quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Fazer Asana escutando o Corpo

O mindfulness é um treino da atenção que nos ensina a observar sem julgar. Este treino permite-nos por de parte os comentários, avaliações, julgamentos e análises que a nossa mente faz constantemente e observar a realidade e a nossa experiência tal como elas são. Isto permite-nos entrar muito mais em contacto com o nosso corpo e com as nossas sensações o que, por sua vez, nos permite estar muito mais conscientes das mensagens que este transmite. Acontece que, no nosso percurso de crescimento muitas vezes aprendemos a desligar-nos do corpo. Quando educamos as crianças, muitas vezes, acabamos por lhes transmitir que há determinadas emoções que não são aceitáveis e isso faz com a que a criança passe a negar determinadas partes de si. As emoções sentem-se no corpo, por isso, a única forma da criança deixar de sentir determinadas emoções será passando a ignorar as sensações que estas despertam no corpo.

Outras vezes também acontece que, enquanto crianças, passamos por situações que podem ser demasiado difíceis de assimilar e, por isso, a única forma de lidar com elas será tentando ignorar, de algum modo, as sensações que estas despertam em nós. Deste modo, com o passar dos anos, vamos crescendo e aprendendo a desligar-nos um pouco do corpo. A educação dos nossos dias ajuda ainda mais a efectivar esse desligar na medida em que todas as capacidades intelectuais são muito mais valorizadas, estimuladas e reconhecidas do que a capacidade de estar em contacto com as próprias emoções ou com o próprio corpo.
Com o passar dos anos este desligar cria uma sensação de insatisfação, uma espécie de vazio que não sabemos muito bem como preecher. Porque afastamento do corpo, ao afastar-nos das emoções negativas, também nos impede de saborear verdadeiramente as positivas e então vamos passando pela vida sem saber muito bem como apreciá-la em pleno. A incapacidade de nos ligarmos ao corpo e às emoções também nos impede de fazer verdadeiras escolhas porque para escolher precisamos de escutar as emoções. As escolhas mais importantes são sempre feitas com base nas emoções. Na verdade há estudos que mostram que, em todas as nossas escolhas – mesmo aquelas que pensamos serem mais racionais – são feitas pelas emoções, o racional aparece depois para justificar uma escolha que já foi feita. Estes estudos usam imagens que são projectadas de uma forma tão rápida que a pessoa não tem tempo de, conscientemente, as assimilar. O que se verifica é que, mesmo que a pessoa não chegue a ter tempo de assimilar essas imagens conscientemente, elas continuam a influenciar as decisões que a pessoa toma a seguir. Jonathan Haidt, psicólogo americano e investigador no campo da psicologia moral, explica que as emoções aparecem sempre primeiro e estão por trás de todas as nossas escolhas o que fazemos é, depois, arranjar argumentos racionais que ajudem a explicar essas escolhas.
Por outro lado, também acontece que, as pessoas que têm mais dificuldade em estar em contacto com as suas emoções acabam por ter também muita dificuldade em fazer escolhas, por vezes, até das coisas mais simples. 
Gabor Maté, um médico canadiaano, no seu livro “When the body says No” desenvolve a tese de que este desligar do corpo e das emoções, quando é muito acentuado, acaba por fazer com que se desenvolvam doenças que podem chegar a ser mesmo graves, como o cancro, por exemplo. O que este autor diz é que o corpo fala constantemente connosco, por meio das sensações que transmite, e quando não escutamos as suas mensagens ele precisa de enviar algumas que sejam mais fortes e então surge a doença. Se passámos muito tempo a ignorar as mensagens do nosso corpo é mais provável que essas mensagens se tornem mais urgentes daí que as doenças que acabamos por desenvolver são formas do corpo se fazer escutar e de nos obrigar a parar. Na verdade, as pessoas que conseguem ultrapassar com mais sucesso essas doenças, são justamente aquelas que param mesmo para pensar na vida e que ganham coragem para fazer as mudanças necessárias quando são confrontadas com o seu diagnóstico. Aquelas que querem continuar como se nada fosse e preferem continuar a pensar que está tudo bem – e que, muitas vezes são encaradas como as que estão a lidar melhor com a doença -  mostram as estatísticas que são justamente aquelas que têm mais recaídas e menores probabilidades de sobrevivência. Justamente porque se recusam a ouvir o corpo e as suas mensagens.
Então, podemos usar a nossa prática de mindfulness yoga para aprender a ouvir mais o nosso corpo, para estarmos mais receptivos e em sintonia com as mensagens que ele nos transmite. Uma das ferramentas que podemos usar para o fazer é a nossa prática de asana. Quando fazemos asana (as posturas do yoga), especialmente aqueles que são mais difíceis para nós, o corpo dá-nos uma série de mensagens: podemos sentir os músculos a alongar ou a serem fortalecidos, podemos tomar consciência dos músculos que não estão a ser usados e que podem permanecer totalmente relaxados, podemos aperceber-nos das tensões desnecessárias que estamos a criar, etc. Mas acontece que, no meio destas mensagens do corpo, surgem também os pensamentos, as avaliações e os julgamentos: a nossa mente começa a tecer vários comentários e julgamentos sobre aquelas sensações dizendo-nos que não somos capazes de as aguentar, ou que algo de mau vai acontecer se insistirmos, ou que não temos força suficiente, ou que não somos flexíveis, ou que aquilo é muito difícil para nós,etc. E, a maioria das vezes, são estas mensagens que nos levam a desfazer um asana, mais do que uma verdadeira necessidade do nosso corpo. Então, é um exercício importante de auto-conhecimento aprendermos a ser capazes de distinguir as mensagens da nossa cabeça, os comentários constantes, das verdadeiras mensagens do nosso corpo. Quando fazemos um asana podemos ter a intenção de escutar verdadeiramente o corpo e só sair desse asana quando for o corpo a dizer-nos que já obteve tudo o que precisa de obter daquele exercício.
Se conseguirmos fazê-lo, o que nem sempre é fácil, damos mais um passo para criar uma verdadeira intimidade e aceitação com o corpo e connosco mesmos.
Outras vezes também pode acontecer o contrário: o corpo está cansado da posição, mas a cabeça diz que é preciso aguentar porque temos que nos esforçar, porque queremos melhorar ou porque ainda ninguém desfez, ou porque achamos que precisamos de ir mais longe na posição e, quando isto acontece, é muito fácil magoarmos-nos. Principalmente se o fazemos repetidamente, aí podemos mesmo criar lesões crónicas ou até com alguma gravidade. Nestes casos o exercício de ouvir o nosso corpo e reconhecer as suas mensagens é também um exercício de aceitação: aceitação dos nossos limites e aceitação da realidade, do nosso corpo, tal como ele é e não como gostaríamos que fosse. Esta também é uma aprendizagem essencial porque muitas vezes passamos uma boa parte da vida a lutar connosco mesmos, a achar que precisamos de ser diferentes e, só quando largarmos essa luta é que teremos verdadeiramente espaço para crescer, para sermos felizes e para levarmos uma vida mais saudável e equilibrada em todos os sentidos.

Laura Sanches

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Efeitos do Mindfulness – Como viver com Atenção Plena pode transformar a nossa relação connosco e com o mundo


 Hoje em dia já existem centenas de estudos que comprovam os efeitos benéficos da meditação. Uma vasta parte desses estudos que, hoje em dia, são produzidos são influenciados pelo trabalho pioneiro de Kabat-Zinn, um médico dos E.U.A que trouxe o mindfulnes, da tradição Budista, para um contexto mais terapêutico, científico e despido de conotações religiosas. O Mindfulness pode ser definido como um estado em que se presta atenção, de forma intencional, ao momento presente, sem julgamentos. Este é um estado de atenção que pode ser aplicado a qualquer situação da nossa vida diária mas que é mais facilmente aprendido e treinado num contexto de meditação formal.
Várias correntes da psicologia – como a Psicologia Positiva ou a Psicologia Cognitiva – já se interessaram pela utilidade do mindfulness como forma de promover a saúde mental e surgiram já vários programas, com base nesta prática, que se destinam a combater perturbações específicas específicas como a depressão (Mindfulness-Based Cognitive Therapy), perturbações borderline da personalidade (dialectical Behaviour Therapy), e a Terapia de Aceitação e compromisso que tem tido resultados muito positivos principalmente a lidar com perturbações da ansiedade e com dependências.

Para melhor compreender este estado, primeiro é importante salientar que, dentro todas as centenas de técnicas de meditação diferentes que se podem encontrar nas várias tradições espalhadas pelo mundo se podem enquadrar dentro de dois grandes grupos:

Técnicas de concentração – são todas as que envolvem a concentração num ponto, tentando afastar todos os outros objectos da consciência. Estas conduzem a um estreitamento da consciência que se foca exclusivamente num único objecto. A concentração e a capacidade de focar a mente que se obtêm com este tipo de prática são essenciais para qualquer prática de meditação e são as responsáveis pelos sentimentos de bem-estar e de tranquilidade que, geralmente, surgem com uma prática regular e continuada. 

Técnicas de Insight – implicam uma atenção constante, mas sem julgamentos, a todos os conteúdos que vão surgindo na consciência. O objectivo é ter uma percepção ampla de todos os conteúdos da consciência, sem que haja nenhum envolvimento com estes. Estas tipo de técnicas conduzem a uma expansão da consciência, que se torna capaz de abarcar um número cada vez maior de objectos em simultâneo. Esta  técnica é importante para o auto-conhecimento: permite-nos ter uma maior noção do conteúdo das nossas mentes e também de como nos relacionamos com este.


Na prática da meditação do tipo mindfulness estamos a treinar estes dois tipos ou estratégias de atenção. Esta é uma prática em que oscilamos entre a concentração e o foco na respiração, que nos traz a sensação de bem-estar e de tranquilidade e o deixar a consciência passar pelos vários conteúdos que vão surgindo e que se vão modificando momento a momento. Kabat-Zinn descreve esta prática como “uma dança entre uma atenção unifocada da concentração e a consciência mais ampla do insight.
O trabalho de concentração que se faz focando a atenção na respiração é essencial e é a base que permite que a mente se mantenha focada mesmo durante os períodos de insight em que há a tal expansão da consciência. Este treino da concentração é também essencial para nos trazer a sensação de bem-estar e de tranquilidade que a meditação pode proporcionar. Na nossa sociedade não somos ensinados a concentrar a mente desta forma. Quando vemos televisão, por exemplo, a nossa mente fica num estado passivo, em que se limita a ser dirigida pelos estímulos externos. O mesmo acontece – embora talvez de uma forma um pouco menos acentuada – com os jogos e com a internet. Durante esses períodos (e por isso é que tantas pessoas os usam como forma de se distrairem ou de fugirem temporariamente aos seus próprios pensamentos ou emoções) a nossa mente entra numa espécie de piloto automático em que se limita a ser guiada e levada pelas imagens e sons que vão aparecendo à nossa frente.
            Então, se no nosso dia-a-dia passamos demasiado tempo a abdicar do controlo da nossa mente, a cedê-lo a qualquer outro aparelho externo é natural que, quando precisamos de nos concentrar para estudar ou trabalhar, por exemplo, a nossa mente já não esteja a habituada a ser dirigida desta forma. Ainda para mais se a tarefa for, à partida, desiteressante para nós, torna-se muito difíicil deixar que a mente lhe preste atenção.
Por outro lado, os ritmos acelerados em que vivemos e os estados de tensão e ansiedade também não ajudam a combater a dispersão mental. Quando estamos constantemente a tentar antecipar o futuro ou presos a alguma coisa que se passou no passado torna-se muito difícil manter a atenção no presente.
            Então este treino da atenção dá-nos a capacidade de manter a nossa mente onde precisa de ser mantida. Dá-nos a capacidade de focar a nossa atenção naquilo que precisa de ser feito em cada instante da nossa vida.
            Viver num estado de dispersão constante em que nos sentimos constantemente puxados por vários estímulos ou pelos nossos próprios pensamentos pode ser muito desgastante e leva-nos a um sentimento de exaustão. Este treino da atenção também nos permite repousar verdadeiramente a nossa mente. A concentração permite-nos abrandar um pouco a velocidade dos pensamentos e isto dá-nos a possibilidade de descansar de repousar. Para além disto, sermos capazes de nos concentrar também significa que passamos a ser capazes de apreciar verdadeiramente as coisas boas da vida. Quantas vezes estamos de férias preocupados com o trabalho? Ou quantas vezes estamos a saborear um bom almoço preocupados com a loiça que teremos que arrumar a seguir e com o supermercado a que ainda não fomos? Quantas vezes estamos na praia a ver um belo por do sol e não conseguimos apreciá-lo em toda a sua beleza porque não paramos de nos preocupar com aquilo que dissemos numa discussão feia que tivemos no dia anterior? Quantas vezes não somos capazes de saborear os momentos simples da vida porque estamos tão preenchidos com pensamentos acerca do futuro ou do passado que se torna impossível focar a nossa atenção no presente. O treino da concentração traz-nos esta capacidade de viver mais plenamente cada instante da nossa vida.
É importante frisarmos que para meditar não precisamos de parar os nossos pensamentos. Muitas vezes existe esta noção que acaba por criar apenas uma luta interior que só provoca tensão e desconforto. Por vezes os estados de concentração podem trazer-nos um certo abrandar do ritmo dos pensamentos mas, o mais importante é que através da meditação - aqui é o onde o insight se torna um aspecto essencial da prática – podemos aprender a relacionar-nos de forma diferente com os nossos pensamentos. Não precisamos de desejar que estes parem ou desapareçam porque percebemos que podemos apenas mudar a nossa relação com estes.


Então, se a concentração é um aspecto essencial da meditação podemos dizer que o insigth é também fundamental para o crescimento psicológico que a meditação nos pode trazer. É através da expansão da consciência que o insight proporciona que podemos tornar-mos mais conhecedores do conteúdo das nossas mentes. E, conhecendo essse conteúdo, o mindfulness, permite-nos também passar a relacionarmo-nos com ele de outra forma. Com a expansão da consciência que o insight provoca torna-se muito mais nítidos os nossos pensamentos, as nossas emoções, podemos ver mais claramente todo o conteúdo da nossa mente e começar a perceber que existem determinados padrões, padrões de pensamento, de sentimento. Começamos a perceber que poderá haver uma tendência para determinados pensamentos estarem presentes e que esses pensamentos, por sua vez, estão relacionados com determinados sentimentos. E, com este conhecimento vem também a liberdade: a liberdade de percebermos que não somos obrigados a ficar presos nem a esses pensamentos nem a essa ligação entre eles e determinadas emoções. Começamos a perceber, primeiro, que os nossos pensamentos e emoções mudam a cada instante a cada momento e, depois, percebems também que há algo mais para além deles. Que não somos só os nossos pensamentos as nossas emoções, os nossos sentimentos. E essa visão de que há algo mais para além de todo este nosso conteúdo mental pode ser muito libertadora. Começamos a perceber que temos escolha na forma como nos sentimos, na forma como reagimos a todas as situações da nossa vida.
O mindfulness também nos torna mais conscientes do corpo. O facto de aprendermos a observar a nossa respiração e o corpo momento a momento, aceitando e acolhendo as sensações que vão surgindo tal como são, torna-nos mais capazes de viver com o nosso corpo no dia-a-dia e com as sensações e emoções que este nos traz. Isto pode ter também um efeito muito libertador porque nos permite perceber que não precisamos de viver apenas de um modo racional. Quando estamos muito habituados a refugiar-nos nos nossos pensamentos para lidar com tudo o que vai acontecendo podemos ficar facilmente exaustos com os nossos próprios diálogos internos cada vez que estamos perante um desafio importante. Porque o grau que temos sobre os nossos pensamentos é muito mais pequeno do que aquilo que gostamos de pensar o que acontece é que, muitas vezes, pode-se tornar bastante desgastante tentarmos controlar as nossas emoções através destes. E quanto mais importantes forem esses desafios, mais difícil ainda se torna manter o controlo dos nossos estados internos. Então entramos num ciclo de luta connosco próprios que só leva a mais cansaço e a uma sensação de desespero que não seremos capazes de controlar. A única forma de quebrar este ciclo é aprendermos a observar e a aceitar todos os aspectos da nossa experiência sem nos deixarmos levar pela sensação de descontrolo perante as emoções mais difíceis, usando a respiração e a consciência do corpo como as nossas âncoras, o nosso porto seguro no meio das tempestades.
O facto de nos tornarmos mais conscientes e com uma maior aceitação do corpo e das suas mensagens, pode também contribuir de uma forma muito positiva para a melhoria da nossa saúde visto que estaremos mais aptos a ler as suas mensagens que nos permitem aprender a cuidar melhor de nós.

Efeitos fisiológicos do Mindfulness – Como a Atenção Plena pode mudar o nosso corpo

Existem vários trabalhos de investigação que mostram que a prática da meditação do tipo mindfulness pode mesmo provocar algumas alterações no funcionamento do nosso organismo.
Um estudo de Davidson (2003, cit por Kelly, 2008) mostrou que a meditação mindfulness produzia alterações significativas no cérebro e no sistema imunitário e um estudo de Newberg et e all (2001, cit por Kelly 2008) descobriu que esta prática aumentava o fluxo sanguíneo no tálamo, no  gyro cingular, no cortex inferior e no frontal orbital e no cortex prefrontal em praticantes de meditação Budista. O aumento do fluxo sanguíneo poderá estar relacionado com uma maior utlização dessas zonas.
Ryback (2006) explica que a meditação mindfulness pode proporcionar um maior equilíbrio entre a parte cortéx frontal dos dois hemisférios. E, segundo este investigador, com essa melhoria, pode passar a haver um acesso mais directo à intuição já que se torna mais fácil estabelecer as ligações que existem entre o cortéx pré-frontal, a amigdala e a relação cérebro-gastrointestinal que está associada aos instintos. Há estudos que indicam que existem fibras que ligam as partes do cérebro associadas ao pensamento com o tracto digestivo e acredita-se que isto contribui para o o instinto em algumas situações, na língua inglesa existe até a expressão gut feeling que ilustra esta relação entre o cérebro e o intestino.
O trabalho da neurocientista Dr. Candace Pert sobre os neuropéptidos ilustra bem esta relação que existe entre o cérebro e outros sistemas no nosso corpo. Os neuropéptidos são neurotransmissores, ou seja, moléculas que o corpo usa para transmitir informações entre os vários sistemas do organismo. Esta cientista chamou a essas substâncias as moléculas das emoções porque cada vez que temos uma determinada emoção, pensamento ou sentimento, são libertados vários neuropéptidos que provocam toda uma série de alterações fisiológicas que correspondem a esse pensamento ou emoção. Esta cientista descobriu que no nosso sistema digestivo, nomeadamente nos intestinos e no sistema imunitário havia uma grande concentração de neuropéptidos, bem como no sistema límbico, uma zona do cérebro que a neurociência tem vindo já há algum tempo a associar às emoções. A novidade no trabalho desta investigadora está no facto deste ter encontrado provas convicentes de que realmente o nosso sistema imunitário e nosso sistema digestivo têm uma espécie de via rápida do ponto de vista fisiológico ou bioquímico para comunicar com o nosso cérebro através do sistema limbíco, reagindo assim prontamente às nossas emoções, pensamentos e sentimentos.

Gabor Mate, no seu livro escreve que :“O sistema hormonal do corpo está inextrincavelmente ligado aos centros cerebrais, onde as emoções são experienciadas e interpretadas. Por seu turno, o aparelho hormonal e os centros emocionais estão interligados com o sistema imunitário e o sistema nervoso. Estes não são quatro sistemas separados, mas um supersistema que funciona como uma unidade para proteger o corpo de invasões externas e de perturbações à sua condição fisiológica interna. É impossível para qualquer estímulo stressante, crónico ou agudo, agir apenas numa parte do sistema. O que acontece com um, afecta todos.” (2003, Pg 61) Esta interligação que existe nestes sistemas do nosso organismo, mostra que, se formos capazes de eliminar a resposta de stress, através da meditação, por exemplo, então todo o nosso organismo funcionará melhor e de forma mais eficiente, visto que tudo está interligado.
Ao nível do sistema imunitário podemos citar um estudo de Ott, Norris, Bauer-Wu (2006) efectuado com doentes de cancro que mostrou que a prática desta meditação poderia ser uma forma de melhorar o funcionamento do seu sistema imunitário bem como as perturbações de humor que geralmente acompanham estes doentes e a sua qualidade de vida. Esta prática contribuia também para diminuir os sintomas de stress, verificando-se uma diminuição dos níveis de cortisol durante o dia. Neste estudo verificou-se também que o factor que mais  influenciava a capacidade do mindfulness contribuir para estas melhorias era o número de sessões de meditação a que os doentes tinham assistido.
Um investigador que teve um papel importante na compreensão acerca da forma como a meditação nos pode trazer benefícios foi Herbert Benson que escreveu, nos anos 70, um livro que já se tornou um clássico e que continua bastante actual: A Resposta de Relaxamento. Na altura em que este médico se começou a interessar pela meditação e pelos seus efeitos a prática mais estudada e uma das mais populares no ocidente era a meditação transcendental, uma prática tornada popular pelo Maharishi Mahesh Yogi que a ensinou aos Beatles que contribuiram muito para a sua divulgação. Benson era um médico que procurou compreender os efeitos da meditação e com base nos seus estudos concluiu que a meditação despoleta um mecanismo a que chamou a Resposta de Relaxamento. Para Benson (2001) este é um mecanismo inato, ou seja, todos temos capacidade de o acionar (mesmo que precisemos de aprender a fazê-lo), que nos protege contra os efeitos do stress excessivo e que poderia ser considerado o oposto da Resposta de Luta ou Fuga. Segundo Benson (2001), este mecanismo diminui o metabolismo, o ritmo cardíaco, e traz de volta o equilíbrio natural do corpo, reduzindo a actividade do sistema nervoso simpático. Este médico teve o mérito de ser um dos primeiros a reconhecer a importância da ligação mente-corpo no campo da medicina e, com base em algumas investigações que fez concluiu ainda que a meditação poderia ser uma forma eficaz de tratar alguns casos de hipertensão arterial visto que, de acordo com as suas observações, a resposta de relaxamento afecta os mesmos mecanismos e diminui a pressão arterial pelos mesmos meios que algumas drogas anti-hipertensivas (Benson, 2001).
Para este autor, para despertar esta resposta de relaxamento, era necessária a repetição de algum tipo de objecto mental – algo em que a pessoa pudesse focar a sua atenção como um som, uma frase, uma imagem, etc – e uma atitude passiva, ou seja, sem preocupações acerca de quão bem se está a usar a técnica, pondo de lado os pensamentos distratores e voltando sempre ao foco de atenção. Esta descrição revela-nos um processo muito semelhante ao que é sugerido na meditação mindfulness em que os aspectos fundamentais são mesmo a ausência de julgamentos e a capacidade de redireccionar a atenção uma e outra vez para a respiração ou outro estímulo em que queiramos concentrar-nos.
Benson, que se dedicou a estudar este fenómeno da resposta de relaxamento, liderou e participou em algumas investigações que demonstraram que esta era eficaz a tratar a hipertensão, as dores de cabeça, as irregularidades no ritmo cardíaco, o síndroma pré-menstrual, a ansiedade e a depressão ligeira a moderada (cit por Benson, 2001).
Benson procurou que os seus estudos ajudassem a perceber melhor porque mecanismos é que a meditação nos traz estes benefícios e assim descobriu que durante a meditação há uma redução marcada do consumo de oxigénio. Segundo as suas observações, Benson explica que, de um ponto de vista fisiológico, a maior alteração associada à meditação é uma diminuição do metabolismo a que se chama hipometabolismo e a que está associado um estado de descanso, em que é reduzido o consumo de energia, tal como acontece no sono. No entanto na meditação esta diminuição do consumo de oxigènio acontece de forma diferente: durante o sono este consumo diminui lentamente, até que, ao final de quatro ou cinco horas é cerca de 8% mais baixo do que quando estamos acordados. Mas, durante a meditação, a diminuição é, em média, de 10 a 20% e acontece logo nos primeiros três minutos de prática (Benson, 2001). O autor afirma que não é possível conseguir uma diminuição desta intensidade de mais nenhuma forma. Na verdade há muito poucas condições que produzam uma diminuição do consumo de oxigénio. O sono, como vimos, é uma delas e a hibernação outra. Mas, na hibernação diminui a temperatura rectal, o que não acontece na meditação. Além disso, na meditação também aumentam as ondas alfa que costumam aparecer apenas quando o sono é muito profundo. Por outro lado, Benson (2001) encontrou também na meditação uma diminuição marcada do lactato sanguíneo, uma substância associada a níveis elevados de ansiedade. Com este hipometabolismo o ritmo cardíaco diminui umas três batidas por minuto e a respiração também se torna mais lenta.
Benson verificou ainda que os praticantes de meditação transcental tinham tendência para diminuir o seu consumo de todo o tipo de drogas. Na verdade, hoje em dia, já há algumas psicoterapias em que as técnicas de mindfulness são usadas justamente para combater dependências químicas. Estes efeitos da meditação podem acontecer por duas vias: por um lado a meditação ajuda-nos a estar mais conscientes dos nossos estados internos, do nosso corpo e das nossas emoções; isto amplia também a nossa consciência dos efeitos de todas as substâncias nocivas no nosso corpo, levando-nos a estar mais conscientes dos seus prejuízos para a nossa saúde e, consequentemente, dá-nos mais vontade de eliminar todos os comportamentos que lhes estão associados. Por outro lado, a meditação também nos pode ajudar a lidar melhor com a ansiedade e outras emoções difíceis que a abstinência provoca, dando-nos uma ferramenta que nos faz sentir muito mais capazes de lidar com essas sensações desagradáveis e de encontrar estratégias mais saudáveis para lidar com as emoções. Para além disto as sensações agradáveis que encontramos na prática da meditação podem também ser uma forma mais saudável de encontrarmos algumas sensações de preenchimento e bem-estar que algumas substâncias psico-activas podem também provocar. Esta foi umas das conclusões de um estudo feito por Leo Matos (1987) que entrevistou um grupo de toxicodependentes em recuperação que usavam a meditação como forma de lidar com a sua abstinência.
Ao nível cerebral, para além da alteração do tipo de ondas produzidas que é possível verificar através dos Electroencefalogramas –sabendo-se que, durante a meditação, se produzem sobretudo ondas do tipo alfa – também já foi verificado que a meditação pode provocar uma maior sincronização ou coerência entre diferentes áreas corticais, o que significa que há mais áreas do cérebro activas ao mesmo tempo. O cortex certebral é a parte do cérebro que está mais ligada aos processos criativos e ao pensamento complexo. Alguns investigadores sugerem que isto produz uma base para uma maior criatividade e crescimento psicológico. Mas a verdade é que esta coerência também pode ocorrer na esquizofrenia e a na epilepsia, pelo que não há certezas acerca do seu significado.
Chris Mace (2008) descreve um estudo um pouco diferente daqueles que habitualmente se fazem. Neste estudo, em vez de se analisarem do ponto de vista funcional os eitos da meditação, os investigadores obervaram que a meditação produzia alguns efeitos na própria anatomia do cérebro. Para chegarem a esta conclusão, os investigadores (Lazar, et e all), observaram o cérebro de vinte praticantes de meditação com um mínimo de 2 anos e uma média de 9 anos de prática, comparando os seus córtexes cerebrais com o cortéx de 15 não praticantes. Aquilo que se verificou foi que o cortex dos praticantes de meditação era significativamente mais espesso em muitas áreas, nos dois hemisférios, embora não fosse mais espesso que os do grupo de controlo, no geral. Isto quer dizer que havia diferenças claras entre os dois grupos mas estas localizavam-se apenas em ambos os lados do córtex pré-frontal e à volta da insula direita (uma estrutura cerebral que se acredita ter alguma relação com a forma como se gera a consciência e com as emoções). Quanto mais velho era o sujeito maior era esta diferença, sugerindo que a meditação poderia estar a prevenir um processo que ocorreria naturalmente com a idade, em que esta zona do cérebro se tornaria progressivamente mais fina. Este estudo tem sido tomado como evidência de que o tipo de atenção que se desenvolve na meditação provoca um crescimento neuronal em áreas do cérebro que é provável que sejam activadas durante a meditação.
Dan Siegel, psiquiatra do Mindsight institute, nos E.U.A. nas suas pesquisas acerca dos efeitos do mindfulness observou que esta prática activa no cérebro as mesmas zonas que costumam activar-se quando as crianças se sentem vistas e incondicionalmente amadas pelos seus pais. No seu percurso de desenvolvimento a criança forma com a mãe (ou com a pessoa que mais tempo cuida dela) aquilo a que Jonh Bolwby chamou apego. Esta expressão traduz uma vinculação muito forte que a criança começa por formar, geralmente, primeiro com a mãe e depois também com o pai. A criança quando nasce vem programada para receber e também para dar amor incondicional aos seus pais mas, acontece que, por muito amor que estes tenham nem sempre é fácil demonstrá-lo. Criar esta vinculação com a criança, por um lado, exige tempo que nem sempre as mães ou pais têm, por outro exige uma disponibilidade emocional que também nem sempre é fácil de conseguir. Então, o que acontece é que, por um motivo ou outro, a criança começa a perceber que os pais não estão sempre disponíveis e que, mesmo quando estão disponíveis fisicamente nem sempre o estão de um ponto de vista emocional. O ser humano nasce num estado de dependência total e, talvez por isso mesmo, vem programado para criar laços e ligações profundas e, se a mãe ou o pai estiverem disponíveis para cuidar da criança e para lhe dar esse amor incondicional de que precisa então a criança forma uma vinculação segura com os pais mas, acontece que, nem sempre é fácil para os pais trasmitirem esse amor incondicional à criança. Quando isto acontece, quando a criança não consegue desenvolver um apego seguro com os seus pais, então acabam por ficar algumas lacunas, feridas ou inseguranças no seu desenvolvimento. (ler artigo sobre Apego)
 Aquilo que Dan Siegel verificou foi que o mindfulness tinha a capacidade de  ajudar a curar essas feridas ao contribuir para activar um padrão cerebral idêntico ao que é ativado nos cérebros de pessoas que estabeleceram um processo de vinculação seguro. Isto acontece porque ao cultivarmos um estado de mindfulness estamos justamente a dar a nós mesmos aquilo que todas as crianças querem dos seus pais: atenção plena e incondicional. Quando praticamos a atenção plena, ou o mindfulness, estamos a desenvolver uma atitude de abertura e de aceitação à nossa experiência, aos nossos sentimentos aos nossos pensamentos. Através do mindfulness passamos a ser mais capazes de aceitar os pensamentos, as sensações. Quando nos treinamos para observar sem julgamentos percebemos que passamos muito tempo a lutar com os nossos pensamentos, passamos muito tempo a tentar evitar determinadas emoções, determinadas sensações. Por condicionamentos da nossa infância muitos de nós crescem a acreditar que determinadas emoções ou pensamentos não devem existir e a luta para os erradicar acaba por originar apenas sofrimento e cansaço. Então com a prática do mindfulness aprendemos a largar essas lutas e, por sua vez, isso acaba mesmo por fazer com que o sofrimento desapareça.
Siegel (2005, cit por Ryback, 2006) diz que a “prática de mindfulness, as ligações profundas e afectuosas e uma terapia eficiente fazem todas a mesma coisa: modificam o cérebro construindo fibras integrativas mais fortes, resultando em estados emocionais mais equilibrados….Com o fortalecimento dessas fibras integrativas há mais equílibrio entre os hemisférios corticais direito e esquerdo (posto de forma simples, emocional e lógico respectivamente), logo passa a haver mais equilíbrio emocional, mais flexibilidade de resposta e maior capacidade para a empatia e auto-consciência.”
            Hoje em dia sabemos que o nosso cérebro tem uma grande capacidade de se modificar de acordo com as nossas experiências e que essa capacidade, apesar de estar mais presente na infância, se pode manter ao longo de todas as nossas vidas. Chama-se a esta capacidade neuroplasticidade e é graças a ela que a prática do Mindfulness nos pode ajudar a transformar a nossa experiência e a nossa vida.
           
Laura Sanches