segunda-feira, 17 de março de 2014

Yoga como Terapia para a Ansiedade


             O Yoga pode ser uma excelente forma de combater a ansiedade, uma perturbação cada vez mais comuns nos nossos dias. No entanto, as aulas de grupo, podem nem sempre ser as mais indicadas para o fazer. 

Ansiedade e aulas de Yoga


            Muitas pessoas que procuram o yoga para lidar com a ansiedade, quando tentam praticar em grupo, sentem que ficam ainda mais ansiosas. Isto pode acontecer por vários motivos: por um lado porque a pessoa ansiosa tem tendência para ficar demasiado presa aos seus pensamentos, receios e julgamentos o que significa que poderá ter alguma dificuldade em relaxar na aula e deixar-se levar, por ficar com medo do julgamento dos outros. O facto das aulas, muitas vezes, se fazerem com os olhos fechados também pode ser difícil porque, por um lado, para estar de olhos fechados é preciso confiar – coisa que não é muito natural para uma pessoa ansiosa – por outro, ao mantê-los abertos, vendo todos os outros de olhos fechados, a pessoa sente logo que está a falhar mesmo numa coisa que parece ser tão simples. A maior parte das pessoas ansiosas também tem tendência para olhar à volta e imaginar que todos os outros estão perfeitamente relaxados e que parecem capazes de fazer imensas coisas que a pessoa não é capaz de fazer e sentem-se deslocadas e incapazes de descontrair, imaginando que todos estão a reparar que ela está ali como um peixe fora de água. Se as aulas incluirem posições difíceis ou exigentes e a pessoa estiver pouco preparada para isso ainda mais difícil será sentir que todos são capazes de fazer coisas que ela não consegue e que não deveria estar ali. Se o professor não fizer questão de salientar que no yoga não há metas, nem objectivos a atingir e que o corpo é apenas uma ferramenta para chegarmos a outras partes de nós, então é muito provável que a pessoa ansiosa aborde a prática da mesma forma que costuma abordar tudo o resto na sua vida: como uma ferramenta para chegar a um determinado objectivo, neste caso o de se livrar da ansiedade. E rapidamente começa a sentir que está a falhar nesse objectivo – ao contrário de todos os outros que lhe parecem irritantemente concentrados e relaxados ao mesmo tempo que passam com toda a delicadeza, flexibilidade e destreza de uma posição para a outra. E se o professor não está atento a esta tendência que as pessoas ansiosas tipicamente têm para atingir objectivos e para, pelo caminho, irem fazendo comparações e julgamentos, e procura incentivar os alunos a conseguirem a posição “perfeita” ou a chegarem um pouco mais longe, ou a relaxarem enquanto põem os pés atrás da cabeça ou se viram de pernas para o ar, é uma receita mais que certa para que uma pessoa ansiosa comece a sentir-se ainda mais agitada.
            Por outro lado, muitas vezes nestes quadros, também surge aquilo que se chama ansiedade provocada pelo relaxamento. Isto acontece quando a pessoa tenta relaxar e acaba por ficar ainda mais ansiosa e é relativamente frequente em casos de pessoas que vivem debaixo de um stress crónico e que procuram o yoga ou a meditação para relaxar. Se o professor não estiver consciente desta tendência comum é muito natural que a desvalorize ou que diga à pessoa que ela irá passar ou que simplesmente tem de se esforçar mais para a próxima. Mas, na verdade, nestes casos, o mais comum é a pessoa fugir o mais depressa possível da aula sem dizer nada ao professor e nunca mais voltar. Porque nestes casos a pessoa sente que falhou ou que simplesmente aquela prática não é para si. E quando se pensava que poderia estar ali a solução para um problema que incomoda tanto e há tantos anos isto pode ser tão frustrante que a pessoa nem quer falar disso. Ou porque ficou tão assustada que também não lhe apetece falar sobre o assunto, principalmente quando nem conhece o professor. Nestes casos este aumento da intensidade da ansiedade que pode acontecer quando a pessoa começa a tentar relaxar também pode ter várias causas: por um lado pode ser simplesmente o facto da pessoa voltar toda a atenção para si que a faz tomar consciência de algo que sempre esteve presente mas que do qual não se dava conta. Por outro lado pode haver realmente um aumento da ansiedade provocado pelo facto da pessoa estar a tentar relaxar. Relaxar significa baixarmos as nossas defesas e, porque a ansiedade é uma protecção, é como se estivéssemos a viver permamentemente num sistema de alerta e, quando tentamos relaxar, o sistema dispara dizendo-nos que não é seguro fazê-lo. Além disso, o relaxamento é um estado totalmente novo para quem vive constantemente em tensão e, quando a pessoa, de repente, se sente a relaxar um pouco pode surgir também uma sensação de que se está a perder o controlo, algo que uma pessoa ansiosa procura evitar a todo o custo.
Este aumento da ansiedade também pode vir da luta interna que gerámos ao tentar impor o relaxamento: quando tentamos controlar um processo que não é controlável, um processo que podemos apenas permitir que aconteça, gera-se uma tensão tremenda por não nos sentirmos capazes de impor a nossa vontade e de atingir o tão esperado objectivo – o relaxamento profundo. O facto deste processo ser algo que não é possível controlar de um ponto de vista racional também pode ser algo que assusta: assim que a pessoa começa a sentir-se relaxar mais um pouco, é como se o seu lado racional sentisse que está a perder o controlo (e, de certo modo, está) e isto pode ser também bastante assustador. 

Ansiedade e Yoga Terapia 


           Se o professor não for capaz de enquadrar estas vivências da pessoa e de lhes dar algum significado é muito provável que a pessoa sinta que praticar yoga não é algo que esteja ao seu alcance ou que seja benéfico para si e que simplesmente desista da prática. 
        Então, numa sessão de yoga como terapia, feita como um profissional que possua algum conhecimento destes mecanismo há muito mais espaço para integrar e gerir tudo isto. Primeiro, porque as sessões são sempre individuais, a prática pode ser muito mais adaptada às capacidades da pessoa e também desaparece aquela sensação de que todos conseguem fazer tudo melhor do que nós. Depois, nestes casos, torna-se muito importante haver também um espaço para falar das sensações, para as clarificar, para que deixem de se tornar algo tão assustador que só queremos fugir delas e numa sessão individual, em que se construiu já algum tipo de aproximação com o professor, é muito mais fácil fazê-lo. O facto de não haver mais alunos também significa que a pessoa sente que pode interromper a prática a qualquer momento sem incomodar ninguém, se as sensações se tornarem demasiado intensas. E isto, só por si, também pode ser um importante contributo para uma maior sensação de segurança e conforto.
       Nestas sessões é importante também que a pessoa tenha um espaço para perceber como tudo funciona, para perceber que é contra-producente lutar contra os seus próprios sentimentos ou para tentar fugir deles. É importante que a pessoa tenha espaço também para ir experimentando abdicar desse controlo constante em que julga que precisa de viver para que, aos poucos, se permita ir relaxando sem medos. Para isto é muito importante que a pessoa aprenda a confiar no terapeuta que dirige a prática e que este tenha  conhecimento dos mecanismos da ansiedade para que possa ajudar a dar algum significado às vivências do praticante. 
            Outro aspecto que difere das aulas de grupo é o facto de, num trabalho que usa o yoga como terapia, ser fundamental que a pessoa aprenda a desenvolver uma rotina de prática em casa, para que os efeitos se façam sentir, e que aprenda também a aplicar os conhecimentos e as vivências que vai obtendo com a prática no seu dia-a-dia. O papel do yoga terapeuta aqui é o de facilitar a integração dessas vivências na rotina diária da pessoa e de a orientar na forma como pode estender essa aprendizagem às várias experiências que vai vivendo.
            No caso de pessoas que sofrem com a ansiedade também pode ser muito útil conjugar a prática com algum tipo de aconselhamento psicológico que ajude a pessoa a lidar melhor com a sua ansiedade. Se estas sessões de yoga como terapia forem conduzidas por um psicólogo, como acontece no Espaço Vida, então as duas coisas poderão ser facilmente integradas. 

            Aceitar a Ansiedade 

          Ao procurar o yoga como terapia para a ansiedade é essencial que a pessoa saiba que se torna a responsável pelo seu próprio processo de cura mas que, ao mesmo tempo, essa cura não passa por lutar com a sua condição. O primeiro passo fundamental que precisamos de dar para nos libertarmos da ansiedade é a aceitação dessa mesma ansiedade. Isto pode parecer paradoxal mas a verdade é que a única forma de nos libertarmos de vez de uma ansiedade crónica começa com a aceitação da mesma. Porque aceitar essa ansiedade significa que nos estamos a aceitar a nós mesmos e, sem essa aceitação profunda e verdadeira, nada mais pode ser realmente eficaz. A ansiedade existe muito provavelmente porque não encontrámos essa aceitação incondicional – pelo menos não tanto como precisávamos - nos primeiros anos das nossas vidas, numa altura em que esta era essencial para crescermos com a segurança e a tranquilidade de saber quem somos. As crianças criam uma imagem de si de acordo com o que vêem nos olhos dos seus pais e um adulto ansioso é alguém que não teve um bom espelho enquanto era criança. As pessoas mais ansiosas mais do que aprenderem a ver-se a si mesmas nos olhos dos seus pais, é provável que tenham aprendido antes a ver aquilo que precisavam de atingir, o que deveriam fazer, o objectivos que precisavam de cumprir. Por outro lado, uma pessoa ansiosa é também uma pessoa que sente que precisa de se proteger o tempo todo, porque algo de mau pode vir a acontecer, então isto significa que faltou também um sentimento de verdadeira protecção na infância provavelmente porque os pais não estiveram tão presentes quanto a criança precisava, não por falta de amor, mas porque provavelmente também eles sofriam de alguma ansiedade, preocupações ou tristezas e era isto que a criança via reflectido nos seus olhos, em vez de se ver a si mesma. As crianças quando nascem, e durante os primeiros anos de vida, precisam de uma aceitação incondicional e de uma presença quase total por parte dos pais e, se não as encontram, é muito provável que cresçam com um certo sentimento de insegurança e de que há algumas partes de si que não são dignas de amor. E isto acaba por levar a um estado de ansiedade mais ou menos constante.
           
Então, no yoga como terapia, a pessoa pode encontrar um caminho de auto-aceitação, começando por aprender a aceitar a sua ansiedade. Para isso é também fundamental que o terapeuta espelhe essa mesma aceitação, que seja capaz de acolher a pessoa com todas as suas experiências, com todas as sua vivências mostrando-lhe assim esse olhar de amor e de aceitação incondicional que ela precisa depois de aprender a dirigir a si própria. Porque tudo começa aqui: com a capacidade de nos aceitarmos, de acolhermos as nossas experiências e de dentro de nós esse espaço de aceitação, de amor e de acolhimento que tantas vezes faltou nas nossas vidas. E uma das formas de aprendermos a criar esse espaço de aceitação é justamente através da prática de yoga e de meditação mas também da ajuda de uma outra pessoa, nesta caso o terapeuta, que nos dê esse espelho de que precisamos: de que somos pessoas dignas e merecedoras de amor mesmo com as nossas ansiedades e tristezas.

Laura Sanches