segunda-feira, 30 de junho de 2008

Efeitos Estudados da Meditação



Para falarmos de meditação e compreendermos os seus efeitos ao nível psicológico é útil dividirmos as várias técnicas que existem em dois grupos: técnicas de concentração e de insight. Esta categorização, como todas, tem as suas limitações, mas é útil para percebermos os diferentes efeitos da meditação ao nível da consciência.

Técnicas de concentração – são todas as técnicas que envolvem a concentração num ponto, tentando afastar todos os outros objectos da consciência. Estas conduzem a um estreitamento da consciência que se foca exclusivamente num único objecto.

Técnicas de Insight – implicam uma atenção constante, mas sem julgamentos, a todos os conteúdos que vão surgindo na consciência. O objectivo é ter uma percepção ampla de todos os conteúdos da consciência, sem que haja nenhum envolvimento com estes. Estas técnicas conduzem a uma expansão da consciência, que se torna capaz de abarcar um número cada vez maior de objectos em simultâneo.

Estas duas estratégias são muito diferentes uma da outra, por isso, é de esperar que produzam também resultados diferentes. E, de facto, há algumas investigações que parecem comprovar esta hipótese.

Quando se entra num estado de meditação, geralmente, a leitura do EEG revela que começam a produzir-se ondas cerebrais do tipo alfa (8 a 13 ciclos por segundo), o que acontece também quando se está num estado de relaxamento profundo. Mas, se entretanto se produzir algum estímulo súbito (como um ruído ou um flash luminoso), esse estado de relaxamento será interrompido e as ondas alfa deixarão de ser produzidas durante alguns segundos, até que a pessoa volte a relaxar. No entanto, se esse estímulo for produzido de forma constante, dá-se um processo de habituação e a produção de ondas alfa deixa de ser interrompida. É o mesmo fenómeno que ocorre quando entramos num local onde cheira mal: no ínicio é díficil suportar o cheiro mas, com a permanência nesse sítio, dá-se uma habituação e deixamos de o sentir.

A primeira investigação foi feita por Kasamatsu e Hirai (in West, 1987), com monges que praticavam meditação Zen, do tipo insight. Foi verificado que, quando estes monges estavam em meditação, não se dava a interrupção das ondas alfa. O que significa que a tal habituação, com eles, nunca acontecia. Estavam permanentemente atentos a todos os estímulos e reagiam a cada um como se fosse o primeiro. Estes monges diziam que percebiam os estímulos de forma até mais clara do que no seu estado normal mas que não eram afectados por eles.

O segundo estudo importante para a compreensão dos efeitos da meditação foi feito por Anand Chinna e Singh (in West, 1987), com praticantes de meditação do Yoga, usando uma técnica de concentração. Estes reagiram de forma muito diferente dos anteriores: não mostravam qualquer reacção nem ao primeiro estímulo. Como se nunca os tivessem ouvido. Durante a meditação conseguiam-se isolar totalmente do ambiente exterior. Mas, quando não estavam a meditar, também não mostravam qualquer habituação; mantinham a mesma frescura de percepção que tinham os monges Zen. Podemos dizer que estes praticantes de meditação viam o mundo com olhos sempre frescos, como se tudo fosse novo, sem se deixarem contaminar por hábitos de percepção, que acontecem de forma inconsciente na maioria das pessoas e que, muitas vezes, nos levam a reagir de forma precipitada e com base em condicionamentos inconscientes. A maioria das pessoas intepreta os acontecimentos com base em experiências anteriores, mas estes resultados levam-nos a pensar que o mesmo não acontecerá com estes praticantes, que parecem reagir sempre a todas as situações com uma atitude de disponibilidade e abertura perante cada acontecimento.

Mais tarde houve quem tentasse replicar estes dois estudos sem obter os mesmos resultados. No entanto, estes continuam a ser um marco, sendo frequentemente citados, no que respeita aos efeitos da meditação.

E os efeitos da meditação são de facto muitos, não só que diz respeito ao funcionamento cerebral mas também ao nível da nossa percepção e compreensão do mundo. De facto, a meditação parece interferir com e alterar toda a nossa forma de percepcionar o mundo. Há um estudo interessante que o demonstra. Este é descrito por Roger Walsh (1993) e foi feito com um grupo de praticantes de meditação budista, usando o teste de Rorschach. Este teste é composto por uma série de pranchas com manchas de tinta, que são apresentadas à pessoa. Parte-se então do princípio que, o ser humano, perante a angústia que lhe causaria estar perante algo sem sentido, terá imediatamente a tendência para atribuir um significado às manchas. A forma como cada um de nós dá sentidos diferentes a cada uma das manchas foi estudada e analisada e a partir das diferentes formas de organizar as manchas que cada indivíduo usará, o psicólogo poderá então fazer a sua interpretação acerca da personalidade deste e do seu modo de funcionamento.

No caso destes praticantes de meditação budista, o que se verificou foi que, os que eram apenas iniciantes, tinham padrões de resposta normais, iguais aos de quem não medita. Mas os mais avançados tinham muito pouca tendência para elaborar o que viam. Walsh diz-nos que a meditação foca a mente e reduz o número de associações, interrompendo assim esse processo que é geralmente automático e inconsciente em todos nós. Estes resultados confirmam também a hipótese anterior de que a meditação parece libertar-nos dos condicionamentos associados à forma como percepcionamos o mundo.

Mas, dentro destes praticantes mais adiantados, havia ainda algumas diferenças, de acordo com os estágios em que cada um estava. Os budistas distinguem vários estágios, de acordo com a experiência e a capacidade que cada um tem de dominar as técnicas de meditação.

Assim, aqueles que estavam no que era considerado por eles e pelos seus mestres a fase inicial de iluminação, que tinham tido experiências iniciais de nirvana, viam as imagens como criações das suas mentes e tinham noção do processo, momento a momento, em que o seu fio de consciência se tinha transformado em imagens organizadas. Estas pessoas mostravam conflitos normais à volta de temas como a dependência, sexualidade e agressão, contudo apresentavam muito poucos mecanismos de defesa e muito pouca reactividade a estes conflitos. Pareciam ser capazes de conviver com estes conflitos psicológicos, que são normais nas outras pessoas (mas que costumam provocar algum sofrimento), sem se deixarem afectar por eles, sem reagir a estes. Pareciam ser capazes de se aceitar melhor a si próprios e às suas dores do que a maioria das pessoas comuns. Isto, aliás vai de encontro à filosofia budista que nos ensina que uma das causas para o sofrimento é justamente o não sermos capazes de aceitar a nossa experiência presente, mesmo que esta implique alguma dor.

Com os poucos praticantes que tinham já bem mais de 20 anos de experiência e estavam na 3ª fase de iluminação, já com o estatuto de mestres, as respostas foram mesmo únicas: estes viram não só as imagens mas a própria mancha como uma projeccção da mente; não mostraram evidências de conflitos internos e pareciam mesmo livres de conflitos; ligaram sistematicamente as respostas de todos os 10 cartões numa resposta integrada com um único tema, o que é algo extremamente raro e indicativo de capacidades criativas e elaborativas muito acima da média. O resultado foi um ensinamento sistemático acerca da natureza do sofrimento humano e do seu alívio. Diz Walsh que os mestres de meditação transformaram o teste do Rorschach num ensinamento para os examinadores.

Ao que parece, vendo estes resultados, a seguir à aceitação vem mesmo a libertação do sofrimento, tal como foi já explicado por Buda.

Ao nível fisiológico e neurológico há também inúmeros estudos que comprovam os efeitos da meditação:
1. Diminuição dos batimentos cardíacos e da tensão arterial, alterações ao nível da química sanguínea com alterações hormonais e diminuição do colesterol.

2. Abrandamento do EEG, que passa a registar ondas alfa e, em alguns casos de praticantes mais avançados, ondas teta (4 a 7ciclos por segundo) que, geralmente, aparecem apenas em estados de sono profundo).

3. Maior sincronização ou coerência entre diferentes áreas corticais, o que significa que há mais áreas do cérebro activas ao mesmo tempo. Alguns investigadores sugerem que isto produz uma base para uma maior criatividade e crescimento psicológico. Mas esta coerência também pode ocorrer na esquizofrenia e a na epilepsia, pelo que não há certezas acerca do seu significado.

4. A meditação pode reduzir a actividade do hemisfério esquerdo, que está relacionada com a análise verbal. Pode acontecer uma redução da actividade deste hemisfério ou uma maior activação do direito. Há algumas evidências de uma maior actividade do hemisfério direito em praticantes de meditação, como capacidade de recordar e descriminar tons musicais. Mas parece que o esquerdo não é desactivado, por isso ficam ambos activos.

5. A meditação também parece estar relacionada com um aumento do fluxo sanguíneo do cérebro, com um aumento do fluxo nas 3 superfícies do lobo frontal e no tálamo.

6. Um estudo anatómico descrito por Chris Mace (2008) feito com praticantes de meditação com um mínimo de 2 anos e uma média de 9 anos de prática, comparou os córtexes de 20 praticantes de meditação com 15 não praticantes. Verificou-se que estes eram significativamente mais espessos em muitas áreas, nos dois hemisférios, mas não eram mais espessos que os do controlo, no geral. Havia diferenças claras no córtex pré-frontal nos dois lados e à volta da insula direita. Quanto mais velho era o sujeito maior era a diferença, sugerindo que a meditação poderia estar a prevenir um processo que ocorreria naturalmente com a idade, em que o cérebro se tornaria progressivamente mais fino. Este estudo tem sido tomado como evidência de que o tipo de atenção que se desenvolve na meditação provoca um crescimento neuronal em áreas do cérebro que é provável que sejam activadas durante a meditação.

7. Daniel Goleman (1996) verificou que os praticantes de meditação, numa situação de stress, tinham uma configuração psiscofiosiológica que sugeria uma maior prontidão motora para responder, uma maior activação na antecipação do stressor, mas uma mais rápida inibição limbica na recuperação do confronto, acompanhada por um afecto mais positivo e uma ansiedade situacional mais baixa durante toda a situação.
Assim, conclui que a meditação pode ajudar em situações de stress porque ajuda a uma recuperação mais rápida do ponto de vista fisiológico e psicológico.
-Ao nível psicológico a meditação também proporciona: um aumento da criatividade; mais sensibilidade na percepção, maior capacidade de sentir empatia, sonhos lúcidos, maior capacidade de auto-actualização, uma sensação positiva de auto-controlo e maior satisfação matrimonial.

- Muitas pesquisas sugerem que a meditação pode ser terapêutica para várias perturbações psicológicas: ansiedade, fobias, stress pós-traumático, tensão muscular, insónia, e depressão minor. A meditação regular reduz o uso de drogas legais e ilegais e ajuda prisioneiros a reduzir a ansiedade, a agressividade e as reeincidências.
Para os psicólogos, a meditação também aumenta a capacidade de sentir empatia para com o cliente bem como a disponibilidade para estar presente na relação.
Um estudo de Leo Matos (1987), revelou ainda que a meditação pode ser uma importante ferramenta na recuperação de toxicodependentes.
Laura Sanches

BIBLIOGRAFIA

Scotton, B., Chinen, A., e Battista, J. (1996), Textbook of Transpersonal Psychiatry and Psychology. Basic Books.

Mace, C. (2008), Mindful and Mental Health. Routledge.Matos, L. (1987), Drogas ou Meditação: Meditação como alternativa para o uso de drogas. Vozes.

Walsh, R. e Vaughan, F. (1993), Paths Beyond Ego. The Transpersonal Vision. Tarcher Putnam.

West, M. (1987), The Psychology of Meditation. Oxford Science Publications.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Aspectos a ter em conta na escolha de um local para praticar Yoga

Hoje em dia temos assistido a uma expansão do Yoga e dos vários sítios onde este pode ser praticado. Principalmente nas grandes cidades, há cada vez mais centros e espaços que podem proporcionar as mais variadas aulas de Yoga. Se, por um lado, esta expansão é positiva porque permite às pessoas terem uma maior variedade de escolha e maior facilidade em encontrar sítios e horários convenientes, além de permitir que esta seja uma prática acessível a um número cada vez maior de pessoas (com todos os benefícios que isso acarreta); por outro lado, também é verdade que, com esta recente proliferação de escolas e espaços de Yoga, alguns terão com certeza mais qualidade do que outros.

Sabemos que nem sempre é fácil, para quem não sabe muito acerca desta prática, fazer uma escolha informada e segura do seu local de prática, por isso resolvemos deixar aqui alguns conselhos, que julgamos serem úteis, para facilitar essa tarefa.

Há vários tipos de Yoga diferentes e algumas escolas têm mesmo características muito diferentes umas das outras. Por isso não vamos aqui referir-nos a nenhum tipo de Yoga específico, já que este deve ser escolhido em função dos gostos e inclinações de cada um, mas sim a um conjunto de características que, a nosso ver, devem estar presentes em todas as escolas ou espaços que se dedicam a esta prática.

Em primeiro lugar a formação do professor é muito importante. Este deve ser uma pessoa com bons conhecimentos de Yoga, mas não apenas da história do Yoga ou dos seus aspectos mais filosóficos. É essencial que exista, por parte dos professores, um bom conhecimento de anatomia e fisiologia aplicada ao Yoga, nomeadamente ao asana (as posições do Yoga). Pelos padrões da Yoga Alliance, uma importante associação que reconhece e certifica cursos de formação de professores de yoga, nos E.U.A., é essencial que o professor tenha uma formação mínima de 30 horas de anatomia.
Este conhecimento é fundamental para que o professor saiba conduzir as aulas de forma a não prejudicar fisicamente os seus alunos, já que muitos dos exercícios, quando feitos sem este conhecimento e cuidado, podem mesmo prejudicar seriamente a pessoa.

Outro aspecto fundamental é o respeito que o professor deve ter pela pessoa e pelo corpo do aluno.

O respeito pelo corpo passa pelo cuidado na adaptação das posições e de todos os exercícios, sabendo que todos temos corpos diferentes e que há determinados limites que não devem ser ultrapassados. Em muitas escolas de Yoga, contrariamente ao que deveria ensinar esta prática, cultiva-se uma atitude quase de culto perante o corpo e, muitas vezes, as pessoas sentem-se impelidas a atingir determinados objectivos, com posições quase de contorcionismo que, na verdade não trazem qualquer benefício ao organismo e que, muitas vezes, são motivadas apenas por questões estéticas.

O respeito pela pessoa implica que o professor saiba que não tem o direito de querer influenciar ou modificar a vida, o comportamento ou as crenças de cada um. Em algumas escolas este respeito não existe na medida em que os professores exigem que a pessoa, logo desde o ínicio, respeite determinadas regras que acabam por limitar a liberdade individual de cada um. Em alguns casos isto passa pela venda de alguns livros, que se diz que a pessoa tem de comprar e de ler para frequentar aquelas aulas. Em outros passa pela imposição, por exemplo, de uma dieta vegetariana que se diz que a pessoa deverá adoptar para frequentar aquele espaço. Se, muitas vezes, isto se faz directamente logo no primeiro contacto com a pessoa, o pior é que, outras vezes, tudo isto vai acontecendo de forma gradual e mais subtil, sem que a pessoa se aperceba conscientemente das imposições que vão sendo feitas, sempre com a “melhor das intenções”.

Algumas escolas procuram dar uma certa aparência de liberdade e funcionamento democrático, mas acabam por funcionar como verdadeiras seitas. O Yoga é uma prática que sempre esteve ligada à vivência da espiritualidade e é também uma prática que pode exercer efeitos muito profundos na vida e na personalidade da pessoa. Por isso muitos professores, ou escolas, acabam por se aproveitar do efeito intenso que esta prática pode ter nas pessoas, como forma de as controlarem.

Em algumas escolas, infelizmente, confunde-se o yoga com a pessoa que o ensina e passa a haver um verdadeiro culto da personalidade que é imposto aos alunos por parte dos professores. Se pensarmos que algumas das pessoas que procuram o Yoga o fazem justamente porque têm alguma fragilidade que querem ver resolvida (como ansiedade, incapacidade de relaxar, depressão, etc), então estas serão pessoas num estado de vulnerabilidade de que facilmente estas escolas se poderão aproveitar.

Desconfie sempre de escolas onde querem impôr-lhe algo, onde lhe dizem que precisa de mudar, que a sua vida não está a ser vivida de forma correcta. Mesmo que isto aconteça de forma subtil.

Desconfie de escolas onde lhe pedem quantias absurdas de dinheiro, para férias ou fins de semana que, supostamente, mudarão a sua vida.

Desconfie de escolas
onde não é possível experimentar uma aula, ou onde lhe pareça que há sempre informações escondidas. Como a forma como vivenciamos o Yoga é bastante subjectiva, como há tantas escolas diferentes e, como o próprio espaço em que se pratica tem uma grande influência, é importante poder experimentar uma aula para sabermos se aquela escola ou professor será adequado para nós.

Desconfie também de escolas em que tudo é demasiado rígido. O Yoga é um caminho de liberdade e descontracção. A disciplina é importante e essencial, mas deve partir do próprio e não pode ser imposta. As escolas que exigem demasiado dos seus praticantes, impondo demasiadas regras revelam que não são capazes de se adaptar às diferentes maneiras de ser de cada um e, uma grande inflexibilidade só revela desconhecimento e insegurança.

Por vezes estas regras abrangem até as roupas que se usam para praticar. Ao impôr aos alunos códigos de cor e normas para o que vestir, para além de lhes limitar a sua liberdade pessoal, estamos apenas a normalizar e a estabelecer hierarquias, quando as cores distiguem os vários graus de professores e alunos. Isto é apenas mais uma forma de constranger e controlar as pessoas, totalmente contrária aqueles que deveriam ser os propósitos do Yoga.

Desconfie também de escolas onde há um mestre omnipresente, a quem a pessoa tem que prestar homenagem quer queira quer não. Na Índia um Guru é apenas alguém que sabe algo e que o ensina (e que por isso deve ser respeitado) mas, em algumas escolas de Portugal, existe um guru que é visto quase como um ser especial, que está acima dos comuns mortais e a quem todos os outros têm de prestar vassalagem.

Desconfie sempre de escolas que assumem uma postura de autoridade defendendo com demasiada veemência as suas competências, afirmando sempre que estão acima de todos os outros.

Desconfie sempre de escolas que se dizem as melhores e, pior ainda, as únicas capazes e competentes. As pessoas que são verdadeiramente competentes transmitem-no naturalmente, sem terem que chamar constantemente a atenção para isso.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Reacções Primitivas num Mundo Moderno - Efeitos Psicofiosiológicos do Stress

Alguns estudos apontam para o facto de que, hoje em dia, uma boa parte das pessoas que aparecem nos consultórios médicos, têm queixas relacionadas com os efeitos do stresse. Na verdade este sempre fez parte da vida do ser humano. Walter Cannon foi o primeiro a descrever aquilo a que chamou a Resposta de Luta ou Fuga. Chamou-lhe assim, porque segundo Cannon, o tipo de reacção desencadeada pelo nosso organismo em situações de stresse, é originário dos tempos do homem primitivo. Nesta altura os perigos a enfrentar eram principalmente de natureza física por isso era preciso activar o organismo para reagir a estes e, na grande maioria dos casos, a resposta mais adequada consistia justamente em fugir ou lutar para enfrentar as ameaças. Nestes casos o organismo tem que mobilizar as suas defesas para poder lidar eficazmente com estas situações, o que significa que uma série de mudanças metabólicas vão ocorrer, preparando o corpo para a forma mais eficaz de fazer frente a ameaças à sua integridade física.

Assim são libertadas hormonas, como a noradrenalina, a adrenalina e o cortisol que irão pôr em marcha todo o mecanismo da resposta de Luta ou Fuga. Uma das prioridades deste mecanismo é o desvio de oxigénio para os músculos (necessários para fugir ou lutar), por isso o coração passa a bater mais depressa e o sangue é desviado dos órgãos que não são vitais (como todos os do aparelho digestivo, os rins e a pele) e canalizado principalmente para as extremidades (braços e pernas), a respiração passa a ser mais rápida para que o sangue passe a ter mais oxigénio. A libertação de adrenalina e noradrenalina faz com que os sentidos se tornem mais apurados, permitindo-nos estar mais atentos ao que nos rodeia. Os pensamentos tornam-se mais rápidos. Os músculos ficam contraídos e tensos, prontos para entrar em acção. As veias tornam-se mais apertadas e o sangue passa a coagular mais depressa, para minimizar os riscos da perda de sangue. Todas estas mudanças acontecem para que se torne possível um nível de desempenho muito superior ao que seria possível em circunstâncias normais. Todos nós conhecemos histórias de pessoas que têm reacções incríveis em circunstâncias adversas, chegando mesmo, por vezes a ter uma força e uma capacidade de reacção que nos parecem quase desumanas.

Foi também verificado que quando o organismo consumia toda a energia que tinha levado a estas alterações metabólicas através de uma resposta apropriada e a ameaça que as tinha provocado desaparecia, os níveis metabólicos regressavam rapidamente ao normal e o equílibrio orgânico era facilmente retomado. A isto chamou-se a resposta de relaxamento.

O problema é que, hoje dia, os acontecimentos que nos causam stress, raramente exigem uma resposta deste tipo, porque raramente se trata da nossa integridade física que está em jogo, uma vez que as ameaças são principalmente de natureza psicológica, pondo mais em jogo a nossa auto-estima do que a segurança física.

Assim todas as substâncias que foram libertadas não têm como ser eliminadas. Se vivemos num estado de alerta ou de stress constante, uma das hormonas que passa a ser regularmente libertada é o cortisol. Durante a resposta de Luta ou Fuga, uma das funções desta hormona é reduzir a sensibilidade do organismo a substâncias alérgicas, que poderiam prejudicar o seu desempenho; por exemplo, se a pessoa sofrer de uma alergia que possa provocar-lhe dificuldades respiratórias, a minimização desta reacção alérgica tem que passar pela diminuição dos anticorpos que reagem às substâncias que a provocam. Assim uma libertação constante desta hormona faz com que o sistema imunitário passe a produzir menos anticorpos e o organismo passa a estar mais exposto a todo o tipo de doenças.

Quando o stress persiste no tempo, estas alterações corporais acabam por provocar um desequílibrio no funcionamento orgânico que se torna crónico. Este pode levar ao aparecimento de uma série de doenças, relacionadas justamente com os órgãos que são influenciados pela libertação destas hormonas e que, veêm assim o seu funcionamento alterado: o coração e todo o sistema cardiovascular, a tensão arterial, o estômago (com o aparecimento de úlceras, por exemplo), os intestinos (com prisão de ventre, por exemplo), a bexiga, a pele, etc.

Mas na verdade, nem todo o stress tem que ser negativo. Este pode ser também um poderoso motivador, que nos leva a agir, a ser criativos e a cumprir determinadas tarefas que, sem ele, acabariam por ser deixadas para trás. Por isso foi criada a distinção entre eustress (o positivo, que nos leva a agir) e distress (negativo, que nos impede de realizar eficazmente as nossas tarefas).

Esta distinção não depende dos acontecimentos exteriores mas sim da leitura que nós fazemos deles. Assim, o que a uma pessoa pode provocar uma agradável sensação de eustress, para outra, o mesmo acontecimento, pode fazê-la sentir-se extremamente desconfortável provocando o distress, com todos os seus sintomas negativos. O que determina esta distinção entre uma agradável motivação e uma angústia paralisante que duas pessoas podem sentir perante a mesma situação é, justamente, a forma como cada uma destas pessoas se sente com capacidades suficientes, ou não, para ter sucesso nessa situação. Isto quer dizer que, se nos sentimos capazes de ter um bom desempenho perante determinada situação, provavelmente nos iremos sentir agradavelmente motivados para a levar a cabo. Se, pelo contrário, nos julgamos incapazes de ser bem sucedidos perante determinado acontecimento, este irá provocar-nos uma angústia e um stress que, muito provavelmente, nos levarão a querer evitar sempre que possível aquela situação que os provoca.

Quando, no nosso dia-a-dia, nos confrontamos demasiadas vezes com situações nas quais não acreditamos ser capazes de ser bem sucedidos, então a ansiedade passa a ocupar as nossas vidas e torna-se essencial encontrar estatégias que nos permitam sentir que somos capazes de manter o controlo sobre aquelas situações e sobre a nossa vida.

Muitos dos desafios que fazem cada vez mais parte do nosso dia-a-dia são uma consequência do estilo de vida moderno e, até há pouco tempo atrás, não faziam sequer parte da vida da maioria das pessoas. De facto, vivemos hoje num mundo muito diferente daquele que conheceram os nossos pais e avós. Assim, não é de estranhar que não tenhamos sido ensinados ou preparados para lhes fazer frente da melhor maneira.

Por isso, muitas vezes torna-se necessário aprender a algumas estratégias que nos permitam sentir mais confiantes e seguros para conduzir uma vida saudável e preenchedora. As técnicas de relaxamento, por exemplo, podem cumprir esta função porque nos ajudam a combater os efeitos psicofisiológicos do stress, voltando a normalizar as funções do organismo e, ao mesmo tempo, fortalecem a nossa auto-confiança fazendo-nos sentir que possuimos as estratégias necessárias para enfrentar mesmo as situações mais imprevistas.

Laura Sanches

Yoga Terapia e Excesso de Peso


Para perder peso eficazmente e de uma forma saudável há que levar em conta todos os factores de ordem física, como o que se come, quanto se come e como se come, mas também vários factores de ordem psicológica, como o porque é que se come.

Na maior parte dos casos o excesso de peso está ligado a um estilo de vida sedentário, em que se faz muito pouco ou nenhum exercício e que não é seguida uma alimentação saudável do ponto de vista dos alimentos escolhidos.


Muitas vezes comer demais também está associado a estados de tensão e ansiedade. Alguns estudos mostram que a gordura, sobretudo ao nível abdominal (que é também a mais prejudicial para o sistema cardiovascular) está muitas vezes relacionada com elevados níveis de stress.

Fazer uma dieta em que se cortam apenas alguns alimentos, ou em que se tenta comer menos para restringir a quantidade de calorias ingerida diariamente pode parecer a melhor e a única solução para se emagrecer. Mas, a verdade, é que sabemos hoje em dia que isto não funciona tão bem como à primeira vista poderia parecer. Primeiro porque muitas vezes se fazem dietas e, mesmo que se consiga perder algum peso, a tendência é para continuar a haver uma insatisfação com a aparência e com o corpo, depois porque fazer uma dieta restringido alguns alimentos e diminuindo a quantidade de outros é, quase sempre, algo bastante penoso e difícil de manter durante longos períodos de tempo o que faz com que a pessoa acabe por desistir e volte a comer de tudo. Muitas vezes ainda em maiores quantidades para recuperar o tempo perdido. Voltando assim a ganhar todo o peso que perdeu, geralmente com algum extra para compensar.

Há já muitos estudos que demonstram que, as pessoas que fazem este tipo de dietas, a que se chamam vulgarmente dietas iô-iô (justamente porque fazem com que as pessoas entrem num ciclo contínuo de emagrecimento e engorda), são as que correm mais riscos de saúde. De facto, os estudos realizados comprovam que, para a saúde são mais perigosas as grandes oscilações de peso, ocorridas repetidamente e em curtos espaços de tempo, do que manter a obesidade ao longo de vários anos.

Outro factor de risco para quem quer perder peso, são as dietas milagrosas em que a pessoa perde peso muito depressa. Contrariamente aos desejos de quem quer perder peso, há hoje em dia um consenso entre os vários especialistas desta área que diz que a perda de peso ideal, para não prejudicar o organismo, se situa entre meio quilo e um quilo por semana, o que dá apenas, no máximo, 4 quilos por mês. Claro que isto pode parecer muito pouco, especialmente para as pessoas obesas que queiram perder por exemplo 40kg (e que, assim, precisarão de pelo menos 10 meses) mas é a forma mais saudável, segura e eficaz de se emagrecer.

Para se ter certeza de que este emagrecimento não será seguido por um novo ganho de peso é muito importante considerar vários factores psicológicos ligados à alimentação. De facto, mais do que algo que nos mantém fisicamente vivos e activos, a alimentação tem também uma grande ligação à nossa vida emocional. É através da amamentação, ou do biberon, que, pela primeira vez, aprendemos o que é estar em contacto com outro ser humano. É através da alimentação que se estabelecem os primeiros vínculos entre o bebé e a sua mãe. Para além de alimentar o nosso corpo, estes primeiros momentos de vinculação precoce também alimentam os primeiros instantes da nossa vida emocional. Por isso não é de estranhar que a alimentação passe a desempenhar um papel tão importante em toda a nossa vida futura.


Por vezes, por insegurança dos pais, sempre que o bebé chora há tendência para o alimentar julgando que terá fome. E assim fica estabelecida, de certa forma, a relação entre o desconforto e a comida, que conforta.

Para além desta ligação, que pode ficar estabelecida na infância, também é verdade que um estômago bem cheio acaba por concentrar em si uma boa parte da circulação sanguínea (necessária para que a digestão se faça) o que diminui a activação do cérebro e do Sistema Nervoso Simpático que, geralmente, se encontram sobre-activados, durante os estados de stress e tensão. Isto leva a que a pessoa possa, finalmente, diminuir os seus níveis de alerta constante e tenha algumas sensações de relaxamento.


Muitas vezes também comemos demais porque há um certo desligar do nosso corpo, uma certa dificuldade em ouvir os sinais que ele nos transmite. Muitas pessoas obesas dizem que comem muito porque nunca se sentem cheias. Este nunca se sentir cheio é revelador de um certo distanciamento do próprio corpo, dos sinais que este nos dá. Há aqui uma incapacidade da pessoa estar consigo mesma, de se ouvir, de reconhecer, aceitar e integrar de forma saudável o corpo e todos os sinais que este transmite. Aqui o papel da Yoga Terapia é devolver à pessoa o bem-estar consigo mesma. O yoga ajuda a pessoa a voltar a estar em sintonia com o seu corpo e consigo própria.

O corpo humano é sábio, é concebido para funcionar de forma eficaz e eficiente em todas as situações, por isso é inconcebível que o estomâgo não transmita ao cérebro os sinais de que está cheio, de que já não consegue comer mais. Mas é perfeitamente concebível que nós nos recusemos a ouvir esses sinais.

De acordo com Ken Wilber o ser humano vive num estado de distanciamento do corpo. Segundo este autor, quando somos crianças, há uma identificação com todo o corpo e não existe grande distinção entre sentimentos, perecpções e pensamentos. Mas, a partir dos 3, 4 anos passamos a identificar o nosso eu muito mais com a zona da cabeça. Isto é visível nas expressões o “meu braço”, “a minha perna”, “o meu corpo”. Quando perguntamos a uma criança desta idade onde está o seu eu, a sua identidade, ela aponta para a cabeça.

A nossa evolução enquanto pessoas passa pela integração do corpo com o eu, que, segundo Wilber, é a meta de todas a psicoterapias humanistas.

Rogers foi um conhecido psicólogo humanista, para quem o desenvolvimento humano culmina no surgimento de uma pessoa plenamente funcional: que está aberta e receptiva à totalidade da sua experiência organísmica, capaz de integrar e aceitar todas as percepções e sensações que o corpo lhe transmite sobre o exterior mas também do seu mundo interior.

Ora isto não acontece nem no obeso, nem na maior parte de nós. Para o obeso ter fome pode ser uma experiência extremamente desconfortável, tanto que é preciso evitá-la a qualquer custo, comendo permanentemente para que esta nunca se faça sentir.

Daubenmeier (2005) fez um estudo em que concluiu que as mulheres que praticavam yoga com mais frequência tinham uma melhor relação com o seu corpo e, por isso, uma probabilidade mais baixa de vir a sofrer de distúrbios alimentares, quando comparadas com as mulheres que iam mais frequentemente ao ginásio.

Para além destes aspectos psicológicos fudamentais para todo o processo de emagrecimento, a prática do asana (posições do yoga) pode também ajudar a estimular todo o sistema digestivo, para uma melhor absorção e assimilação dos alimentos. Influenciando também todo o metabolismo para que funcione mais eficazmente no que toca à eliminação dos excessos. Pode ainda ajudar a tonificar os músculos e, algumas sequências feitas de forma mais energética, podem também ajudar a perder calorias.

A yogaterapia pode ainda ajudar-nos a lidar da melhor forma com o stress e a ansiedade, ajudando-nos a encontrar soluções alternativas nos casos em que são estes que conduzem a um comer em excesso.

Há alguns aspectos importantes a ter em conta para quem quer emagrecer de forma saudável e permanente:

1. Não encarar o processo de emagrecimento como apenas mais uma dieta. È preciso que este seja mesmo uma forma de vida, é preciso ter a noção de que toda a nossa relação connosco mesmos, com o mundo e, sobretudo com a comida, terá que se alterar.

2. Não querer perder muito peso demasiado depressa.

3. Não desanimar mesmo que no ínicio nos pareça que não estamos a perder tanto peso quanto desejávamos. Todas as mudanças verdadeiras e definitivas levam o seu tempo a acontecer.

4. Nunca comer ao mesmo tempo que fazermos outra actividade, como ver televisão ou ler um livro. Quando comemos devemos estar só a comer.

5. Fazer um diário alimentar. Muitas vezes comemos demais sem termos noção disso.

6. Nunca comer menos de duas horas antes de deitar. Tudo o que comermos perto da hora de dormir engordará muito mais, porque já não vamos gastar aquelas calorias que ingerimos e, durante o sono o corpo acabará por assimilá-las.

7. Fazer jantares mais leves que o almoço.

8. Andar a pé. Andar a pé principalmente depois do jantar se sentimos que comemos demais.

9. Tomar sempre um bom pequeno almoço. Os estudos demonstram que quem toma um bom pequeno almoço tem menos probabilidades de sentir fome ao longo do dia.

10. Não ir ao supermercado de estômago vazio. Porque acabamos sempre por comprar muito mais comida do que aquela que realmente precisamos e somos mais facilmente atraídos por alimentos hipercalóricos.

11. Optar sempre por produtos integrais no caso dos cereais, do pão e das massas.

12. Procure diminuir as calorias que ingere diariamente, optando por alimentos mais saudáveis e menos calóricos, mas sem cortar todos os alimentos que lhe dão prazer.

Laura Sanches

BIBLIOGRAFIA

Daubenmeir, J. (2005), The Relationship of Yoga, Body Awareness, and Body Responsiveness to Self-objectification and Disordered Eating. Psychology of Women Quartely, Vol. (29), 207-219

Cooper, Fairburn and Hawker (2003), Cognitive-Behavioural Treatment for Obesity: a Clinician's Guide. Guilford Publications

Rogers, C. (2003), Client Centred Therapy.

Rogers, C. (2004), On Becoming a Person.

Wilber, K. (1977), O Espectro da Consciência. Cultrix.

Wilber, K. (2000), Sex, Ecology and Spirituality: the spirit of evolution. Shambala.

Wilber, K. (1996), The Atman Project: a transpersonal view of human development. Quest Books

Yoga: Uma Prática Antiga e Moderna

Há vestígios que demonstram a existência do Yoga na região do vale do Indo há mais de 5000 anos atrás. Contudo o Yoga, nesta altura, seria com certeza algo muito diferente do que hoje em dia é praticado. Como produto cultural que é, como todas as produções humanas, o Yoga não pode ficar imune à influência das sociedades em que é praticado.

Todos aqueles que se interessam por esta prática nos nossos dias se deparam com uma realidade: há tantas escolas e tipos diferentes de Yoga que, muitas vezes, quase nem parece que estamos perante uma mesma prática. O que as une é a origem comum da filosofia contida na sabedoria ancestral dos Vedas, as escrituras sagradas do Hinduísmo, onde se encontram as primeiras referências escritas ao Yoga.

Uma das características comuns a todos os tipos de Yoga é o encarar desta prática como uma forma de nos libertarmos da ignorância que nos impede de conhecer a nossa natureza mais profunda e verdadeira. As diferenças são criadas justamente pela forma como cada uma delas se propõe atingir esse conhecimento.

Assim podemos pensar que a diversidade de escolas que existe é uma consequência da própria diversidade humana. Visto que cada um de nós aprende de maneira diferente e necessita de aprender coisas diversas, então é natural que cada um de nós percorra um caminho específico, ainda que para chegar à mesma aprendizagem. Como tal, dizer que o método de determinada escola é o único verdadeiramente eficaz, seria negar a diversidade que é uma característica essencial dos seres humanos.

Algumas escolas hoje em dia defendem a ideia de que o Yoga original, aquele que teria sido ensinado há mais de 5000 anos atrás, é o único método válido e verdadeiro. Mas há duas coisas essenciais que nos que nos levam a questionar esta afirmação. Uma delas é o facto de nos ser impossível saber ao certo que tipo de Yoga se praticava há tanto tempo atrás, visto que os vestígios arqueológicos não o dizem e os textos dos Vedas sobre o Yoga transmitem-no de forma muito diferente da de hoje em dia. A outra é o facto desta afirmação ter em si contida a presunção que todo o conhecimento cultural, filosófico e científico que foi sendo adquirido com o passar dos milénios não tem qualquer valor.

Uma das noções que as escolas de Yoga partilham entre si é a de que este é um método de crescimento e evolução pessoal. Esta evolução da consciência que o Yoga facilita, para muitos dos Mestres de Yoga mais conhecidos, como Sri Aurobindo, não se passa apenas ao nível individual mas também no da espécie. Logo, é legítimo supôr que as sociedades dos nossos dias, sendo mais desenvolvidas que as de há 5000 anos atrás, nos darão acesso a um tipo de Yoga mais eficaz e completo do que aquele que existia nessa altura.

È um facto que alguns Mestres de Yoga mais recentes, que ainda hoje têm inúmeros seguidores e obras que continuam a ser permanentemente reeditadas foram influenciados pelos avanços nomeadamente da Medicina e da Psicologia. Swami Vivekananda, por exemplo, que alguns investigadores identificam como um marco nas origens do Yoga Moderno, era bastante amigo de um importante marco na Psicologia - William James- havendo indícios de que os dois se influenciaram mutuamente.

Parece que há uma tendência generalizada, não só no Yoga, mas em vários aspectos, para pensarmos que antigamente tudo era melhor. Existe, por vezes, um certo romantismo que nos leva a acreditar numa época longínqua em que tudo era perfeito, paradísiaco. Mas acontece que vamos tendo cada vez mais meios de conhecer o passado e eles dizem-nos que essa época dourada parece nunca ter existido. Talvez esse sonhar com um passado idílico faça parte do tipo de sociedade em que vivemos, ou da nossa cultura judaico-cristã, com as suas noções de paraíso perdido, mas talvez acreditar nas coisas boas da vida neste tempo e na construção de um futuro melhor nos tornasse pessoas mais optimistas e quem sabe até mais activas na construção desse mesmo futuro.


Laura Sanches
(Publicado na revista Psicologia Actual/ Fevereiro 2007)

Psicologia Transpessoal: entre a ciência e o espírito

O que é a Psicologia Transpessoal?

O termo transpessoal significa para além da persona, palavra que, em grego, era usada para designar a máscara que os actores usavam no teatro. Se a máscara é a nossa personalidade, o transpessoal procura ver para além desta. Com Freud ficou clara a ideia de que o nosso eu é composto por mais do que as partes de que estamos conscientes. Freud analisou e definiu tudo aquilo que estava por trás do nosso consciente, o transpessoal procura definir o que está para além dele. Assim, se Freud catalogou e afirmou a importância do nosso inconsciente, a Psicologia Transpessoal, sem negar esta importância, vem realçar a existência de outros níveis da nossa consciência, igualmente importantes e a que alguns autores, como Sri Aurobindo, por exemplo, chamam o Superconsciente.

O transpessoal enquanto movimento não se restringe apenas à psicologia, pode ser encontrado em várias áreas de estudo, como a sociologia, a antropologia, a psiquiatria, etc. No que se refere à Psicologia este movimento procura estudar as características, consequências e efeitos das experiências transpessoais. Estas experiências são alturas em que, temporariamente, a nossa consciência de sermos uma identidade isolada e independente desaparece e há uma sensação de união a um todo. Durante estas experiências, as pessoas que as relatam, entram em contacto com partes do seu ser que parecem estar para além do ego. Como ego podemos entender a nossa personalidade, aquela com que nos identificamos no dia-a-dia, que nos permite ver-mo-nos como seres distintintos, individuais, com uma existência clara e definida no espaço e no tempo. Durante as experiências transpessoais estas fronteiras individuais são, geralmente, dissolvidas e as barreiras do espaço e do tempo que nos isolam do exterior são transcendidas, dando lugar a uma nova percepção da realidade e de nós mesmos. As pessoas que as vivenciam geralmente descrevem sentimentos de grande bem-estar e de uma felicidade profunda que nunca antes tinham experimentado, o que lhes pode dar um carácter profundamente transformador.

Durante muito tempo este tipo de experiências foram classificadas como patológicas e negativas, mas hoje, são muitos os estudos que indicam que elas podem ter um papel determinante no crescimento e desenvolvimento humanos.

Geralmente ocorrem em estados de consciência alterada que podem ser fruto quer de técnicas de meditação, ou de outras técnicas espirituais ou do uso de substâncias psicoactivas, ou ainda de grandes alterações corporais, como nas experiências de quase morte, por exemplo.

Origens da Psicologia Transpessoal

O termo Transpessoal foi introduzido em 1969, nos E.U.A. com uma publicação de Stanislav Grof e de Abraham Maslow- o Journal of Transpersonal Psychology. Devido ao sucesso que esta publicação atingiu, em 1972, foi então fundada, pelos mesmos autores, a primeira associação de psicologia transpessoal, que passaria a representar a quarta força da psicologia.

Um dos marcos na história da Psicologia Transpessoal foram os estudos de Abraham Maslow, um importante teórico do movimento Humanista, que observou que muitas pessoas relatavam aquilo a que chamou de “experiências de pico”. Estas eram experiências que podiam durar apenas alguns segundos ou vários minutos e em que, quem as vivia, descrevia o dissolver das barreiras do seu Ego, com a noção de integração num todo coerente e harmonioso e um grande sentimento de bem-estar, quase de euforia. Eram experiências que tinham sempre um significado muito forte na vida das pessoas que passavam por elas, chegando mesmo a provocar grandes alterações nas suas formas de ver e de estar no mundo.

Maslow, que antes tinha já contribuido significativamente para as teorias da personalidade, com a sua célebre pirâmide das necessidades (em que postulava que o homem tinha uma certa hierarquia de necessidades que deviam ser progressivamente satisfeitas para que este se pudesse sentir feliz e realizado), concluiu que a necessidade de realização espiritual era tão forte como todas as outras e que deveria estar no topo da pirâmide como a última necessidade que deveria ser tida em conta para o desenvolvimento completo do ser humano.

Bases e fundamento da Psicologia Transpessoal

O Transpessoal trouxe para o domínio da ciência e da Psicologia algo que sempre fez parte do Ser Humano e que parece ser tão antigo como o próprio homem: a espiritualidade. Esta sempre teve um papel fundamental em todas as civilizações humanas. Quer sob a forma da religiosidade instituída ou nas suas mais diversas formas é inegável o papel que a espiritualidade sempre desempenhou na história humana. E, se hoje em dia assistimos a um certo declínio das religiões instituídas, pelo menos no Ocidente, esse declínio não se reflecte em nada na busca de uma vivência espiritual. Antes pelo contrário já que parece haver, nos nossos dias, uma busca cada vez maior de todos os tipos de espiritualidades alternativas. Enquanto os outros modelos resumem esta necessidade espiritual a uma parte mais primitiva ou irracional do ser humano, a psicologia transpessoal reconhece-a como fonte de grande realização pessoal, de onde podem surgir, por exemplo, as mais elevadas criações artísticas.

Uma premissa básica da Psicologia Transpessoal é a existência de uma filosofia perene: uma base comum a todas as tradições espirituais ou religiosas da humanidade. Sendo que as diferenças que foram surgindo teriam apenas a ver com as interpretações que foram surgindo a partir dessa base original. De facto, há alguns estudos que encontram semelhanças entre cultos ou tradições espirituais de civilizações e sociedades muito diferentes e distantes entre si, o que nos leva a crer na hipótese de que tenham surgido de um mesmo fundo comum.

Uma das dificuldades da Psicologia Transpessoal passa pela incapacidade de investigar estes estados com os intrumentos correntemente usados em psicologia. Alguns autores, como Wilber, defendem mesmo que alguns estados só são passíveis de ser analisados por quem os vivencia e enquanto os vivencia, daí que muitos teóricos do transpessoal sejam eles próprios adeptos ou praticantes das mais variadas práticas transpessoais.

Há, por parte da grande maioria dos teóricos da Psicologia Transpessoal, um grande interesse pelas tradições espirituais, especialmente pelas que são originárias do Oriente. Isto acontece porque estas, desde sempre, se preocuparam com o desenvolvimento para além do Ego. As tradições orientais, na sua maioria, admitem que existem de facto estados para além do Ego, que devem ser atingidos e procurados e, para esse efeito, existem as mais variadas escolas e técnicas como as várias escolas de meditação, de yoga, de shamanismo, etc.

Assim a Psicologia Transpessoal, sem negar nenhum dos méritos das outras correntes teóricas da Psicologia, procura integrá-las, reconhecendo que cada uma destas se dirige a um nível específico do ser humano, inserindo-as numa visão mais abrangente, em que todo o potencial humano é reconhecido, explorado e valorizado.

Laura Sanches
Bibliografia:

- Walsh and Vaughan, (1993). Paths Beyond Ego. Tarcher Putnam
- Ken Wilber, (2000). Integral Psychology. Shambala
- Abraham Maslow (1993), The Farther Reaches of Human Nature. Arkana
-A.S. Dalal, (2001), A Greater Psychology: An Introduction to the Psychological Thought of Sri Aurobindo. Tarcher. Putnam.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Yoga e Psicologia: porquê juntá-los

Praticar Yoga é uma forma de auto-conhecimento e de desenvolvimento pessoal. O Yoga pode representar uma forma de crescimento, um caminho de aprofundamento da nossa capacidade de espreitar para dentro de nós mesmos, numa busca constante e intensa da nossa verdadeira identidade.

Mais do que uma ginástica eficaz para nos mantermos em forma, para além de cuidar do corpo, o Yoga é uma forma de cuidarmos da mente, de a mantermos num estado de tranquilidade e bem-estar. Mas mais do que permitir a vivência de um estado de equilíbrio entre o corpo e a mente, o Yoga, é uma prática que, com o tempo, nos permite vivenciar estados cada vez mais subtis, profundos e, ao mesmo tempo, mais abrangentes. Estados que nos permitem mergulhar cada vez mais fundo numa viagem de descoberta de nós e do mundo.

Só muito recentemente a Psicologia se começou a preocupar com aquilo que nos faz felizes. Inicialmente, e até há pouco mais de uma década atrás, a Psicologia estudava prioritariamente a doença, preocupando-se em desenvolver teorias e intervenções que nos permitissem não só uma melhor compreensão de todo o processo de desenvolvimento da doença mental, mas também da melhor forma de intervir junto desta. Assim, toda a história da Psicologia se fez pela negativa. Pelo estudo dos fenómenos patológicos. Mas, recentemente, surgiu um novo ramo de estudo: a Psicologia Positiva. Esta ocupa-se sobretudo do estudo daquilo que nos faz felizes. Daquilo que nos faz crescer e ser melhores enquanto seres humanos. E também das ferramentas que permitem a algumas pessoas encontrar forças para serem felizes, mesmo em circunstâncias que seriam destrutivas para um outro indivíduo.

O Yoga pode ser estudado pela Psicologia Positiva como uma dessas ferramentas já que, através da sua prática, é possível de facto melhorar e fortalecer a nossa capacidade de sermos felizes. Praticando Yoga com regularidade descobrimos, como já várias investigações comprovaram, que é possível ser-se mais feliz, mais saudável e realizado.

As razões porque isto acontece levar-nos-iam a uma longa discussão e não são ainda consensuais entre os investigadores. Não só porque esta é uma área que tem ainda muito por explorar, mas também porque é bastante complexa e abrangente e a própria Psicologia é ainda uma ciência recente e cujos modelos de desenvolvimento não conseguem ainda (provavelmente não conseguirão tão cedo) explicar toda a complexidade daquilo que representa ser-se humano.

Mas se a ligação do Yoga à Psicologia Positiva se faz desta forma, salientando o seu vasto potencial como método de desenvolvimento humano, também é fácil fazer a ligação à Psicologia Terapêutica, salientando o potencial que muitas das suas técnicas têm para o tratamento de várias perturbações psicológicas e não só.

Na Índia, país de origem do Yoga, este sempre foi visto como uma ferramenta de desenvolvimento espiritual mas também como um método terapêutico por excelência.

Ao nível psicológico o Yoga tem tido efeitos comprovados principalmente ao nível das perturbações da ansiedade e da depressão, mas o seu potencial, a grande variedade das suas técnicas e a forma como se direccionam os seus efeitos para o corpo e para a mente de uma forma holística e integrada, permitem-nos afirmar que terá, sem dúvida, como também o comprova o trabalho de muitos Yogaterapeutas (principalmente na Ìndia e nos E.U.A.) que terá benefícios também para outras perturbações.

Para além destes aspectos a prática de Yoga pode ainda também enquadrar-se no campo de estudo da Psicologia Transpessoal, já que, de facto, o yoga nos permite entrar em contacto com o que existe para lá da persona - palavra que, em grego, significa máscara, que designava a personagem que os actores gregos interpretavam em palco e que está na origem do termo personalidade. Assim, o Yoga, do ponto de vista da Psicologia Transpessoal, pode também ser enquadrado como um método de auto-transcendência, de evolução para além do ego e dos estados comuns da vigília.

Yogaterapia

A yogaterapia é uma terapia alternativa que tem ainda pouca expressão em Portugal mas que, em países como os E.U.A. Inglaterra ou Índia, tem conhecido um grande desenvolvimento. Este traduz-se quer pelo reconhecimento do público, quer pelo número cada vez maior de profissionais envolvidos em pesquisas que comprovam os efeitos benéficos desta no tratamento de vários problemas de saúde.

Esta é uma terapia onde se aplicam técnicas do yoga com a finalidade de tratar ou de complementar o tratamento de várias condições. As que têm sido mais estudadas e que, geralmente, respondem melhor à yogaterapia incluem problemas respiratórios (como asma, bronquite, enfisemas pulmonares), dores de costas, hipertensão arterial, todas as perturbações relacionadas com a ansiedade e depressão.

Em países como Inglaterra, por exemplo, a yogaterapia chega mesmo a ser aplicada com resultados positivos nos estágios iniciais de doenças graves como o cancro ou a doença de Parkinson.

As técnicas mais vulgarmente usadas em yogaterapia são: o asana – posições que influenciam directamente os órgãos, as glândulas e o sistema nervoso, mas que podem ter também uma importante influência sobre os estados mentais; o pranayama- exercícios respiratórios, que exercem uma influência ao nível do sistema nervoso e das emoções, e o relaxamento e a meditação, que têm um papel importante no combate ao stress e à ansiedade e que podem também ajudar a criar estados de espírito mais optimistas e propícios à cura.

Um dos aspectos que distingue a yogaterapia de outras terapias mais convencionais e que a torna um meio adequado para o tratamento tanto de perturbações físicas como mentais, é a visão holística que tem do ser humano. A palavra Yoga, do sânscrito, significa literalmente unir, e a prática do yoga é muitas vezes encarada como uma forma de unir a mente ao corpo. Em yogaterapia, temos noção que não podemos tratar só o corpo ou a mente da pessoa. Ao tratar, por exemplo, uma dor de costas, poderemos usar vários asanas que ajudem a aliviar a dor e até mesmo a corrigir as suas causas, mas não podemos ignorar os factores psicológicos que a dor terá com certeza influenciado ou que, muitas vezes, podem mesmo tê-la causado.

Hoje em dia há cada vez mais certezas em relação à forma como a mente influencia o corpo e vice-versa. Sabe-se que a esperança que a pessoa tem de se curar e a capacidade que tem de direccionar todos os seus recursos internos para essa cura são essenciais para o bom andamento do processo terapêutico. Mesmo quando usamos fármacos, há já muitos estudos que nos dizem que estes não têm tanto efeito se a pessoa não acredita neles ou no médico que os receitou; outros estudos mostram ainda que tomar um comprimido formulado para curar determinada perturbação, por vezes, pode ter exactamente o mesmo efeito, do que tomar um placebo em que a pessoa acredita.

Há, hoje dia, cada vez mais pessoas que procuram o yoga como forma de tratar alguns problemas de saúde. Mas, se é verdade que os benefícios desta prática podem ser colhidos pela prática regular em aulas de grupo, também é verdade que esta nem sempre é acessível às pessoas que sofrem de problemas mais marcados de saúde; embora os praticantes de yoga, ao contrário do que muitas vezes se crê, não tenham que ser pessoas flexíveis e ágeis e, apesar de muitas vezes os exercícios mais eficazes no yoga serem justamente os mais simples e não os mais espectaculares e impressionantes que tantas vezes são divulgados. Ainda assim, para pessoas com uma saúde muito débil, ou com vários problemas em simultâneo, por vezes as técnicas têm que ser bastante adaptadas e este é um trabalho que nem sempre é possível fazer dentro de uma aula de grupo, apesar de nestas também ser muito importante ter em conta que a prática deve ser sempre adaptada ao indivíduo e nunca o indivíduo à prática.

Temos também consciência de que todos somos diferentes e que, por isso, o que faz bem a algumas pessoas não será necessariamente o melhor para outras. Por isso, em yogaterapia, todo o trabalho é feito individualmente (ou em grupos muito pequenos em que todos os participantes apresentem um problema de saúde comum) de forma a que as sessões sejam personalizadas e direccionadas para a resolução de uma problemática específica, usando as técnicas que forem mais relevantes para cada caso e para cada pessoa.

Outro aspecto que importante da yogaterapia, é a responsabilização da pessoa pelo seu próprio processo de cura. Por isso é importante que a pessoa perceba correctamente os exercícios que são feitos em cada sessão, bem como a sua utilidade, para que possa em casa, diariamente, pô-los em prática. Esta prática regular (ainda que possa não ocupar mais de 10, 15 minutos por dia) é essencial para que se obtenham todos os benefícios terapêuticos, mas tem também o mérito de devolver à pessoa a capacidade de aprender a estar bem e a segurança de saber que tem ao seu dispôr um conjunto de exercícios que poderão devolver-lhe qualidade de vida e contribuir para uma existência mais saudável e preenchida por momentos de bem-estar.


Laura Sanches e Jorge Ferreira