quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Yoga e Oxigenação do Sangue: um Mito


Com alguma frequência lemos e ouvimos que um dos benefícios de alguns exercícios do yoga, consiste numa maior oxigenação do sangue e, por consequência, dos vários tecidos.

Este efeito poderia ser alcançado, por exemplo, através das respirações completas e mais profundas, através do bhastrika (respiração do fole), do kapalabhati ou através de determinados asanas como é o caso da invertida sobre a cabeça.

Todavia estas afirmações carecem de exactidão. Na verdade, o termo hiperoxigenação, que é por vezes usado, é também incorrecto na medida em que, nos exercícios a que esta é associada, não há um aumento da quantidade de oxigénio no sangue, mas sim uma alteração dos níveis de dióxido de carbono.

É importante compreender que, (caso não tenhamos nenhuma doença respiratória grave que reduza os nossos níveis de oxigénio no sangue) este benefício que é muitas vezes repetido não corresponde à verdade, pois como a Drª. Ruth Gilmore (médica e professora de yoga) refere “….os níveis de oxigénio no sangue já são máximos….”, na maioria das pessoas saudáveis o nível de saturação arterial é de 98%, só em pessoas com doenças respiratórias graves é que a saturação arterial pode descer, necessitando a pessoa nesse caso de terapia de oxigénio.

No sangue são as moléculas de hemoglobina que transportam o oxigénio desde os pulmões até aos tecidos. Quando estas partem dos pulmões, o sangue arterial está totalmente saturado de oxigénio, ou seja, as moléculas de hemoglobina transportam todo o oxigénio possível, por isso a capacidade de transporte de oxigénio dos pulmões está esgotada.

Mas é verdade que, por vezes, o nosso corpo pede mais oxigénio. Por exemplo, se efectuamos um exercício mais exigente os nossos músculos pedem mais oxigénio, fruto do esforço adicional a que estes estão a ser sujeitos: a forma como o nosso organismo se adapta a esta situação consiste num aumento da velocidade a que o sangue percorre o corpo, acelerando os batimentos cardíacos e a velocidade a que respiramos, desta forma o sangue leva mais oxigénio aos tecidos, mas os níveis de saturação de oxigénio no sangue mantêm-se estáveis. Foi a velocidade a que o sangue percorreu o nosso organismo que aumentou, já que esta é directamente proporcional ao grau de exigência muscular do exercício que estamos a efectuar.

Também no caso de uma invertida sobre a cabeça o sangue mantém os seus níveis de oxigénio. Verifica-se sim um aumento de pressão e, fruto da inversão gravítica, poderíamos pensar que o nosso cérebro seria irrigado por uma maior quantidade de sangue, mas como nos diz o Dr. F. Chandra, “….não ocorre uma maior irrigação sanguínea dos tecidos…”, pois se tal acontecesse podia prejudicar gravemente as estruturas delicadas do cérebro, o nosso organismo protege o cérebro de fluxos excessivos nos vasos através da acção dos barorreceptores que controlam a pressão sanguínea.

No exemplo da respiração do fole (técnica do bhastrika), à primeira vista podemos pensar que esta promove um aumento de oxigénio no sangue e, por consequência, nos tecidos, mas na realidade o que acontece é uma descida de dióxido de carbono no sangue arterial, e esta redução pode provocar uma constrição dos pequenos vasos sanguíneos e pequenas artérias do cérebro e da medula espinal, como refere David Coulter. Esta técnica pode até causar hiperventilação, o que é grave porque cria um défice de oxigénio nas células do Sistema Nervoso Central que são as que mais precisam de oxigénio. Com esta constrição dos vasos o fornecimento de sangue e de oxigénio é reduzido e, por esta razão, os praticantes podem sentir tonturas no decorrer do exercício, que não se devem ao aumento dos valores de oxigénio no sangue nem no cérebro, como por vezes é transmitido. Estas podem ocorrer porque o equilibrío no nosso corpo foi afectado pois, apesar do dióxido de carbono ser um gás de eliminação, o nosso organismo precisa de manter os níveis de dióxido de carbono e de oxigénio equilibrados. O dióxido de carbono permite que a hemoglobina transporte o oxigénio até aos tecidos, quando o nível de CO2 desce abruptamente o sangue torna-se alcalino e a hemoglobina não consegue libertar as moléculas de oxigénio, que ficam presas.

Sempre que isto acontece o exercício deve ser interrompido e devem voltar a fazer-se respirações normais, pelo menos até que as tonturas desapareçam.


Como refere Doug Keller, o CO2 também proporciona a mensagem química que nos leva a uma nova inspiração, pois a seguir a cada expiração acontece uma pequena paragem em que o

CO2 aumenta no sangue ao mesmo tempo que o O2 é libertado para os tecidos, quando chega a um determinado nível o centro respiratório do cérebro envia um sinal através do nervo frénico até ao diafragma respiratório para efectuar uma nova inspiração.

Podemos ter como exemplo uma situação de ataque de ansiedade em que a pessoa começa a respirar rapidamente de uma forma descontrolada e começa a hiperventilar, neste caso os níveis de dióxido de carbono baixam drasticamente colocando em perigo o nosso organismo e, em alguns casos, até se recomenda que a pessoa respire para dentro de um saco para que a inalação do ar expirado, com índices mais altos de dióxido de carbono, ajude a repor este equilíbrio.

Na verdade os sintomas da hiperventilação são exactamente os mesmos que acontecem quando estamos em altitudes elevadas, como os montanhistas muitas vezes experienciam: náuseas, confusão mental, tonturas, irritabilidade, dificuldades de concentração, etc.

Caso se opte por realizar o exercício do bhastrika (fole) é necessário que este seja feito com cuidado e de uma forma gradual, dando tempo ao organismo, para que este se ajuste e adapte às mudanças dos valores de CO2 no sangue. Com a prática a circulação cerebral habitua-se a esta diminuição, podendo desta forma intensificar esta respiração e usufruir de alguns benefícios, como por exemplo, um estado de alerta e de bem-estar.

Exercícios respiratórios como o bhastrika ou o kapalabhati, na realidade, têm inúmeros benefícios, não devendo ser reduzida a sua utilidade a uma mera questão de oxigenação do sangue.

O bhastrika e o kapalabhati ajudam a utilizar os músculos abdominais na expiração, facilitando a regulação da respiração, fazendo com que as duas fases respiratórias (inspiração e expiração) se processem sem intermitências e oscilações. Esta tomada de consciência da respiração abdominal ajuda, num outro estágio, a coordenar a acção dos movimentos dos músculos abdominais e do músculo do diafragma respiratório, eliminando maus hábitos respiratórios, tais como: constrição do peito, inversão do abdómen na respiração paradoxal, oscilação no fluxo respiratório, e a a incapacidade de usar o tórax no processo respiratório.

O Kapalabhati também ajuda no desenvolvimento da força, resistência e na coordenação dos músculos abdominais para exercícios como são o caso do agni sara, uddiyana bandha e nauli.

Os músculos respiratórios abdominais estão intimamente ligados à nossa postura corporal, por isso estes exercícios podem ajudar a descontrair tensões musculares, com efeitos positivos em várias condições como, por exemplo, as dores de costas, entre outras.

Estes exercícios, com o tempo, podem também vir a exercer uma acção positiva no que toca nas respirações completas e profundas, facilitando-as e promovendo aumento da qualidade das trocas gasosas entre os pulmões e a circulação sanguínea. Através destas observamos uma descontração ao nível dos músculos intercostais, peitorais e diafragma, o que conduz a estados de maior tranquilidade e bem-estar. Na verdade podemos verificar, em pessoas com elevados níveis de stress, que a sua musculatura respiratória, fruto dos maus hábitos respiratórios (influenciados pela tensão constante), torna-se mais rígida, condicionando desta forma todo o processo respiratório, levando assim a um agravamento dos níveis de tensão e stress.

Jorge Ferreira