Em Mindfulness o praticante de meditação enfrenta os factos crus da sua experiência, vendo cada evento como se ocorresse pela primeira vez.

-Hanh (1991) – Mindfulness é manter a nossa consciência viva para a realidade presente.

-Germer (2005) – Mindfulness é a consciência (awareness) da experiência presente com aceitação.

Esta meditação surgiu chegou até nós como parte da filosofia Budista, que divide o caminho para a libertação em oito estágios, o Caminho Òctupulo, no qual a meditação é um instrumento essencial para o conhecimento de si e do mundo e para a consequente libertação do sofrimento causado pela ignorância (que a meditação elimina) e que é uma presença constante na vida humana.


Meditação e Psicologia Cognitiva

A Psicologia Cognitiva parte do princípio que são os pensamentos – cognições - os grandes causadores de todas as nossas emoções, negativas e positivas.

Na realidade, a filosofia Budista e a Psicologia Cognitiva estão perfeitamente de acordo quando reconhecem que o nosso comportamento e os nossos sentimentos dependem dos nossos pensamentos e da forma como interpretamos o mundo. Assim, muitos sentimentos ou comportamentos disfuncionais, são causados por padrões de pensamento também eles disfuncionais, aos quais ficamos muitas vezes presos. Para a Psicologia Cognitiva a chave para a libertação e para se viver com melhor saúde mental, será o reconhecimento desses padrões de pensamento disfuncionais que aprendemos a ter em algum momento das nossas vidas a sua substituição por padrões mais funcionais, que nos permitam ver o mundo de forma mais segura e tranquila.

Com a meditação do tipo Mindfulness, conseguimos justamente tornar-nos mais conscientes desses mesmos padrões de pensamento e de funcionamento mental, o que nos permitirá, com o tempo, deixarmos de estar completamente dependentes destes. Com este tipo de prática passamos a reconhecer que os nossos pensamentos são apenas pensamentos; ou seja, que não traduzem necessariamente a realidade.

Exemplo: podemos pensar numa pessoa ansiosa que pensa frequentemente que as pessoas não gostam dela porque não é capaz de ter uma conversa agradável e sente que deve ser muito estúpida, aos seus olhos e aos dos outros. Com uma intervenção do tipo cognitivo, o que o psicólogo tentaria fazer, seria levar a pessoa a reconhecer este padrão de pensamento e a substituí-lo por outros mais positivos ou construtivos.

Com uma prática regular de meditação, o que acontecerá, é que própria pessoa passará a ter mais noção dos pensamentos que produz; o que significa que acabará também por perceber a ligação entre o pensamento e os sentimentos negativos que este produz. Mas, com o tempo, a pessoa passará também a ter uma atitude mais distante para com os seus pensamentos o que quer dizer que, em vez de apenas se sentir mal, quando pensa que é estúpida, passa a ter a noção de que não é uma pessoa estúpida, é apenas alguém que tem este tipo de pensamentos. O quebrar deste elo pensamento-sentimento-reacção acabará por fazer com que desapareçam os sentimentos de rejeição e de inadequação, acabando mesmo por levar à própria extinção deste padrão de pensamentos.

De acordo com vários autores, como indicam algumas investigações (ver artigo: http://psiyoga.blogspot.com/2008/06/efeitos-da-meditao-ao-nvel-psicolgico.html ) um dos grandes benefícios da meditação é justamente a quebra dos automatismos nos processos perceptivos e cognitivos, o que nos dá uma grande liberdade de escolha e nos permite deixar de estar presos aos nossos pré-conceitos e a todas as experiências que nos levaram a formá-los e que condicionam sempre as nossas interpretações.


Meditação como prevenção das recaídas em casos de depressão crónica

Segundo indicam as estatísticas, cerca de dois terços das pessoas que já tiveram duas depressões, terão fortes probabilidades de vir a ter uma terceira.

Williams, Teasdale, Segal e Kabat-Zinn (2007) desenvolveram um programa que usa a Meditação da Atenção Plena como uma das principais técnicas para prevenir recaídas com pessoas que tinham já sofrido mais de duas depressões.

Uma das características da depressão são os pensamentos ruminantes: a pessoa entra num ciclo vicioso de maus pensamentos dos quais não consegue libertar-se. O grande problema das recaídas passa justamente pelo facto de que quanto pior a pessoa se sente, mais negativos se tornam os seus pensamentos, porque à tristeza e desmotivação de que não se consegue libertar, acabam por se juntar os sentimentos de culpa por não ser capaz de sair destes estados. Isto torna-se um ciclo vicioso do qual se torna muito díficil sair.

Hoje em dia os estudos mais recentes de neurofisiologia mostram que, de facto, parece que o nosso cérebro tem uma certa tendência para manter o mesmo tipo de pensamentos. Daniel Goleman, descreve que as imagens a que hoje já se pode ter acesso do nosso cérebro, mostram que os neurónios têm tendência para percorrer sempre os mesmos caminhos, aqueles a que estão habituados, a menos que alguma intervenção ou acontecimento os faça mudar. Assim, uma pessoa que tem constantemente pensamentos de tristeza, ficará de certa forma, presa a esse tipo de pensamentos a menos que lhe sejam fornecidas as ferramentas para os alterar. A meditação pode ser justamente essa ferramenta.


Possíveis Contra-Indicações para a prática

À partida a meditação poderá ser uma prática com inúmeros benefícios para a saúde mental e não só, como comprovam as várias investigações efectuadas.

Mas, na realidade, esta prática poderá também ter um efeito destabilizador em algumas pessoas. A prática da Atenção Plena pode ser desestruturante para pessoas com egos muito frágeis, a melhor percepção que a meditação nos proporciona sobre os nossos dilemas e emoções dolorosas, pode ser muito difícil para pessoas com uma estrutura psicológica frágil. Para este tipo de pessoas, alguns autores como Silvia Borstein (1996) recomendam práticas mais corporais, como o Hatha Yoga, ou meditação a andar, em vez de práticas muito intensas em que se está sentado o tempo todo.

Para que a pessoa possa beneficiar de uma prática regular de meditação também há algumas características que, há partida, devem estar presentes, tais como: auto-disciplina, propriedades auto-reforçantes e receptividade.

Há casos de pessoas que durante a meditação revivem algumas experiências traumáticas que estavam recalcadas no seu subsconsciente o que pode também ter um efeito um pouco destabilizador.

Por vezes também é possível que algumas pessoas, com necessidade excessiva de controlar possam confundir meditação com hipnose, nestes casos pode ser mais adequado usar uma técnica de relaxamento progressivo, de acordo com Patricia Carrington. A mesma autora salienta que a meditação pode ser útil nos seguintes casos:

Tensão e ansiedade
Desordens psicológicas
Estados de fadiga crónica
Insónia ou hipersónia
Abuso de drogas
Culpabilização excessiva
Depressão crónica
Irritabilidade
Submissão
Reacções patológicas à perda
Ansiedade de sepração
Bloqueios à criatividade
Contacto inadequado com a vida afectiva
Confiança no próprio em vez de no terapeuta


Meditação na prática
A meditação deve ser aprendida, de preferência, com um professor que possua já alguma experiência. No ínicio é mais fácil se tivermos alguém que nos guie, durante as primeiras práticas. Também há bons livros há venda, mas um professor será sempre útil para responder às nossas dúvidas e para nos ajudar a escolher o melhor para nós.

Se tiver algum problema psicológico ou emocional, não tente meditar sozinho em alturas de grande tensão ou tristeza, procure primeiro a ajuda de um psicólogo que, de preferência tenha algum conhecimento desta prática. Mas, se quiser apenas vivenciar um pouquinho daquilo que é meditar aqui ficam algumas indicações que deverá ter em conta.


1. Escolha um local tranquilo e sem muita luminosidade. Não precisa de estar em silêncio total.

2. Certifique-se de que não será incomodado nos próximos minutos.

3. Defina o tempo que quer praticar. O indicado será começar com cerca de 10 minutos que, depois pode ir aumentando, se se sentir confortável.

4. Sente-se de pernas cruzadas, com uma almofada dura que lhe permita rodar a bacia o suficiente para lhe ser fácil manter as costas direitas. Os pés não devem ficar debaixo das pernas. È aconselhável ter um colchão fino, ou uma manta dobrada debaixo dos pés, para tornar mais cómoda a posição.

5. Também pode sentar-se numa cadeira, desde que as costas fiquem bem direitas, sem se apoiarem no encosto e os pés bem assentes no chão.

6. Apoie as mãos confortavelmente nas pernas de forma a que os braços e ombros fiquem descontraídos.

7. Feche os olhos.

8. Procure um ponto no seu corpo onde lhe seja possível sentir o movimento de cada respiração.

9. Foque a sua atenção nessa zona e no movimento constante de cada respiração sem tentar influenciá-las.

10. Não tente parar os pensamentos. Isto seria impossível. O que se pretende é criar um estado em que nos tornamos observadores dos pensamentos sem nos envolvermos com eles.

11. Sempre que sentir que a sua atenção fugiu atrás de um pensamento, não fique frustrado nem faça julgamentos. Limite-se a obervar essa distracção e a voltar novamente a atenção para a respiração.

12. Faz parte da natureza da mente produzir pensamentos. Uns atrás dos outros. limite-se a osbervá-los, sem julgamentos, sem auto-crítica, sem se deixar levar por essa corrente constante.

13. Se entretanto surgir alguma dor, ou outra sensação intensa, não a ignore. Não fuja dela e não a analise como sendo boa ou má. Limite-se a obervá-la, com toda a sua atenção, mas sem pensamentos ou julgamentos. Aceite-a como parte da sua experiência no momento presente. Como parte do aqui e agora que está a vivenciar intensamente.

14. Quando essa sensação desaparecer volte mais uma vez a atenção para a sua respiração. Para esse constante vai e vem.

15. No final do tempo que estipulou comece lentamente a ter novamente noção do espaço em que se encontra. Faça alguns movimentos lentos com as mãos e os pés e, quando lhe apetecer, abra os olhos e espreguice-se um pouco. A prática termina aqui.

Laura Sanches

BIBLIOGRAFIA

Boorstein, S. (1996), Transpersonal Psychotherapy. SUNY.

Goleman, D. (2006), Social Intelligence. Hutchinson.

Gunaratana, Bhante H. (2002), Mindfulness in Plain English. Wisdom Publications.

Kabbat-Zinn, J. (2004), Full Catastrophe Living. Piatkus

Mace, C. (2008), Mindfulness and Mental Health. Routledge.

Lehrer, P., Woolfolk, R. (1993), Principles and Practice of Stress Management. The Guilford Press.

West, M. (1987), The Psychology of Meditation. Oxford Science Publications.

Williams, Teasdale, Segal e Kabat-Zinn (2007), The Mindful Way Through Depression. Guilford Press.

1 comentário:

Unknown disse...

Olá, sou psicóloga há 20 anos do ramo cognitivo-comportamental. Há 4 anos entrei no mundo do yoga e da meditação através da Associação Ananda Marga. Formei-me como instrutora e agora estou em Macau há cerca de 1 ano onde comecei simultaneamente a fazer clinica privada e a dar aulas de yoga. São duas áreas que me apaixonam e que apesar dos preconceitos iniciais da psicologia/ciência versus yoga/espirito sempre achei que se completavam. Obrigado pelo vosso blog e por vir encontrar tanta informação útil que no ajuda a ajudar os outros. Isabel Macedo Pinto