sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Yoga e Ansiedade nas crianças

Yoga e ansiedade nas crianças 

Muitos pais falam comigo preocupados com os comportamentos ansiosos que vêem nos seus filhos. Porque, infelizmente, são cada vez mais os casos de crianças que sofrem com a tensão em que vivem quase diariamente e são cada vez mais os comportamentos que o demonstram como, por exemplo, dores de cabeça constantes como acontece com algumas crianças que conheço.

E, a maior parte das vezes, estes pais que chegam até mim que, na maior parte dos casos, são pessoas informadas, preocupadas e atentas já ouviram dizer que o yoga pode ser uma boa solução e muitas vezes esta é mesmo a recomendação do médico de família ou do pediatra que segue a criança. Como, além de psicóloga também sou professora de yoga e também já dei aulas de yoga a crianças, então muitas vezes estes pais vêm falar comigo na esperança de encontrarem no yoga uma solução para a ansiedade dos filhos. Mas  verdade é que fico sempre com sentimentos ambivalentes nestes casos, que vou tentar explicar porque surgem.

Benefícios do Yoga para crianças


É verdade que uma prática de yoga pode ter vários benefícios para uma criança. Por um lado, do ponto de vista físico, é importante que as crianças ganhem uma maior consciência do corpo e que aprendam o que podem fazer para o manterem saudável ao mesmo que podem também aprender a ter algum prazer com isso. Também é verdade que as crianças passam cada vez mais tempo sentadas e têm cada vez menos oportunidades de mexer o corpo e de entrar em contacto com ele e de explorar os seus limites, pelo que as aulas de yoga podem ser uma boa altura para o fazerem. Uma vantagem do yoga em relação a outros desportos é o facto de não ter a vertente competitiva que está presente nos outros e que pode ser uma fonte de tensão e de ansiedade para as crianças que, cada vez mais, já estão sujeitas a tantas pressões para serem capazes e para serem as melhores em tantas áreas da sua vida. O yoga pode ser também uma boa forma da criança entrar mais em contacto com as suas emoções e de aprender a adquirir algumas estratégias e ferramentas que lhe permitam geri-las da melhor forma. Através de alguns exercícios de respiração, de relaxamento e de concentração a criança pode aprender a libertar alguma tensão, a estar mais em contacto com o seu mundo interno a ser mais capaz de gerir os seus estados. O yoga pode também ajudar na capacidade de concentração levando a criança a perceber que é possível direccionar a sua atenção e a não ficar tão à mercê das distracções. Se o professor for capaz de transmitir à criança uma atitude de aceitação e de respeito pelo próprio corpo isto pode também ter um papel importante na auto-estima da criança e na criação de uma auto-imagem positiva. Todos estes benefícios têm vindo a ser comprovados por algumas investigações que vão sendo feitas nesta área.

No entanto não acho que o yoga deva ser encarado como a primeira solução para lidar com a ansiedade e insegurança nas crianças. Até porque, as crianças mais ansiosas, são justamente aquelas que terão mais dificuldade em retirar verdadeiros benefícios de uma aula de yoga.


As crianças vivem ainda muito em relação. Os adultos também mas, nas crianças, isto está ainda mais presente. Na infância os relacionamentos que formamos com as pessoas significativas são a fonte mais poderosa de experiências e a que mais contribui para moldar o nosso cérebro e a nossa forma de lidar com o mundo e connosco próprios. As crianças nascem totalmente predispostas para estabelecer relações significativas com as pessoas que cuidam de si. E nascem também com uma tendência inata para confiar nessas pessoas e para verem o mundo através daquilo que elas lhes mostram. Assim, as crianças são autênticos espelhos da forma dos seus pais estarem no mundo. Uma criança procura nos seus pais referências para a forma como se deve comportar, para a forma como deve agir, para a forma como deve lidar com as emoções e sentimentos. 

Os bebés quando nascem passam os primeiros meses num estado de fusão emocional com a mãe, isto quer dizer que, para além de precisarem muito da sua presença e da sua disponibilidade quase constante também acabam por ser um bom reflexo das suas emoções e daquilo que a mãe vai sentido. Se a mãe está ansiosa, por exemplo, os bebés demonstram muito rapidamente essa ansiedade passando a ter um comportamento mais agitado e com mais choro. Observações feitas com mães deprimidas mostraram que os bebés dessas mães apresentavam eles próprios um comportamento semelhante ao da depressão: mostravam muito mais expressões de desconforto de mau-estar do que expressões positivas, tinham episódios de choro mais frequentes do que os filhos de mães não deprimidas e tinham uma maior tendência para se tornarem bebés que mostravam muito pouca vontade de interagir. Isto demonstra que os bebés aprendem com as mães como devem olhar para o mundo e também como olhar para si próprios. Também do ponto de vista neurológico há estudos que mostram que o organismo do bebé tem tendência para se regular através do contacto com o organismo da mãe. Por exemplo, se o bebé está a chorar é muito mais fácil acalmá-lo se a mãe estiver com ele no colo e se mantiver ela própria calma. É como se o organismo mais maduro da mãe mostrasse ao bebé como pode passar de um estado de tensão e mal-estar para um outro estado diferente, de equilíbrio.

Por outro lado, a forma como respondemos aos nossos filhos também vai moldando o seu organismo. Por exemplo, sabe-se que os bebés que são repetidamente expostos a situações de stress - como nos casos em que são deixados a chorar sozinhos – acabam por ter os seus organismos inundados de cortisol, o que faz com o seu hipocampo perca a sensibilidade a esta hormona e deixe de ser capaz de avisar o cérebro que já foi produzida em excesso, o que quer dizer que, o hipotálamo se torna incapaz de desligar a produção de cortisol e a criança passa a viver com a resposta de stress ligada quase de forma permanente. Isto significa que esta será uma criança que terá sempre muita dificuldade em lidar com os desafios. Porque o seu organismo está já num estado permanente de sobrecarga que acaba por provocar um desgaste e fazer com que lhe sobre muito pouca energia extra para lidar com desafios.

Sobretudo durante os primeiros dois anos de vida, o cérebro das crianças está em constante formação. Nesta altura são perdidas e criadas milhares de ligações neuronais. É como se a criança, durante estes dois anos, estivesse a tentar perceber em que tipo de mundo irá viver e tentasse adaptar-se o melhor possível a este. Isto quer dizer que através das experiências que os pais proporcionam ás crianças, ela vai moldando o seu  organismo e o seu cérebro de forma a criar determinados padrões. E estas experiências incluem não só a forma como os pais respondem às suas necessidades mas também a forma como vê os seus próprios pais a lidar com as emoções. As crianças aprendem mais por imitação do que pelo que ouvem e, sobretudo nos primeiros tempos de vida, elas são peritas a sentir mesmo o que não foi dito. Nos dois primeiros anos a criança usa principalmente o lado direito do seu cérebro que está ligado ás emoções e, só a partir dos dois anos de vida, com o desenvolvimento da linguagem é que a criança começa a ser capaz de usar o lado esquerdo que lhe permite racionalizar, analisar e interpretar de forma  mais elaborada o que sente. Isto quer dizer que, nestes primeiros dois anos de vida, criança absorve muita coisa e faz muitas aprendizagens apenas através daquilo que sente com os pais.

Então, quando penso em crianças ansiosas, inseguras ou com alguma dificuldade em lidar com as situações da vida, é inevitável pensar que isso estará, de algum modo ligado ás experiências que viveu com os seus pais. E, se é verdade que os primeiros dois anos de vida são determinantes no que toca a essa moldagem que vai acontecendo, também é verdade que, durante toda a infância continua a existir alguma permeabilidade que permite à criança alterar esses padrões que foram criados. Também é verdade que esta capacidade de alterar esses padrões se mantém até na vida adulta mas, acontece que, na infância, esses padrões ainda não estão tão consolidados o que facilita essa alteração.

Uma das formas mais eficazes de alterarmos os nossos padrões de funcionamento é através das relações que estabelecemos com os outros e criam determinadas experiências dentro de nós, que nos fazem segregar hormonas e neuropéptidos – substâncias que segregamos em função daquilo que sentimos e que têm o poder de influenciar e de alterar a nossa fisiologia. E, se isto é verdade ao longo de toda a vida é ainda mais verdade durante a infância: uma altura em que estamos mais receptivos, mais predispostos a estabelecer relações e deixarmos-nos moldar por elas. Na meditação do tipo mindfulness, por exemplo, que tem vindo a ser comprovada como uma excelente forma de quebrarmos determinados padrões e de alterarmos o nosso funcionamento mesmo ao nível cerebral, o que acontece é justamente o facto de nos tornarmos capazes de estar verdadeiramente em relação connosco próprios e é isso que pode fazer toda a diferença na forma como encaramos a vida.

Então, isto quer dizer que, antes de decidirmos que uma criança ansiosa tem um problema e que precisamos de encontrar estratégias para a ajudar a lidar com ele, podemos pensar que ela está apenas a fazer aquilo que aprendeu connosco ao longo dos seus anos de vida e que, por isso mesmo, uma forma muito eficaz de a ajudar a lidar com a sua ansiedade é aprendermos a lidar com a nossa.

Sem culpas, porque cada pai ou mãe faz exactamente o melhor que sabe fazer com os seus filhos e sem culpas porque apenas podemos dar aos nossos filhos aquilo que aprendemos a dar a nós próprios. Então, se queremos verdadeiramente quebrar o ciclo e ajudar os nossos filhos a lidarem da melhor forma com as suas emoções, precisamos primeiro de aprender a lidar com as nossas. Por isto, dou comigo muitas vezes a dizer aos pais que, em vez, de porem os seus filhos a praticar yoga deviam pensar em ser eles próprios a praticar. Porque, honestamente, se é verdade que as crianças ansiosas ou inseguras podem encontrar no yoga algumas ferramentas que lhes permitam lidar melhor com essa ansiedade, também é verdade que essas crianças aprenderam a sê-lo por causa de todas experiências que viveram com os pais. Então, acredito que a melhor forma de eliminar de vez essa insegurança ou ansiedade é modificar essas experiências.

Muitas vezes, justamente por causa dos nossos receios ou ansiedades acabamos por acreditar que são as pessoas de fora que podem ajudar os nossos filhos  quando a melhor ajuda é nós simplesmente estarmos dispostos a estar presentes, verdadeiramente presentes na relação que temos com eles. Então, muitas vezes os pais fazem o esforço de levar o filho a algum lado para fazer aulas de yoga, incluindo mais uma actividade nas suas agendas já tão preenchidas e atarefadas quando esse tempo seria muito mais bem empregue se o passassem com a criança, criando espaço e oportunidade para estarem verdadeiramente com ela.


A nossa presença, inteira, completa de corpo e coração é o melhor presente que podemos dar a uma criança. E, quando nos tornamos capazes de lhe dar essa presença de forma regular, com que ela possa aprender a contar, estamos a criar-lhe a possibilidade de crescer no verdadeiro sentido do termo. Essa presença dos pais tem um efeito terapêutico muito mais profundo e completo do que aquele que qualquer aula de yoga ou qualquer outra relação lhe pode proporcionar. Uma criança precisa, mais do que tudo de sentir a presença e a aceitação incondicional dos seus pais. É a falta dessa presença - que acontece, a maior parte das vezes, por causa das nossas próprias ansiedades - que está na base de todas as inseguranças com que os nossos filhos lidam. Então, antes de procurarmos no exterior a correcção e a solução para esses medos ou dificuldades que os nossos filhos enfrentam, acredito que faremos muito melhor se as procurarmos em nós mesmos. E isto implica uma grande responsabilidade, sim, é verdade. Mas é uma responsabilidade sem culpa. É uma responsabilidade apenas de nos tornarmos conscientes do nosso poder enquanto pais ou mães de uma criança mas uma responsabilidade onde não entram culpas porque, enquanto pais, também já fomos filhos e fazemos apenas o melhor que nos foi possível aprender com os nossos pais. E sem culpas também porque é essencial que saibamos que é sempre tempo de mudar aquilo que ensinamos e transmitimos aos nossos filhos. Basta tomarmos consciência de que é tempo de lidar com as nossas feridas, é tempo de quebrar o ciclo e basta tomarmos consciência de que os nossos filhos estão sempre prontos, disponíveis para nos receber e para aceitar o que temos para lhes dar, sobretudo quando conseguem sentir que estamos realmente dispostos a tentar fazer diferente. 

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Mindfulness e Depressão - Acolher com Atenção Plena a nossa Dor

A depressão é um problema cada vez mais comum nos nossos dias. E é um facto que cada vez aparecem mais pessoas que dizem estar deprimidas ou que são diagnosticadas como tal pelo médico de família. 

Quando aparece alguém a dizer que está deprimido geralmente ou foi a própria pessoa que fez o seu diagnóstico ou foi o médico de família que lhe disse que estaria com uma depressão. Por vezes também acontece aparecerem pessoas na minha consulta que querem que lhes diga se estão deprimidas.  Nestes casos fico sempre na dúvida sobre até que ponto é útil colocar esse rótulo ou não. Regra geral não gosto muito de fazer diagnósticos. Por um lado porque gosto de tratar todas as pessoas com que lido com um indivíduo único e não como um conjunto de sintomas. Por outro porque, muitas vezes, o peso de se passar a ter um rótulo associado se pode ajudar a pessoa a sentir que não é a única a passar por aquele sofrimento, também pode fazer com que a pessoa fique tão identificada com esse rótulo que passa a sentir que ele faz quase parte de si. E em muitos casos isto quer dizer que se acaba por sentir que é uma espécie de pessoa com defeito e que não há muito a fazer a não ser aceitar que terá que lidar com essa condição para o resto da vida. No caso da depressão isto não é tão grave porque, apesar de tudo, esta é uma perturbação que normalmente é encarada como tendo um carácter passageiro. O problema acontece quando a pessoa começa ter várias recaídas de episódios depressivos e aí é mais provável que comece a pensar que há alguma coisa em si que não funciona como devia e que terá de lidar com isto para sempre. 

Depressão e Anti-depressivos


Quase sempre, a seguir a um diagnóstico de depressão, vem a receita de um anti-depressivo qualquer que é encarado pela a maior parte dos médicos como um mal inevitável e como a melhor forma de lidar com esta perturbação que, às vezes, é quase encarada como uma doença igual às outras que podem ser tratadas com antibióticos,por exemplo.

Acontece que, até pode ser verdade que o anti-depressivo ajuda a restabelecer algum tipo de equilíbrio químico no nosso cérebro que está ligado à depressão. Mas, a verdade, é que é muito redutor pensarmos que o nosso conjunto de emoções e sentimentos mais profundos se resume a algumas ligações químicas que podem ser alteradas à vontade. O facto de haver algumas alterações visíveis no cérebro das pessoas que estão deprimidas não significa necessariamente que estas sejam a causa da depressão, elas podem ser simplesmente o reflexo daquilo que se passa com a pessoa. A verdade é que as neurociências ainda não conseguiram estabelecer uma relação de causa efeito que nos diga com certezas absolutas o que é que causa o quê no nosso cérebro. 

Justamente porque essa ligação que existe entre as emoções e sentimentos e as ligações químicas e neurológicas no nosso corpo não é uni-direccional o que me parece que os anti-depressivos fazem é distanciar a pessoa ainda mais do seu corpo e das suas emoções e sentimentos. Porque é como se a pessoa passasse a receber uma mensagem do corpo que não corresponde em nada à forma como se sente ou como pensa. Sempre que temos algum pensamento ou sentimento provocamos a libertação de uma substância a que Candace Pert chamou neuropéptidos e estas substâncias são responsáveis por toda uma série de modificações que acontecem por toda a nossa corrente sanguínea que, por sua vez, poderão provocar alterações no nosso sistema nervoso e no modo de funcionamento do cérebro activando diferentes áreas e ligações neuronais em função daquilo que está a ser pensado ou sentido. 

Isto quer dizer que, quando usamos uma substância química para alterar as nossas hormonas e o nosso funcionamento cerebral ou neurológico acabamos por fazer com que o nosso corpo fique muito mais limitado na sua forma de viver e de manifestar as emoções, sentimentos e pensamentos. E, isto, com o tempo acaba por criar ainda mais mal-estar. Porque criamos uma dificuldade ainda maior na nossa capacidade de sentir e de nos sintonizarmos com o nosso corpo e com as emoções que são manifestadas através dele. 

Então a pessoa acaba por se alienar ainda mais do corpo  e das emoções e passa a viver de forma cada vez mais superficial. Por isso muitas pessoas dizem que, quando estão a tomar anti-depressivos deixam de sentir tanto as coisas más mas também deixam de sentir tanto as boas. Cria-se uma distância ainda maior entre a pessoa e os sinais que lhe dá o corpo e que estão ligados ao que sente e ao que pensa e isto, em vez de resolver o que quer que seja só serve para o piorar. Claro que quando a pessoa está numa depressão tão grande que nem consegue arranjar forças para sair da cama, para se vestir ou tomar banho os anti-depressivos podem ser um empurrão necessário para que a pessoa consiga ganhar forças para procurar ajuda noutro lugar. Mas, o problema é que, na maior parte dos casos eles são receitados a pessoas que ainda não estão nesse estado depressivo tão grave e, por outro lado, mesmo nestes casos eles quase nunca são usados como uma ajuda temporária, que poderia levar a pessoa a ter a força necessária para procurar outras ajudas,  mas sim como uma muleta permanente. Porque outro dos problemas dos anti-depressivos, além de todos os efeitos secundários que causam, é o facto de criarem níveis de dependência elevados que dificultam muito a interrupção da sua toma. E, nestes casos, os anti-depressivos causam mais problemas do que resolvem porque, também do ponto de vista físico, têm uma série de efeitos secundários que podem diminuir bastante a qualidade de vida de quem os toma.

                         Lidar com a Dor sem Sofrimento


Vivemos numa sociedade em que estamos muito pouco habituados a lidar com a dor. Corremos a tomar analgésicos ao primeiro sinal de dor de cabeça, de dentes, de barriga. E queremos muito fazer o mesmo com as dores emocionais. Já conheci casos de pessoas que tinham perdido alguém próximo há muito pouco tempo quando foram a uma consulta com o médico de família que lhes quis receitar anti-depressivos. Então vivemos numa sociedade em que já nem é permitido esta triste nas alturas em que é mesmo suposto estarmos tristes. Temos muito medo de viver as nossas tristezas, de lidar com elas, de as enfrentar, de lhes dar espaço. E este é mesmo o melhor caminho para uma depressão. Quando passamos anos a tentar enterrar as nossas dores acabamos por fazer com que um dia elas se tornem tão presentes que já não conseguimos fazer nada para as mandar embora. 

Um dos problemas da depressão são os chamados pensamentos ruminantes, em que a pessoa luta contra a própria depressão. São os pensamentos do tipo: porque é eu não consigo vencer isto? Porque é que todos parecem andar tão alegres menos eu? porque é que sou tão fraca? porque é que todos conseguem viver a vida menos eu? etc. Acontece que, quanto mais lutamos com os nossos pensamentos mais força eles acabam por ganhar. E assim criamos determinados padrões de funcionamento que são muito difíceis de romper. Sempre que temos um determinado tipo de pensamento activamos um determinado grupo de neurónios e, ao fazê-lo, estamos a criar redes neuronais que, quanto mais forem usadas, mais prontas estarão a ser activadas novamente. Esta é a razão pela qual sempre que temos uma depressão se torna mais provável que tenhamos uma segunda, e se temos uma segunda aumentam ainda mais as probabilidades de termos uma terceira e por aí fora. Porque criamos determinados padrões de funcionamento que activam essas redes neuronais que, por terem sido muito usadas, ficam cada vez mais prontas a disparar, como um músculo bem exercitado. 

Então é aqui que entra o mindfulness e este é tão eficaz a quebrar o ciclo da depressão porque ajuda a enfraquecer essas redes neuronais. Isto acontece porque, por um lado, o facto de pararmos de lutar com os nossos estados internos lhes retira um pouco do seu impacto e, por outro, porque o facto de aprendermos a observar os nossos estados internos sem lhes reagir e sem nos identificarmos com eles também faz com que esta ligações percam muita da sua força. 

Na tradição budista distingue-se a dor do sofrimento: a dor é inevitável e contra esta não podemos fazer nada mas o sofrimento, esse sim, pode ser evitado. O sofrimento é uma nova camada de dor que construímos à volta da dor original. Para perceber isto melhor imagine que se levanta de noite para ir à casa de banho, como está cheio de sono prefere não acender a luz e, pelo caminho, bate com os dedos no pé de uma mesa. Sente aquela dor aguda que lhe diz que magoou a sério os seus dedos. Esta dor é real e está presente de facto. Mas, logo a seguir, aquilo que acontece é que começa a julgar essa dor e a querer que desapareça e, na nossa tentativa desajeitada de querermos alterar a realidade em que nos encontramos a tendência, neste caso, seria para começarmos a distribuir culpas: ou porque não acendemos a luz e devíamos ter acendido se não fossemos preguiçosos, ou porque nos devíamos ter lembrado da mesa nova que acabámos de comprar com que chocámos ou porque alguém tirou a mesa do lugar onde deveria estar. Nestes pensamentos aquilo que queremos fazer é quase criar uma nova realidade para fugir daquela que, neste momento, é tão dolorosa. Mas, para o fazermos, acabamos por criar ainda mais tensão: cerramos os punhos zangados connosco ou com os outros, contraímos os maxilares e os músculos do pescoço, da cara e dos ombros. É como se ao contrair as várias partes do corpo acreditássemos que podíamos expulsar aquela dor. Mas não podemos. E, ao tentar fazê-lo só criamos ainda mais tensão e sofrimento à volta daquela dor. Então o mindfulness ensina-nos que podemos simplesmente observar e acolher as nossas experiências. E, quando o fazemos, percebemos que aquela dor afinal, quando lhe damos espaço, passa depressa e que, a nossa tentativa de a eliminar, na verdade só serve para a prolongar. 

E com as nossas emoções passa-se o mesmo: os nossos sentimentos são flutuantes, as emoções surgem e desaparecem naturalmente em cada situação. Mas, se lutamos e rejeitamos algumas emoções isso só fará com que elas permaneçam mais tempo na nossa consciência. Se aprendermos simplesmente a observá-las percebemos que atrás da tristeza vem a alegria e que existe um ciclo e um flutuar constante na forma como nos sentimos e pensamos. Mesmo que alguns sentimentos pareçam, por vezes, mais duradouros, eles também acabam por passar e por se transformar se lhes dermos espaço para isso. 

A dor, física, é um sinal de alarme. Avisa-nos que há alguma parte do corpo que foi agredida, ou que poderá estar com algum tipo de dificuldade ou problema. Se tentarmos ignorar esse alarme ele precisa de se tornar ainda mais forte e, se o mascarmos demasiadas vezes com analgésicos corremos o risco de, com o tempo, desenvolver algum problema ainda mais sério. 

O mesmo acontece com a dor emocional: também nos avisa de alguma parte de nós foi ferida, agredida de algum modo e esse aviso é precioso. Porque quer dizer que alguma parte de nós precisa de mais atenção. Quando um filho se magoa e chora, o instinto de qualquer pai ou mãe, é pegar-lhe ao colo e perguntar o que aconteceu. E isto, só por si, principalmente se for feito com calma e com carinho é suficiente para que a criança se acalme. Então precisamos de aprender a fazer o mesmo connosco. Precisamos de aprender a acolher e a olhar para as nossas dores em vez de as rejeitarmos. Precisamos de saber que tudo ficará bem se formos simplesmente capazes de olhar para nós e de nos acolhermos tal como somos, tal como estamos em cada momento da nossa vida, não como gostaríamos de ser ou como a voz da nossa cabeça nos diz que deveríamos ser, mas exactamente como somos. Esta é a proposta do mindfulness e é só através desta capacidade de olharmos para dentro com o mesmo amor e a mesma compaixão que olhamos para um filho que sofre porque se magoou é que podemos aprender a viver bem e a estar felizes mesmo quando nos dói alguma coisa. 

E quando nos tornamos capazes de ser o nosso próprio colo, quando nos tornamos capazes de voltar para dentro esse olhar de aceitação, de amor e de compaixão, deixamos de precisar de por nomes e rótulos ao nosso sofrimento e percebemos que podermos ser felizes, verdadeiramente felizes, mesmo com alguma dor de vez em quando. 

Curso - Mindfulness para Lidar com os Desafios  

É com o intuito de divulgar e partilhar os benefícios que pode ter uma prática regular de Mindfulness que vou começar, dia 1 de Novembro, mais um curso de Mindfulness para lidar com os Desafios, no Espaço Vida, em Lisboa. Pode saber mais aqui sobre este curso: Mindfulness para Lidar com os Desafios

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Video do Lançamento do livro Mindfulness Yoga


Deixo aqui o vídeo do lançamento do livro Mindfulness Yoga - Atenção Plena para lidar com os Desafios, em 27 de Setembro, na Galeria Abraço, em Lisboa. O livro foi apresentado pelo Prof. Mário Simões, psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa. 
Infelizmente havia uma obra num prédio em frente que, em alguns momentos, dificultou um pouco a gravação, por isso pedimos desculpa pela má qualidade do som, especialmente em algumas partes da gravação. 




terça-feira, 24 de junho de 2014

A Atenção Plena e as Onze Picadas de Melga

Já aqui falei algumas vezes da forma como o mindfulnes - ou atenção plena - provoca mudanças na nossa forma de nos relacionarmos com o mundo e com a nossa própria experiência. 
Acontece que, por vezes, essas mudanças acontecem de forma tão gradual e tão subtil que acabamos por nem nos dar conta de que aconteceram e só nos damos conta disto quando somos confrontados com algum acontecimento extremo e percebemos que estamos a reagir de um modo diferente daquele que nos era habitual. 
Há uns dias tive um exemplo deste tipo de mudanças e da forma como a meditação modifica o nosso relacionamento com a nossa própria experiência e, neste caso, não precisei de nenhum acontecimento muito extremo para o compreender. Não costumo ser muito incomodada pelas melgas ou mosquitos mas, recentemente - vá-se lá saber porquê - houve uma melga que, ou estava muito desesperada, ou desenvolveu alguma paixão assolapada por mim e resolveu fazer um banquete com as minhas pernas. Então, de repente, quando me dei conta já tinha onze picadas de melga, todas bem vermelhas e grandes e quase todas na zona da barriga da perna esquerda. Escusado será dizer que a comichão era mais que muita, até porque a única coisa que tinha para aplicar era uma pomada de calêndula que já estava fora de prazo e - provavelmente por causa disso - não me aliviou grande coisa. 
A única vez em que me lembrava de ter ficado neste estado foi quando estive na Índia, porque quando lá estive apanhei a altura das monções e - por mais repelente que esfregasse no corpo- a zona do pés e das pernas acabava sempre por ser lavada com a água e, por isso, estava constantemente a ser mordida nessas zonas. O facto de estar lá a fazer um curso de Yoga também não ajudou muito visto que passava uma boa parte do dia de olhos fechados e a tentar concentrar-me, logo, provavelmente era uma presa mais fácil para os ataques das melgas do que se estivesse atenta e a tentar enxotá-las.
Mas, o que me marcou neste episódio recente foi a grande diferença com que lidei com as picadas desta vez: nessa altura, há uns oito anos, coçava-me de forma incontrolável, até ao ponto de fazer ferida e, na verdade, quanto mais coçava mais incomodada ficava. Cheguei até a esfregar um creme preto nas pernas que me garantiram que era tiro e queda mas que, além de me deixar as pernas todas pretas e engorduradas de tal forma que nem com a água as conseguia lavar,  não teve grande efeito: a comichão continuava e as picadelas constantes também. Mais uma vez, o facto de estar a fazer o tal curso de yoga não ajudou muito, porque cada vez que tentava concentrar-me achava que tinha de eliminar a sensação de comichão da minha mente e ficava numa luta inglória em que as picadas até pareciam aumentar em número e em tamanho.

Mas, desta vez, simplesmente dei-me conta de que podia observar essas picadas com todo o incómodo que causavam, e o impulso de coçar praticamente nem chegou a surgir. Foi como se este impulso ainda estivesse presente, em alguma parte da minha cabeça, mas já não era suficientemente forte para o levar a cabo. E dei-me conta também de que isto não tinha nada a ver com força de vontade porque nestes casos, como em tantos outros, ela não é suficiente para inibir esse impulso. Dessa outra vez, por mais que pensasse que não queria coçar-me - porque ficar com as pernas todas em ferida também não era propriamente a melhor solução para o problema -  por mais que tentasse conter e lutar com esse impulso, ele acabava sempre por levar a melhor.

Desta vez  foi muito diferente porque simplesmente não houve luta, não houve resistência, foi como se houvesse uma parte de mim que tinha aprendido que esse coçar era apenas fruto da ignorância e que, mesmo parecendo capaz de provocar um alívio temporário, só acabaria por provocar ainda mais sofrimento. Mas esta aprendizagem não era nada de racional, não era algo que surgisse porque tinha pensado ou reflectido sobre o assunto. Das outras vezes em que me coçava também sabia perfeitamente, tão bem como hoje, que coçar-me até fazer feridas só ia piorar as coisas e não resolvia nada, até porque a cada dia apareciam mais mosquitos e mais picadas. Mas, desta vez era uma espécie de saber mais interno, mais profundo. Juntamente com essa nova consciência tomei também contacto com uma parte de mim que sentia mesmo relutância em embarcar nesse tipo de comportamento. Como se o impulso de me começar fosse logo derrotado à partida por essa parte que sabia que ele não levaria a nada a não ser a um novo sofrimento.

Desta vez houve alturas em que me dei conta de que ainda lutava com a comichão, quando o meu diálogo interno me dizia que já não podia aguentar mais e que ela tinha de desaparecer e, nessas alturas, quase sentia vontade de coçar e as sensações ficavam ainda mais fortes e difíceis de aguentar. Mas, a maior parte do tempo, percebi que podia simplesmente observar. E ela estava sempre presente, quando falava com as pessoas, quando escrevia no computador, quando andava na rua, etc, não desaparecia embora houvesse alturas em que, naturalmente, a minha atenção ficava tão absorvida por outras coisas que me esquecia que estava presente. Mas, sempre que não estava totalmente envolvida no que fazia, lá voltava a comichão, a diferença é que, quando eu não lutava com ela, voltava apenas em pano de fundo, não tomava totalmente conta de mim ou da minha atenção ou consciência. Voltava de uma forma que me permitia aceitá-la, lidar com ela sem entrar em lutas ou sem me deixar levar demasiado pelos meus comentários e julgamentos acerca dela.

Então com estas simples picadas de melga aprendi que o mindfulness ou a atenção plena mudou realmente a minha forma de me relacionar com a experiência e com aquilo que acontece. E, aprendi também que, tal como acontece com tantas outras coisas, as picadas de melga passam muito mais depressa quando não as coçamos ao ponto de fazer ferida.

Escolhi partilhar este episódio porque me pareceu um bom exemplo para a forma o mindfulness opera mudanças na nossa consciência. Neste caso foram apenas picadas de melga mas podiam ter sido muitas outras coisas. As picadas de melga aqui representam todos os incómodos, dores e desafios com que nos confrontamos nas nossas vidas. E, quando estamos no meio deles, muitas vezes, sabemos exactamente qual seria a opção correcta a tomar ou aquilo que não devemos fazer. Tal como eu sabia que não me deveria coçar. Mas, os nossos impulsos, os nossos condicionamentos, são mais fortes e acabam por levar a  melhor porque não conseguimos vencê-los com pensamentos racionais e com intelectualizações sobre aquilo que se está a passar. Com a prática de mindfulness podemos encontrar dentro de nós um outro espaço para observar a experiência e, a partir deste espaço seguro, encontramos muito mais possibilidades para lidarmos com tudo o que nos acontece. E, quando não temos outro remédio se não deixar passar, é também a partir deste espaço seguro que podemos observar e acolher cada instante da nossa experiência.

E a partir deste espaço seguro podemos perceber que, se partirmos de uma atitude de aceitação para com a nossa experiência em vez de entrarmos em luta com ela, podemos encontrar formas de responder à situação em vez de nos limitarmos a reagir. Neste caso quando me coçava estava apenas a reagir à comichão e, à custa de querer que ela desaparecesse rapidamente, só acabava por provocar mais sofrimento. Mas, quando somos capazes de observar e de aceitar as nossas experiências, acolhendo-as como parte integrante da nossa vida naquele momento, podemos deixar de lado as reacções e ganhamos espaço para sermos capazes de responder de forma liberta de condicionamentos e de impulsos que só trazem mais sofrimento.
Neste caso não havia assim tantas formas de responder a esta situação. Poderia ter comprado qualquer coisa na farmácia para aplicar mas escolhi não o fazer porque não gosto de recorrer a medicamentos que não sejam mesmo necessários. Também poderia ter comprado mais pomada de calêndula mas não havia nenhum sítio perto de mim que a vendesse e, por isso, também escolhi não o fazer. O mindfulness e o facto de não estarmos tão presos aos impulsos também nos permite ser mais criativos e encontrar soluções que não seriam exactamente as esperadas. Então, neste caso, descobri que usando um pouco de óleo de coco a comichão ficava um bocado mais discreta. Mas o importante é que, o facto de ser capaz de observar esta parte da minha experiência me permitiu ter consciência destas possibilidades todas e saber que tinha toda a liberdade de escolher o que me parecesse mais adequado para lidar com ela. E, desta vez, o que me pareceu mais adequado, para além de ir usando o óleo de coco, foi mesmo pegar neste incómodo e encará-lo como um bom treino de mindfulness e uma boa experiência de aprendizagem sobre os seus efeitos. 

segunda-feira, 17 de março de 2014

Yoga como Terapia para a Ansiedade


             O Yoga pode ser uma excelente forma de combater a ansiedade, uma perturbação cada vez mais comuns nos nossos dias. No entanto, as aulas de grupo, podem nem sempre ser as mais indicadas para o fazer. 

Ansiedade e aulas de Yoga


            Muitas pessoas que procuram o yoga para lidar com a ansiedade, quando tentam praticar em grupo, sentem que ficam ainda mais ansiosas. Isto pode acontecer por vários motivos: por um lado porque a pessoa ansiosa tem tendência para ficar demasiado presa aos seus pensamentos, receios e julgamentos o que significa que poderá ter alguma dificuldade em relaxar na aula e deixar-se levar, por ficar com medo do julgamento dos outros. O facto das aulas, muitas vezes, se fazerem com os olhos fechados também pode ser difícil porque, por um lado, para estar de olhos fechados é preciso confiar – coisa que não é muito natural para uma pessoa ansiosa – por outro, ao mantê-los abertos, vendo todos os outros de olhos fechados, a pessoa sente logo que está a falhar mesmo numa coisa que parece ser tão simples. A maior parte das pessoas ansiosas também tem tendência para olhar à volta e imaginar que todos os outros estão perfeitamente relaxados e que parecem capazes de fazer imensas coisas que a pessoa não é capaz de fazer e sentem-se deslocadas e incapazes de descontrair, imaginando que todos estão a reparar que ela está ali como um peixe fora de água. Se as aulas incluirem posições difíceis ou exigentes e a pessoa estiver pouco preparada para isso ainda mais difícil será sentir que todos são capazes de fazer coisas que ela não consegue e que não deveria estar ali. Se o professor não fizer questão de salientar que no yoga não há metas, nem objectivos a atingir e que o corpo é apenas uma ferramenta para chegarmos a outras partes de nós, então é muito provável que a pessoa ansiosa aborde a prática da mesma forma que costuma abordar tudo o resto na sua vida: como uma ferramenta para chegar a um determinado objectivo, neste caso o de se livrar da ansiedade. E rapidamente começa a sentir que está a falhar nesse objectivo – ao contrário de todos os outros que lhe parecem irritantemente concentrados e relaxados ao mesmo tempo que passam com toda a delicadeza, flexibilidade e destreza de uma posição para a outra. E se o professor não está atento a esta tendência que as pessoas ansiosas tipicamente têm para atingir objectivos e para, pelo caminho, irem fazendo comparações e julgamentos, e procura incentivar os alunos a conseguirem a posição “perfeita” ou a chegarem um pouco mais longe, ou a relaxarem enquanto põem os pés atrás da cabeça ou se viram de pernas para o ar, é uma receita mais que certa para que uma pessoa ansiosa comece a sentir-se ainda mais agitada.
            Por outro lado, muitas vezes nestes quadros, também surge aquilo que se chama ansiedade provocada pelo relaxamento. Isto acontece quando a pessoa tenta relaxar e acaba por ficar ainda mais ansiosa e é relativamente frequente em casos de pessoas que vivem debaixo de um stress crónico e que procuram o yoga ou a meditação para relaxar. Se o professor não estiver consciente desta tendência comum é muito natural que a desvalorize ou que diga à pessoa que ela irá passar ou que simplesmente tem de se esforçar mais para a próxima. Mas, na verdade, nestes casos, o mais comum é a pessoa fugir o mais depressa possível da aula sem dizer nada ao professor e nunca mais voltar. Porque nestes casos a pessoa sente que falhou ou que simplesmente aquela prática não é para si. E quando se pensava que poderia estar ali a solução para um problema que incomoda tanto e há tantos anos isto pode ser tão frustrante que a pessoa nem quer falar disso. Ou porque ficou tão assustada que também não lhe apetece falar sobre o assunto, principalmente quando nem conhece o professor. Nestes casos este aumento da intensidade da ansiedade que pode acontecer quando a pessoa começa a tentar relaxar também pode ter várias causas: por um lado pode ser simplesmente o facto da pessoa voltar toda a atenção para si que a faz tomar consciência de algo que sempre esteve presente mas que do qual não se dava conta. Por outro lado pode haver realmente um aumento da ansiedade provocado pelo facto da pessoa estar a tentar relaxar. Relaxar significa baixarmos as nossas defesas e, porque a ansiedade é uma protecção, é como se estivéssemos a viver permamentemente num sistema de alerta e, quando tentamos relaxar, o sistema dispara dizendo-nos que não é seguro fazê-lo. Além disso, o relaxamento é um estado totalmente novo para quem vive constantemente em tensão e, quando a pessoa, de repente, se sente a relaxar um pouco pode surgir também uma sensação de que se está a perder o controlo, algo que uma pessoa ansiosa procura evitar a todo o custo.
Este aumento da ansiedade também pode vir da luta interna que gerámos ao tentar impor o relaxamento: quando tentamos controlar um processo que não é controlável, um processo que podemos apenas permitir que aconteça, gera-se uma tensão tremenda por não nos sentirmos capazes de impor a nossa vontade e de atingir o tão esperado objectivo – o relaxamento profundo. O facto deste processo ser algo que não é possível controlar de um ponto de vista racional também pode ser algo que assusta: assim que a pessoa começa a sentir-se relaxar mais um pouco, é como se o seu lado racional sentisse que está a perder o controlo (e, de certo modo, está) e isto pode ser também bastante assustador. 

Ansiedade e Yoga Terapia 


           Se o professor não for capaz de enquadrar estas vivências da pessoa e de lhes dar algum significado é muito provável que a pessoa sinta que praticar yoga não é algo que esteja ao seu alcance ou que seja benéfico para si e que simplesmente desista da prática. 
        Então, numa sessão de yoga como terapia, feita como um profissional que possua algum conhecimento destes mecanismo há muito mais espaço para integrar e gerir tudo isto. Primeiro, porque as sessões são sempre individuais, a prática pode ser muito mais adaptada às capacidades da pessoa e também desaparece aquela sensação de que todos conseguem fazer tudo melhor do que nós. Depois, nestes casos, torna-se muito importante haver também um espaço para falar das sensações, para as clarificar, para que deixem de se tornar algo tão assustador que só queremos fugir delas e numa sessão individual, em que se construiu já algum tipo de aproximação com o professor, é muito mais fácil fazê-lo. O facto de não haver mais alunos também significa que a pessoa sente que pode interromper a prática a qualquer momento sem incomodar ninguém, se as sensações se tornarem demasiado intensas. E isto, só por si, também pode ser um importante contributo para uma maior sensação de segurança e conforto.
       Nestas sessões é importante também que a pessoa tenha um espaço para perceber como tudo funciona, para perceber que é contra-producente lutar contra os seus próprios sentimentos ou para tentar fugir deles. É importante que a pessoa tenha espaço também para ir experimentando abdicar desse controlo constante em que julga que precisa de viver para que, aos poucos, se permita ir relaxando sem medos. Para isto é muito importante que a pessoa aprenda a confiar no terapeuta que dirige a prática e que este tenha  conhecimento dos mecanismos da ansiedade para que possa ajudar a dar algum significado às vivências do praticante. 
            Outro aspecto que difere das aulas de grupo é o facto de, num trabalho que usa o yoga como terapia, ser fundamental que a pessoa aprenda a desenvolver uma rotina de prática em casa, para que os efeitos se façam sentir, e que aprenda também a aplicar os conhecimentos e as vivências que vai obtendo com a prática no seu dia-a-dia. O papel do yoga terapeuta aqui é o de facilitar a integração dessas vivências na rotina diária da pessoa e de a orientar na forma como pode estender essa aprendizagem às várias experiências que vai vivendo.
            No caso de pessoas que sofrem com a ansiedade também pode ser muito útil conjugar a prática com algum tipo de aconselhamento psicológico que ajude a pessoa a lidar melhor com a sua ansiedade. Se estas sessões de yoga como terapia forem conduzidas por um psicólogo, como acontece no Espaço Vida, então as duas coisas poderão ser facilmente integradas. 

            Aceitar a Ansiedade 

          Ao procurar o yoga como terapia para a ansiedade é essencial que a pessoa saiba que se torna a responsável pelo seu próprio processo de cura mas que, ao mesmo tempo, essa cura não passa por lutar com a sua condição. O primeiro passo fundamental que precisamos de dar para nos libertarmos da ansiedade é a aceitação dessa mesma ansiedade. Isto pode parecer paradoxal mas a verdade é que a única forma de nos libertarmos de vez de uma ansiedade crónica começa com a aceitação da mesma. Porque aceitar essa ansiedade significa que nos estamos a aceitar a nós mesmos e, sem essa aceitação profunda e verdadeira, nada mais pode ser realmente eficaz. A ansiedade existe muito provavelmente porque não encontrámos essa aceitação incondicional – pelo menos não tanto como precisávamos - nos primeiros anos das nossas vidas, numa altura em que esta era essencial para crescermos com a segurança e a tranquilidade de saber quem somos. As crianças criam uma imagem de si de acordo com o que vêem nos olhos dos seus pais e um adulto ansioso é alguém que não teve um bom espelho enquanto era criança. As pessoas mais ansiosas mais do que aprenderem a ver-se a si mesmas nos olhos dos seus pais, é provável que tenham aprendido antes a ver aquilo que precisavam de atingir, o que deveriam fazer, o objectivos que precisavam de cumprir. Por outro lado, uma pessoa ansiosa é também uma pessoa que sente que precisa de se proteger o tempo todo, porque algo de mau pode vir a acontecer, então isto significa que faltou também um sentimento de verdadeira protecção na infância provavelmente porque os pais não estiveram tão presentes quanto a criança precisava, não por falta de amor, mas porque provavelmente também eles sofriam de alguma ansiedade, preocupações ou tristezas e era isto que a criança via reflectido nos seus olhos, em vez de se ver a si mesma. As crianças quando nascem, e durante os primeiros anos de vida, precisam de uma aceitação incondicional e de uma presença quase total por parte dos pais e, se não as encontram, é muito provável que cresçam com um certo sentimento de insegurança e de que há algumas partes de si que não são dignas de amor. E isto acaba por levar a um estado de ansiedade mais ou menos constante.
           
Então, no yoga como terapia, a pessoa pode encontrar um caminho de auto-aceitação, começando por aprender a aceitar a sua ansiedade. Para isso é também fundamental que o terapeuta espelhe essa mesma aceitação, que seja capaz de acolher a pessoa com todas as suas experiências, com todas as sua vivências mostrando-lhe assim esse olhar de amor e de aceitação incondicional que ela precisa depois de aprender a dirigir a si própria. Porque tudo começa aqui: com a capacidade de nos aceitarmos, de acolhermos as nossas experiências e de dentro de nós esse espaço de aceitação, de amor e de acolhimento que tantas vezes faltou nas nossas vidas. E uma das formas de aprendermos a criar esse espaço de aceitação é justamente através da prática de yoga e de meditação mas também da ajuda de uma outra pessoa, nesta caso o terapeuta, que nos dê esse espelho de que precisamos: de que somos pessoas dignas e merecedoras de amor mesmo com as nossas ansiedades e tristezas.

Laura Sanches

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Seitas no Mundo do Yoga - Palestra no Lisbon Yoga Festival

Estes são os vídeos da palestra apresentada em Fevereiro, no Lisbon Yoga Festival, sobre Seitas no Mundo do Yoga. Um reflexão sobre o que nos leva a entrar neste tipo de escola, sobre as suas principais características e os prejuízos que podem causar.

Primeira parte da Palestra

Segunda parte da Palestra

E aqui fica também um link para os slides que foram sendo apresentados ao longo da palestra e que não foi possível enquadrar bem na filmagem.

Slides da Palestra


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Abraçar os nossos Limites

Nas minhas aulas de Yoga digo muitas vezes aos alunos para estarem atentos aos sinais do seu corpo e respeitarem os seus limites e, há dias, tomei consciência de que esta referência aos limites é, quase sempre, encarada de uma forma negativa na maior parte dos contextos. Não gostamos muito que nos lembrem que temos limites e, muitas vezes nas aulas de Yoga, é incentivada a ideia de que podemos sempre ultrapassar os nossos limites levando o corpo a fazer coisas que nunca imaginámos serem possíveis. É verdade que à medida que vamos praticando com regularidade vamos ficando mais em forma e - partindo do princípio que temos uma prática equilibrada - vamos ganhando mais flexibilidade e força que nos permitem ir mais longe do que quando começámos. Mas também é verdade que, por muito que fiquemos em forma, existem sempre limites que nunca poderemos ultrapassar. Paul Grilley chama a atenção para o facto de existirem no nosso corpo os chamados pontos de compressão que nos impedem de fazer certas posições por mais que nos esforçemos. Estes pontos de compressão são diferentes para todas as pessoas, para ter uma ideia do que estes implicam, pode experimentar pôr-se na posição de cocóras com os pés unidos e verificar se consegue colocar toda a planta do pé no chão ou apenas a parte da frente. São justamente os pontos de compressão - da articulação do tornozelo, neste caso – que permitem ou impedem o pé de ficar totalmente em contacto com o chão. Nesta posição o facto de sermos capazes de colocar a planta do pé totalmente no chão, não depende tanto da flexibilidade como dos tais pontos de compressão que são zonas onde os ossos da articulação se tocam impedindo que haja uma maior amplitude de
movimentos. Isto quer dizer que até podemos melhorar um pouco a flexibilidade dos músculos envolvidos na posição, mas nunca passaremos dos limites que nos são permitidos pelos nossos pontos de compressão. No ballet, por exemplo, quando as crianças começam a dançar os professores, ao fim de pouco tempo, são capazes de distinguir aquelas que podem continuar e investir num percurso profissional daquelas que têm um tipo de corpo que nunca lhes permitirá ser bailarinos profissionais. Uma criança que faça ballet a sério há algum tempo e que não consiga fazer a espargata, por exemplo, é posta de parte porque se sabe que, por muito que trabalhe, nunca virá a ser capaz de a fazer.
Para além destes pontos de compressão, existem outros limites naturais para o nosso corpo em função do tipo de vida que levamos, da idade, da saúde, do género, etc.
Então porque é que temos tanta dificuldade em aceitar que o nosso corpo tem limites? E porque é que estes têm tendência para ser vistos como algo de negativo?

Na nossa vida diária estamos muito habituados a funcionar com objectivos e, muitas vezes temos tendência para aplicar este modo de funcionar também à nossa prática. Porque vimos imagens de pessoas em revistas ou na internet a fazer coisas díficeis com o corpo e que nos parecem bonitas e porque muitas vezes, nas próprias aulas de Yoga, é veiculada a ideia de que precisamos de ser bastante flexíveis e de por as pernas atrás da cabeça para sermos saudáveis, acabamos por querer forçar-nos a atingir essas metas. Mas uma prática de Yoga saudável e equilibrada não depende de sermos capazes de por as pernas atrás da cabeça, de fazermos o pino ou a espargata. Na verdade, muitas destas posições que são divulgadas não têm grandes benefícios e podem ser mesmo prejudiciais levando ao aparecimento de lesões e de problemas musculares ou articulares. O excesso de flexibilidade, se não houver um tónus muscular adequado pode contribuir para que apareçam mais facilmente lesões e desiquilíbrios nas articulações que ficam como que desprotegidas.             Quando fazemos Yoga, mais do que a preocupação com a estética, que tantas vezes está presente, devemos preocupar-nos com a construção de um corpo verdadeiramente saudável e esta saúde não passa por posições de contorcionismo daquelas que ficam bonitas nas capas de revista mas que não trazem nenhum benefício verdadeiro para o corpo. Os exercícios mais simples muitas vezes são os mais eficazes para restaurar a saúde e o equilíbrio no nosso corpo.
E, do ponto de vista da saúde psicológica, é importante também sermos capazes de aprender a deixar de lado as metas, os objectivos que estamos tão habituados a impor a nós mesmos no dia-a-dia. É importante sermos capazes de deixar fora da sala a atitude de ginásio, de quem quer ir sempre mais longe, de quem quer fazer melhor porque, se procuramos o Yoga como uma prática que nos ajude a crescer, a ser mais felizes e a relaxar verdadeiramente então é fundamental que a usemos para aprender a aceitar: a aceitar o nosso corpo tal como ele é, não como gostaríamos que fosse. Aceitar os nossos limites e abraçá-los como algo de precioso que nos pode ensinar a estar presentes de outro modo, que nos pode ensinar a conhecermo-nos de forma mais profunda e completa. E abraçar os nossos limites como uma parte integrante de quem somos e de onde estamos, agradecendo-lhes por essa informação preciosa que nos dão se estivermos dispostos a ouvi-la. Só através dessa aceitação é que um dia poderemos verdadeiramente transcender os nossos limites, não de um ponto de vista físico (porque o nosso corpo estará para sempre sujeito às leis da física) mas de um ponto de vista mental ou espiritual que é o que verdadeiramente conta.

Laura Sanches