quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Mindfulness e Ansiedade - Viver com Atenção Plena as nossas dores


Há muito tempo que a meditação tem sido reconhecida pela ciência como uma prática com um efeito importante e eficaz para baixar e  controlar os níveis de ansiedade e para contrabalançar os efeitos negativos do stress nas nossas vidas. Existem vários tipos de práticas de meditação diferentes, em várias tradições diferentes pelo mundo fora mas, desde há algum tempo que as investigações científicas se têm concentrado principalmente num tipo específico de meditação, a meditação do tipo Mindfulness, ou meditação da Atenção Plena, em português.
Mindfulness é uma palavra que define uma prática, um treino específico da atenção mas que, ao mesmo tempo, designa também um estado particular de atenção. O estado de mindfulness, tal como o define Kabat-Zinn – um médico e investigador dos E.U.A - implica prestar atenção, de propósito, ao momento presente. Este médico foi um dos grandes responsáveis pela introdução desta prática e pelo reconhecimento dos seus benefícios num contexto mais terapêutico. Nos anos 70 Kabat-Zinn fundou, no hospital onde trabalhava, um curso baseado no mindfulness onde se pretendia ajudar os doentes desse hospital a lidar melhor com todas as condições de saúde que podiam ser agravadas pelo stress, ou que podiam provocar altos níveis de ansiedade (como algumas doenças crónicas ou mesmo terminais). Desde então, o trabalho de Kabat-Zinn deu já origem a uma imensidão de investigações sobre os benefícios desta prática e ao um grande número de correntes terapêuticas que procuram aplicá-la a patologias específicas, como a ansiedade, a depressão, a perturbação borderline da personalidade e até a casos de psicose.

Esta prática tem as suas raízes na tradição budista e um dos primeiros responsáveis pela introdução do termo no ocidente foi Tich Nhat Hanh, um monge vietnamita, de quem Kabat-Zinn foi aluno. Na tradição budista esta é uma prática considerada essencial para a libertação do sofrimento que, na verdade, é a meta de todas as tradições espirituais. 
A psicologia budista ensina-nos que podemos distinguir a dor do sofrimento: a dor é o evento primário, é o algo que acontece, que faz parte da vida e que é inevitável: enquanto tivermos um corpo podemos sempre magoar-nos, ficar doentes, envelhecer, etc; o sofrimento é uma camada extra que acrescentamos às nossas dores e que pode ser evitado se aprendermos como fazê-lo. Para percebermos melhor isto pensemos no seguinte exemplo: estamos na nossa cama e acordamos a meio da noite com vontade de ir à casa de banho, saimos da cama, ainda ensonados, e seguimos pela casa fora em direccção à dita cuja. A meio do caminho batemos com o dedo do pé na esquina de uma mesa e sentimos aquela dor forte que não podemos evitar porque o dedo ficou mesmo magoado. Este é o evento primário, a tal dor que já está presente, que existe e que não pode ser evitada. A seguir o que acontece, de forma automática, é que gera a tal segunda camada, a camada de sofrimento, que pode ser voltada para dentro quando pensamos “porque raio é que não acendi a luz?! Porque é que não calcei o raio das chinelas?!” ou pode ser voltada para fora quando começamos a culpar os outros pelo que aconteceu com pensamentos do género “Quem é que tirou esta mesa do sítio?! Porque é que o meu marido tinha de comprar esta mesa que eu nunca quis aqui e está-se mesmo a ver que só estorva?!” Quando surgem este tipo de pensamentos o que estamos a fazer é a alimentar o nosso sofrimento à volta daquela dor e a torná-la ainda mais intensa. Estes pensamos criam uma tensão à volta daquela dor porque estamos a tentar evitá-la, são pensamos que reforçam uma atitude que nos diz que não gostamos daquela sensação e que queremos evitá-la, eliminá-la o mais depressa possível. Acontece que a dor é um sinal natural do nosso corpo que tem um propósito importante. A dor serve para nos avisar de que qualquer coisa está a acontecer no nosso corpo e precisamos de lhe dar atenção. Neste caso sabemos o que aconteceu, batemos com o dedo na perna da mesa, mas mesmo assim este mecanismo tem um propósito importante: se o dedo estiver partido, por exemplo, a dor torna-se ainda mais intensa para nos impedir de andar, protegendo-nos de um dano ainda maior que poderia acontecer se a ignorássemos e fizéssemos algum tipo de esforço. Então, como estamos a tentar ignorar aquela mensagem do corpo, ele não em outro remédio se não tentar torná-la ainda mais intensa. Por outro lado, este tipo de pensamentos também criam alguma tensão. Se tomarmos consciência da forma como os proferimos, mesmo em silêncio, podemos facilmente verificar que há uma tendência para contrair os maximlares, os ombros, para cerrar os punhos, sinais de tensão corporal. E, essa tensão, por sua vez, também acaba por contribuir ainda mais para o mal-estar que a dor inicial já provocou.
Com o mindfulness aprendemos que podemos observar simplesmente aquela dor, podemos deixar que esteja presente naquele instante, podemos aceitá-la como uma parte integrante da nossa experiência no momento presente. Com o mindfulness percebemos que é natural que esses pensamentos automáticos surjam mas que não precisamos de os alimentar e percebemos que, quando deixamos de lutar com as nossas dores, eliminamos o sofrimento que estamos habituados a criar à volta delas.
Por isso existem muitos estudos que mostram que o Mindfulness é muito eficaz para lidar com os casos de dor crónica, com investigações que demonstram que esta prática pode baixar os níveis de dor ao mesmo tempo que também ensina uma melhor forma de lidar com a dor que ainda resta.
Isto também é válido para as dores da mente, as dores mais emocionais que, na verdade, de um ponto de vista psicofisiológico são tão reais como as físicas. Os nossos pensamentos e as nossas emoções, ou a forma como lidamos com estes, por vezes também nos causam um sofrimento tão intenso como as pancadas ou as quedas que vamos dando pela vida. O sofrimento psicológico vem, quase sempre, dos pensamentos ou emoções que tentamos evitar. Ao longo da nossa vida vamos aprendendo que há certas emoções que são avaliadas, por nós, como sendo desagradáveis ou insuportáveis e vamos acreditando que a única forma de lidar com elas passar por tentarmos eliminá-las ou ignorá-las o mais possível. Mas, na verdade esta luta, além de provocar ainda mais tensão, sofrimento e um enorme desgaste, só acaba por fortalecer ainda mais estes pensamentos e estas emoções. 
Para comprovar isto pode experimentar fazer o seguinte exercício: páre de ler este artigo e, durante os próximos três minutos, tente não pensar num urso branco, pode usar as estratégias que quiser, a única tarefa dos próximos três minutos é não pensar num urso branco.
Wegner era um psicólogo de Harvard que, nos anos 80, usava este exercício para tentar perceber a capacidade que as pessoas tinham de sumprimir pensamentos.
Este investigador fazia experiências em que o tempo era dividido em duas metades e criou dois grupos diferentes em que os procedimentos na primeira metade da experiência eram diferentes: a um dos grupos era pedido que não pensassem num grupo branco e ao outro grupo pedia-se justamente o oposto, que pensassem num grupo branco durante 5 minutos. Durante esse tempo pedia-se às pessoas dos dois grupos que fossem verbalizando os seus pensamentos e que tocassem uma campainha sempre que surgisse um pensamento do urso. Na segunda parte da experiência era pedido aos participantes dos dois grupos que pensassem num urso branco e continuassem a tocar a campainha sempre que o fizessem. O que se verificou foi que as pessoas do primeiro grupo, a quem era pedido que suprimissem os pensamentos acerca do urso branco eram sempre aquelas que, na segunda parte, tocavam mais vezes a campainha. Jonathan Haidt explica que podemos dividir os nossos pensamentos em pensamentos automáticos e pensamentos controlados. Quando estamos aprender a tocar um instrumento, por exemplo, ou a conduzir, precisamos de usar os pensamentos controlados que vão guiando as nossas acções e que, de tempos a tempos, precisam de confirmar se estão a fazer o que é certo. Ou seja, quando estamos a aprender uma determinada tarefa sabemos qual é o desempenho a que queremos chegar e, por isso, com alguma regularidade os nossos processos de pensamento vão comparando o nosso desempenho com esse ideal para fazer os ajustes que forem necessários. Quando já dominamos essa tarefa a comparação deixa de ser necessária e por isso esta pode passar a ser orientada pelos processos de pensamento automáticos que já não nos exigem estar tão atentos ao que estamos a fazer. Então, Haidt (2007) explica que, o que se passa quando estamos a tentar suprimir um pensamento é que estamos a estabelecer um objectivo, logo precisamos de usar os pensamentos controlados para saber se estamos ou não a aproximar-nos desse objectivo.
Neste caso, como sempre que se persegue um objectivo, uma parte da mente automaticamente vai monitorizando o nosso progresso para sabermos se já o atingimos ou se nos estamos a aproximar desse objectivo. Diz Haidt que, se esse objectivo for uma acção no mundo exterior, como aprender um instrumento, por exemplo, isto funciona bem. Mas, o acto de monitorizarmos a ausência de um pensamento introduz esse mesmo pensamento: temos que nos perguntar “já não estou a pensar num urso branco?” com alguma regularidade, para saber se de facto não estamos a pensar num urso branco. Então temos que introduzir regularmente este pensamento na tentativa de o afastarmos. Jonathan Haidt (2007) explica ainda que os processos de pensamento controlados são mais cansativos que os processos de pensamento automáticos. Quando estamos a aprender um instrumento, na fase inicial, ficamos muito mais cansados do que quando já temos algum domínio sobre este, o mesmo se passa quando estamos a aprender a conduzir, por exemplo: esta monitorização constante que faz parte do próprio processo de aprendizagem acaba por se tornar cansativa. Mas, acontece que os processos automáticos são praticamente inesgotáveis então, rapidamente, quando estamos a tentar suprimir um pensamento estes acabam por tomar conta e é como se desatassem de repente a produzir milhares de ursos brancos. Segundo este autor e de acordo com os estudos de Wegner é assim que se geram as obsessões. Os nossos processos automáticos de pensamento geram milhares de pensamentos todos os dias, Haidt defende que aqueles pensamentos de que não nos conseguimos livrar são justamente aqueles que mais tentamos eliminar: quando lutamos com um determinado pensamento, na verdade, acabamos apenas por torná-lo mais forte e cada vez mais presente na nossa mente.
Wegner explica que suprimir pensamentos implica um estado de saber e de não saber ao mesmo tempo, justamente, porque temos que pensar constantemente naquilo em que estamos a tentar não pensar.
            Esta é base para todas as perturbações da ansiedade e também para a as ruminações características da depressão e é este mecanismo que o mindfulness nos pode ensinar a evitar eliminando todo o sofrimento que lhe está associado. Na verdade a nossa capacidade de suprimir pensamos pode funcionar em situações sem tensão com pensamentos que não sejam importantes, por exemplo, se estou descontraída no cinema a ver um filme e me passa pela cabeça que não sei o que hei-de fazer para o almoço do dia seguinte, posso facilmente afastar esse pensamento porque não implica nada de muito importante. Mas se estou presa no trânsito, atrasada para chegar a casa, onde ainda vou ter que cozinhar um jantar importante para alguém do trabalho, por exemplo, com quem faço muitas cerimónias e ainda nem sei bem o que hei-de cozinhar, será bem mais dificil tentar não pensar no assunto.
E, tal como a dor do nosso corpo quando este se magoa tem um papel importante e precioso que não deve ser ignorado, as dores emocionais também nos trazem informações importantes que não devemos descuidar. A ansiedade tem um valor adaptativo porque nos ajuda a prever o que pode correr mal e nos ajudar a estar mais preparados. A zanga tem também um valor importante porque nos mostra que alguma necessidade nossa não foi satisfeita ou respeitada. A tristeza também é importante porque nos diz que ocorreu uma perda, que estamos vulneráveis. Se não aprendermos a escutar estas mensagens o nosso corpo acabará por ser obrigado a dar-nos outras mais fortes que, muitas vezes surgem na forma de doenças que podem ser mais ou menos graves. 
            Com o mindfulness aprendemos a ser mais capazes de respeitar as informações preciosas e importantes que essas dores nos podem trazer. E aprendemos também que não precisamos de entrar em luta com os nossos pensamentos ou com as nossas emoções, aprendemos que podemos simplesmente aceitá-los e deixar que estejam presentes sem termos que nos deixar levar pelo diálogo da nossa mente que nos diz que são pensamentos ou emoçõe perigosas ou negativas e que não deviam estar presentes. Assim, percebemos que não precisamos de criar uma nova camada de sofrimento à volta de cada um das nossas dores e isto deixa-nos muito mais livres para encontrarmos formas mais criativas de lidar com a dor ou, quando não há mesmo nada a fazer, para simplesmente deixarmos que passem, no seu tempo, sem nenhum sofrimento extra adicionado.
O mindfulness, ao ajudar-nos a aceitar as nossas emoções e pensamentos ensina-nos também algo ainda mais importante: aceitarmos-nos a nós mesmos. Com o treino de mindfulness percebemos que não precisamos de passar a vida a lutar com os pensamentos, com as emoções e com quem somos, percebemos que as nossas emoções e os nossos pensamentos estão certos tal como estão. E, com esta base de aceitação que podemos ganhar coragem para mudar realmente aquilo que precisa de ser mudado na nossa vida. É com esta aceitação que percebemos que temos o direito de ser quem somos mas que também temos o direito de mudar e de encontrar formas mais criativas de viver a nossa vida sem termos que nos tornar escravos da ansiedade, dos medos, da tristeza ou das preocupações. O mindfulness dá-nos a liberdade de sabermos que, sejam quais forem as circunstâncias da nossa vida, somos livres para responder mais do que simplesmente reagir ao que acontece. 

Laura Sanches

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Fazer Asana escutando o Corpo

O mindfulness é um treino da atenção que nos ensina a observar sem julgar. Este treino permite-nos por de parte os comentários, avaliações, julgamentos e análises que a nossa mente faz constantemente e observar a realidade e a nossa experiência tal como elas são. Isto permite-nos entrar muito mais em contacto com o nosso corpo e com as nossas sensações o que, por sua vez, nos permite estar muito mais conscientes das mensagens que este transmite. Acontece que, no nosso percurso de crescimento muitas vezes aprendemos a desligar-nos do corpo. Quando educamos as crianças, muitas vezes, acabamos por lhes transmitir que há determinadas emoções que não são aceitáveis e isso faz com a que a criança passe a negar determinadas partes de si. As emoções sentem-se no corpo, por isso, a única forma da criança deixar de sentir determinadas emoções será passando a ignorar as sensações que estas despertam no corpo.

Outras vezes também acontece que, enquanto crianças, passamos por situações que podem ser demasiado difíceis de assimilar e, por isso, a única forma de lidar com elas será tentando ignorar, de algum modo, as sensações que estas despertam em nós. Deste modo, com o passar dos anos, vamos crescendo e aprendendo a desligar-nos um pouco do corpo. A educação dos nossos dias ajuda ainda mais a efectivar esse desligar na medida em que todas as capacidades intelectuais são muito mais valorizadas, estimuladas e reconhecidas do que a capacidade de estar em contacto com as próprias emoções ou com o próprio corpo.
Com o passar dos anos este desligar cria uma sensação de insatisfação, uma espécie de vazio que não sabemos muito bem como preecher. Porque afastamento do corpo, ao afastar-nos das emoções negativas, também nos impede de saborear verdadeiramente as positivas e então vamos passando pela vida sem saber muito bem como apreciá-la em pleno. A incapacidade de nos ligarmos ao corpo e às emoções também nos impede de fazer verdadeiras escolhas porque para escolher precisamos de escutar as emoções. As escolhas mais importantes são sempre feitas com base nas emoções. Na verdade há estudos que mostram que, em todas as nossas escolhas – mesmo aquelas que pensamos serem mais racionais – são feitas pelas emoções, o racional aparece depois para justificar uma escolha que já foi feita. Estes estudos usam imagens que são projectadas de uma forma tão rápida que a pessoa não tem tempo de, conscientemente, as assimilar. O que se verifica é que, mesmo que a pessoa não chegue a ter tempo de assimilar essas imagens conscientemente, elas continuam a influenciar as decisões que a pessoa toma a seguir. Jonathan Haidt, psicólogo americano e investigador no campo da psicologia moral, explica que as emoções aparecem sempre primeiro e estão por trás de todas as nossas escolhas o que fazemos é, depois, arranjar argumentos racionais que ajudem a explicar essas escolhas.
Por outro lado, também acontece que, as pessoas que têm mais dificuldade em estar em contacto com as suas emoções acabam por ter também muita dificuldade em fazer escolhas, por vezes, até das coisas mais simples. 
Gabor Maté, um médico canadiaano, no seu livro “When the body says No” desenvolve a tese de que este desligar do corpo e das emoções, quando é muito acentuado, acaba por fazer com que se desenvolvam doenças que podem chegar a ser mesmo graves, como o cancro, por exemplo. O que este autor diz é que o corpo fala constantemente connosco, por meio das sensações que transmite, e quando não escutamos as suas mensagens ele precisa de enviar algumas que sejam mais fortes e então surge a doença. Se passámos muito tempo a ignorar as mensagens do nosso corpo é mais provável que essas mensagens se tornem mais urgentes daí que as doenças que acabamos por desenvolver são formas do corpo se fazer escutar e de nos obrigar a parar. Na verdade, as pessoas que conseguem ultrapassar com mais sucesso essas doenças, são justamente aquelas que param mesmo para pensar na vida e que ganham coragem para fazer as mudanças necessárias quando são confrontadas com o seu diagnóstico. Aquelas que querem continuar como se nada fosse e preferem continuar a pensar que está tudo bem – e que, muitas vezes são encaradas como as que estão a lidar melhor com a doença -  mostram as estatísticas que são justamente aquelas que têm mais recaídas e menores probabilidades de sobrevivência. Justamente porque se recusam a ouvir o corpo e as suas mensagens.
Então, podemos usar a nossa prática de mindfulness yoga para aprender a ouvir mais o nosso corpo, para estarmos mais receptivos e em sintonia com as mensagens que ele nos transmite. Uma das ferramentas que podemos usar para o fazer é a nossa prática de asana. Quando fazemos asana (as posturas do yoga), especialmente aqueles que são mais difíceis para nós, o corpo dá-nos uma série de mensagens: podemos sentir os músculos a alongar ou a serem fortalecidos, podemos tomar consciência dos músculos que não estão a ser usados e que podem permanecer totalmente relaxados, podemos aperceber-nos das tensões desnecessárias que estamos a criar, etc. Mas acontece que, no meio destas mensagens do corpo, surgem também os pensamentos, as avaliações e os julgamentos: a nossa mente começa a tecer vários comentários e julgamentos sobre aquelas sensações dizendo-nos que não somos capazes de as aguentar, ou que algo de mau vai acontecer se insistirmos, ou que não temos força suficiente, ou que não somos flexíveis, ou que aquilo é muito difícil para nós,etc. E, a maioria das vezes, são estas mensagens que nos levam a desfazer um asana, mais do que uma verdadeira necessidade do nosso corpo. Então, é um exercício importante de auto-conhecimento aprendermos a ser capazes de distinguir as mensagens da nossa cabeça, os comentários constantes, das verdadeiras mensagens do nosso corpo. Quando fazemos um asana podemos ter a intenção de escutar verdadeiramente o corpo e só sair desse asana quando for o corpo a dizer-nos que já obteve tudo o que precisa de obter daquele exercício.
Se conseguirmos fazê-lo, o que nem sempre é fácil, damos mais um passo para criar uma verdadeira intimidade e aceitação com o corpo e connosco mesmos.
Outras vezes também pode acontecer o contrário: o corpo está cansado da posição, mas a cabeça diz que é preciso aguentar porque temos que nos esforçar, porque queremos melhorar ou porque ainda ninguém desfez, ou porque achamos que precisamos de ir mais longe na posição e, quando isto acontece, é muito fácil magoarmos-nos. Principalmente se o fazemos repetidamente, aí podemos mesmo criar lesões crónicas ou até com alguma gravidade. Nestes casos o exercício de ouvir o nosso corpo e reconhecer as suas mensagens é também um exercício de aceitação: aceitação dos nossos limites e aceitação da realidade, do nosso corpo, tal como ele é e não como gostaríamos que fosse. Esta também é uma aprendizagem essencial porque muitas vezes passamos uma boa parte da vida a lutar connosco mesmos, a achar que precisamos de ser diferentes e, só quando largarmos essa luta é que teremos verdadeiramente espaço para crescer, para sermos felizes e para levarmos uma vida mais saudável e equilibrada em todos os sentidos.

Laura Sanches

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Efeitos do Mindfulness – Como viver com Atenção Plena pode transformar a nossa relação connosco e com o mundo


 Hoje em dia já existem centenas de estudos que comprovam os efeitos benéficos da meditação. Uma vasta parte desses estudos que, hoje em dia, são produzidos são influenciados pelo trabalho pioneiro de Kabat-Zinn, um médico dos E.U.A que trouxe o mindfulnes, da tradição Budista, para um contexto mais terapêutico, científico e despido de conotações religiosas. O Mindfulness pode ser definido como um estado em que se presta atenção, de forma intencional, ao momento presente, sem julgamentos. Este é um estado de atenção que pode ser aplicado a qualquer situação da nossa vida diária mas que é mais facilmente aprendido e treinado num contexto de meditação formal.
Várias correntes da psicologia – como a Psicologia Positiva ou a Psicologia Cognitiva – já se interessaram pela utilidade do mindfulness como forma de promover a saúde mental e surgiram já vários programas, com base nesta prática, que se destinam a combater perturbações específicas específicas como a depressão (Mindfulness-Based Cognitive Therapy), perturbações borderline da personalidade (dialectical Behaviour Therapy), e a Terapia de Aceitação e compromisso que tem tido resultados muito positivos principalmente a lidar com perturbações da ansiedade e com dependências.

Para melhor compreender este estado, primeiro é importante salientar que, dentro todas as centenas de técnicas de meditação diferentes que se podem encontrar nas várias tradições espalhadas pelo mundo se podem enquadrar dentro de dois grandes grupos:

Técnicas de concentração – são todas as que envolvem a concentração num ponto, tentando afastar todos os outros objectos da consciência. Estas conduzem a um estreitamento da consciência que se foca exclusivamente num único objecto. A concentração e a capacidade de focar a mente que se obtêm com este tipo de prática são essenciais para qualquer prática de meditação e são as responsáveis pelos sentimentos de bem-estar e de tranquilidade que, geralmente, surgem com uma prática regular e continuada. 

Técnicas de Insight – implicam uma atenção constante, mas sem julgamentos, a todos os conteúdos que vão surgindo na consciência. O objectivo é ter uma percepção ampla de todos os conteúdos da consciência, sem que haja nenhum envolvimento com estes. Estas tipo de técnicas conduzem a uma expansão da consciência, que se torna capaz de abarcar um número cada vez maior de objectos em simultâneo. Esta  técnica é importante para o auto-conhecimento: permite-nos ter uma maior noção do conteúdo das nossas mentes e também de como nos relacionamos com este.


Na prática da meditação do tipo mindfulness estamos a treinar estes dois tipos ou estratégias de atenção. Esta é uma prática em que oscilamos entre a concentração e o foco na respiração, que nos traz a sensação de bem-estar e de tranquilidade e o deixar a consciência passar pelos vários conteúdos que vão surgindo e que se vão modificando momento a momento. Kabat-Zinn descreve esta prática como “uma dança entre uma atenção unifocada da concentração e a consciência mais ampla do insight.
O trabalho de concentração que se faz focando a atenção na respiração é essencial e é a base que permite que a mente se mantenha focada mesmo durante os períodos de insight em que há a tal expansão da consciência. Este treino da concentração é também essencial para nos trazer a sensação de bem-estar e de tranquilidade que a meditação pode proporcionar. Na nossa sociedade não somos ensinados a concentrar a mente desta forma. Quando vemos televisão, por exemplo, a nossa mente fica num estado passivo, em que se limita a ser dirigida pelos estímulos externos. O mesmo acontece – embora talvez de uma forma um pouco menos acentuada – com os jogos e com a internet. Durante esses períodos (e por isso é que tantas pessoas os usam como forma de se distrairem ou de fugirem temporariamente aos seus próprios pensamentos ou emoções) a nossa mente entra numa espécie de piloto automático em que se limita a ser guiada e levada pelas imagens e sons que vão aparecendo à nossa frente.
            Então, se no nosso dia-a-dia passamos demasiado tempo a abdicar do controlo da nossa mente, a cedê-lo a qualquer outro aparelho externo é natural que, quando precisamos de nos concentrar para estudar ou trabalhar, por exemplo, a nossa mente já não esteja a habituada a ser dirigida desta forma. Ainda para mais se a tarefa for, à partida, desiteressante para nós, torna-se muito difíicil deixar que a mente lhe preste atenção.
Por outro lado, os ritmos acelerados em que vivemos e os estados de tensão e ansiedade também não ajudam a combater a dispersão mental. Quando estamos constantemente a tentar antecipar o futuro ou presos a alguma coisa que se passou no passado torna-se muito difícil manter a atenção no presente.
            Então este treino da atenção dá-nos a capacidade de manter a nossa mente onde precisa de ser mantida. Dá-nos a capacidade de focar a nossa atenção naquilo que precisa de ser feito em cada instante da nossa vida.
            Viver num estado de dispersão constante em que nos sentimos constantemente puxados por vários estímulos ou pelos nossos próprios pensamentos pode ser muito desgastante e leva-nos a um sentimento de exaustão. Este treino da atenção também nos permite repousar verdadeiramente a nossa mente. A concentração permite-nos abrandar um pouco a velocidade dos pensamentos e isto dá-nos a possibilidade de descansar de repousar. Para além disto, sermos capazes de nos concentrar também significa que passamos a ser capazes de apreciar verdadeiramente as coisas boas da vida. Quantas vezes estamos de férias preocupados com o trabalho? Ou quantas vezes estamos a saborear um bom almoço preocupados com a loiça que teremos que arrumar a seguir e com o supermercado a que ainda não fomos? Quantas vezes estamos na praia a ver um belo por do sol e não conseguimos apreciá-lo em toda a sua beleza porque não paramos de nos preocupar com aquilo que dissemos numa discussão feia que tivemos no dia anterior? Quantas vezes não somos capazes de saborear os momentos simples da vida porque estamos tão preenchidos com pensamentos acerca do futuro ou do passado que se torna impossível focar a nossa atenção no presente. O treino da concentração traz-nos esta capacidade de viver mais plenamente cada instante da nossa vida.
É importante frisarmos que para meditar não precisamos de parar os nossos pensamentos. Muitas vezes existe esta noção que acaba por criar apenas uma luta interior que só provoca tensão e desconforto. Por vezes os estados de concentração podem trazer-nos um certo abrandar do ritmo dos pensamentos mas, o mais importante é que através da meditação - aqui é o onde o insight se torna um aspecto essencial da prática – podemos aprender a relacionar-nos de forma diferente com os nossos pensamentos. Não precisamos de desejar que estes parem ou desapareçam porque percebemos que podemos apenas mudar a nossa relação com estes.


Então, se a concentração é um aspecto essencial da meditação podemos dizer que o insigth é também fundamental para o crescimento psicológico que a meditação nos pode trazer. É através da expansão da consciência que o insight proporciona que podemos tornar-mos mais conhecedores do conteúdo das nossas mentes. E, conhecendo essse conteúdo, o mindfulness, permite-nos também passar a relacionarmo-nos com ele de outra forma. Com a expansão da consciência que o insight provoca torna-se muito mais nítidos os nossos pensamentos, as nossas emoções, podemos ver mais claramente todo o conteúdo da nossa mente e começar a perceber que existem determinados padrões, padrões de pensamento, de sentimento. Começamos a perceber que poderá haver uma tendência para determinados pensamentos estarem presentes e que esses pensamentos, por sua vez, estão relacionados com determinados sentimentos. E, com este conhecimento vem também a liberdade: a liberdade de percebermos que não somos obrigados a ficar presos nem a esses pensamentos nem a essa ligação entre eles e determinadas emoções. Começamos a perceber, primeiro, que os nossos pensamentos e emoções mudam a cada instante a cada momento e, depois, percebems também que há algo mais para além deles. Que não somos só os nossos pensamentos as nossas emoções, os nossos sentimentos. E essa visão de que há algo mais para além de todo este nosso conteúdo mental pode ser muito libertadora. Começamos a perceber que temos escolha na forma como nos sentimos, na forma como reagimos a todas as situações da nossa vida.
O mindfulness também nos torna mais conscientes do corpo. O facto de aprendermos a observar a nossa respiração e o corpo momento a momento, aceitando e acolhendo as sensações que vão surgindo tal como são, torna-nos mais capazes de viver com o nosso corpo no dia-a-dia e com as sensações e emoções que este nos traz. Isto pode ter também um efeito muito libertador porque nos permite perceber que não precisamos de viver apenas de um modo racional. Quando estamos muito habituados a refugiar-nos nos nossos pensamentos para lidar com tudo o que vai acontecendo podemos ficar facilmente exaustos com os nossos próprios diálogos internos cada vez que estamos perante um desafio importante. Porque o grau que temos sobre os nossos pensamentos é muito mais pequeno do que aquilo que gostamos de pensar o que acontece é que, muitas vezes, pode-se tornar bastante desgastante tentarmos controlar as nossas emoções através destes. E quanto mais importantes forem esses desafios, mais difícil ainda se torna manter o controlo dos nossos estados internos. Então entramos num ciclo de luta connosco próprios que só leva a mais cansaço e a uma sensação de desespero que não seremos capazes de controlar. A única forma de quebrar este ciclo é aprendermos a observar e a aceitar todos os aspectos da nossa experiência sem nos deixarmos levar pela sensação de descontrolo perante as emoções mais difíceis, usando a respiração e a consciência do corpo como as nossas âncoras, o nosso porto seguro no meio das tempestades.
O facto de nos tornarmos mais conscientes e com uma maior aceitação do corpo e das suas mensagens, pode também contribuir de uma forma muito positiva para a melhoria da nossa saúde visto que estaremos mais aptos a ler as suas mensagens que nos permitem aprender a cuidar melhor de nós.

Efeitos fisiológicos do Mindfulness – Como a Atenção Plena pode mudar o nosso corpo

Existem vários trabalhos de investigação que mostram que a prática da meditação do tipo mindfulness pode mesmo provocar algumas alterações no funcionamento do nosso organismo.
Um estudo de Davidson (2003, cit por Kelly, 2008) mostrou que a meditação mindfulness produzia alterações significativas no cérebro e no sistema imunitário e um estudo de Newberg et e all (2001, cit por Kelly 2008) descobriu que esta prática aumentava o fluxo sanguíneo no tálamo, no  gyro cingular, no cortex inferior e no frontal orbital e no cortex prefrontal em praticantes de meditação Budista. O aumento do fluxo sanguíneo poderá estar relacionado com uma maior utlização dessas zonas.
Ryback (2006) explica que a meditação mindfulness pode proporcionar um maior equilíbrio entre a parte cortéx frontal dos dois hemisférios. E, segundo este investigador, com essa melhoria, pode passar a haver um acesso mais directo à intuição já que se torna mais fácil estabelecer as ligações que existem entre o cortéx pré-frontal, a amigdala e a relação cérebro-gastrointestinal que está associada aos instintos. Há estudos que indicam que existem fibras que ligam as partes do cérebro associadas ao pensamento com o tracto digestivo e acredita-se que isto contribui para o o instinto em algumas situações, na língua inglesa existe até a expressão gut feeling que ilustra esta relação entre o cérebro e o intestino.
O trabalho da neurocientista Dr. Candace Pert sobre os neuropéptidos ilustra bem esta relação que existe entre o cérebro e outros sistemas no nosso corpo. Os neuropéptidos são neurotransmissores, ou seja, moléculas que o corpo usa para transmitir informações entre os vários sistemas do organismo. Esta cientista chamou a essas substâncias as moléculas das emoções porque cada vez que temos uma determinada emoção, pensamento ou sentimento, são libertados vários neuropéptidos que provocam toda uma série de alterações fisiológicas que correspondem a esse pensamento ou emoção. Esta cientista descobriu que no nosso sistema digestivo, nomeadamente nos intestinos e no sistema imunitário havia uma grande concentração de neuropéptidos, bem como no sistema límbico, uma zona do cérebro que a neurociência tem vindo já há algum tempo a associar às emoções. A novidade no trabalho desta investigadora está no facto deste ter encontrado provas convicentes de que realmente o nosso sistema imunitário e nosso sistema digestivo têm uma espécie de via rápida do ponto de vista fisiológico ou bioquímico para comunicar com o nosso cérebro através do sistema limbíco, reagindo assim prontamente às nossas emoções, pensamentos e sentimentos.

Gabor Mate, no seu livro escreve que :“O sistema hormonal do corpo está inextrincavelmente ligado aos centros cerebrais, onde as emoções são experienciadas e interpretadas. Por seu turno, o aparelho hormonal e os centros emocionais estão interligados com o sistema imunitário e o sistema nervoso. Estes não são quatro sistemas separados, mas um supersistema que funciona como uma unidade para proteger o corpo de invasões externas e de perturbações à sua condição fisiológica interna. É impossível para qualquer estímulo stressante, crónico ou agudo, agir apenas numa parte do sistema. O que acontece com um, afecta todos.” (2003, Pg 61) Esta interligação que existe nestes sistemas do nosso organismo, mostra que, se formos capazes de eliminar a resposta de stress, através da meditação, por exemplo, então todo o nosso organismo funcionará melhor e de forma mais eficiente, visto que tudo está interligado.
Ao nível do sistema imunitário podemos citar um estudo de Ott, Norris, Bauer-Wu (2006) efectuado com doentes de cancro que mostrou que a prática desta meditação poderia ser uma forma de melhorar o funcionamento do seu sistema imunitário bem como as perturbações de humor que geralmente acompanham estes doentes e a sua qualidade de vida. Esta prática contribuia também para diminuir os sintomas de stress, verificando-se uma diminuição dos níveis de cortisol durante o dia. Neste estudo verificou-se também que o factor que mais  influenciava a capacidade do mindfulness contribuir para estas melhorias era o número de sessões de meditação a que os doentes tinham assistido.
Um investigador que teve um papel importante na compreensão acerca da forma como a meditação nos pode trazer benefícios foi Herbert Benson que escreveu, nos anos 70, um livro que já se tornou um clássico e que continua bastante actual: A Resposta de Relaxamento. Na altura em que este médico se começou a interessar pela meditação e pelos seus efeitos a prática mais estudada e uma das mais populares no ocidente era a meditação transcendental, uma prática tornada popular pelo Maharishi Mahesh Yogi que a ensinou aos Beatles que contribuiram muito para a sua divulgação. Benson era um médico que procurou compreender os efeitos da meditação e com base nos seus estudos concluiu que a meditação despoleta um mecanismo a que chamou a Resposta de Relaxamento. Para Benson (2001) este é um mecanismo inato, ou seja, todos temos capacidade de o acionar (mesmo que precisemos de aprender a fazê-lo), que nos protege contra os efeitos do stress excessivo e que poderia ser considerado o oposto da Resposta de Luta ou Fuga. Segundo Benson (2001), este mecanismo diminui o metabolismo, o ritmo cardíaco, e traz de volta o equilíbrio natural do corpo, reduzindo a actividade do sistema nervoso simpático. Este médico teve o mérito de ser um dos primeiros a reconhecer a importância da ligação mente-corpo no campo da medicina e, com base em algumas investigações que fez concluiu ainda que a meditação poderia ser uma forma eficaz de tratar alguns casos de hipertensão arterial visto que, de acordo com as suas observações, a resposta de relaxamento afecta os mesmos mecanismos e diminui a pressão arterial pelos mesmos meios que algumas drogas anti-hipertensivas (Benson, 2001).
Para este autor, para despertar esta resposta de relaxamento, era necessária a repetição de algum tipo de objecto mental – algo em que a pessoa pudesse focar a sua atenção como um som, uma frase, uma imagem, etc – e uma atitude passiva, ou seja, sem preocupações acerca de quão bem se está a usar a técnica, pondo de lado os pensamentos distratores e voltando sempre ao foco de atenção. Esta descrição revela-nos um processo muito semelhante ao que é sugerido na meditação mindfulness em que os aspectos fundamentais são mesmo a ausência de julgamentos e a capacidade de redireccionar a atenção uma e outra vez para a respiração ou outro estímulo em que queiramos concentrar-nos.
Benson, que se dedicou a estudar este fenómeno da resposta de relaxamento, liderou e participou em algumas investigações que demonstraram que esta era eficaz a tratar a hipertensão, as dores de cabeça, as irregularidades no ritmo cardíaco, o síndroma pré-menstrual, a ansiedade e a depressão ligeira a moderada (cit por Benson, 2001).
Benson procurou que os seus estudos ajudassem a perceber melhor porque mecanismos é que a meditação nos traz estes benefícios e assim descobriu que durante a meditação há uma redução marcada do consumo de oxigénio. Segundo as suas observações, Benson explica que, de um ponto de vista fisiológico, a maior alteração associada à meditação é uma diminuição do metabolismo a que se chama hipometabolismo e a que está associado um estado de descanso, em que é reduzido o consumo de energia, tal como acontece no sono. No entanto na meditação esta diminuição do consumo de oxigènio acontece de forma diferente: durante o sono este consumo diminui lentamente, até que, ao final de quatro ou cinco horas é cerca de 8% mais baixo do que quando estamos acordados. Mas, durante a meditação, a diminuição é, em média, de 10 a 20% e acontece logo nos primeiros três minutos de prática (Benson, 2001). O autor afirma que não é possível conseguir uma diminuição desta intensidade de mais nenhuma forma. Na verdade há muito poucas condições que produzam uma diminuição do consumo de oxigénio. O sono, como vimos, é uma delas e a hibernação outra. Mas, na hibernação diminui a temperatura rectal, o que não acontece na meditação. Além disso, na meditação também aumentam as ondas alfa que costumam aparecer apenas quando o sono é muito profundo. Por outro lado, Benson (2001) encontrou também na meditação uma diminuição marcada do lactato sanguíneo, uma substância associada a níveis elevados de ansiedade. Com este hipometabolismo o ritmo cardíaco diminui umas três batidas por minuto e a respiração também se torna mais lenta.
Benson verificou ainda que os praticantes de meditação transcental tinham tendência para diminuir o seu consumo de todo o tipo de drogas. Na verdade, hoje em dia, já há algumas psicoterapias em que as técnicas de mindfulness são usadas justamente para combater dependências químicas. Estes efeitos da meditação podem acontecer por duas vias: por um lado a meditação ajuda-nos a estar mais conscientes dos nossos estados internos, do nosso corpo e das nossas emoções; isto amplia também a nossa consciência dos efeitos de todas as substâncias nocivas no nosso corpo, levando-nos a estar mais conscientes dos seus prejuízos para a nossa saúde e, consequentemente, dá-nos mais vontade de eliminar todos os comportamentos que lhes estão associados. Por outro lado, a meditação também nos pode ajudar a lidar melhor com a ansiedade e outras emoções difíceis que a abstinência provoca, dando-nos uma ferramenta que nos faz sentir muito mais capazes de lidar com essas sensações desagradáveis e de encontrar estratégias mais saudáveis para lidar com as emoções. Para além disto as sensações agradáveis que encontramos na prática da meditação podem também ser uma forma mais saudável de encontrarmos algumas sensações de preenchimento e bem-estar que algumas substâncias psico-activas podem também provocar. Esta foi umas das conclusões de um estudo feito por Leo Matos (1987) que entrevistou um grupo de toxicodependentes em recuperação que usavam a meditação como forma de lidar com a sua abstinência.
Ao nível cerebral, para além da alteração do tipo de ondas produzidas que é possível verificar através dos Electroencefalogramas –sabendo-se que, durante a meditação, se produzem sobretudo ondas do tipo alfa – também já foi verificado que a meditação pode provocar uma maior sincronização ou coerência entre diferentes áreas corticais, o que significa que há mais áreas do cérebro activas ao mesmo tempo. O cortex certebral é a parte do cérebro que está mais ligada aos processos criativos e ao pensamento complexo. Alguns investigadores sugerem que isto produz uma base para uma maior criatividade e crescimento psicológico. Mas a verdade é que esta coerência também pode ocorrer na esquizofrenia e a na epilepsia, pelo que não há certezas acerca do seu significado.
Chris Mace (2008) descreve um estudo um pouco diferente daqueles que habitualmente se fazem. Neste estudo, em vez de se analisarem do ponto de vista funcional os eitos da meditação, os investigadores obervaram que a meditação produzia alguns efeitos na própria anatomia do cérebro. Para chegarem a esta conclusão, os investigadores (Lazar, et e all), observaram o cérebro de vinte praticantes de meditação com um mínimo de 2 anos e uma média de 9 anos de prática, comparando os seus córtexes cerebrais com o cortéx de 15 não praticantes. Aquilo que se verificou foi que o cortex dos praticantes de meditação era significativamente mais espesso em muitas áreas, nos dois hemisférios, embora não fosse mais espesso que os do grupo de controlo, no geral. Isto quer dizer que havia diferenças claras entre os dois grupos mas estas localizavam-se apenas em ambos os lados do córtex pré-frontal e à volta da insula direita (uma estrutura cerebral que se acredita ter alguma relação com a forma como se gera a consciência e com as emoções). Quanto mais velho era o sujeito maior era esta diferença, sugerindo que a meditação poderia estar a prevenir um processo que ocorreria naturalmente com a idade, em que esta zona do cérebro se tornaria progressivamente mais fina. Este estudo tem sido tomado como evidência de que o tipo de atenção que se desenvolve na meditação provoca um crescimento neuronal em áreas do cérebro que é provável que sejam activadas durante a meditação.
Dan Siegel, psiquiatra do Mindsight institute, nos E.U.A. nas suas pesquisas acerca dos efeitos do mindfulness observou que esta prática activa no cérebro as mesmas zonas que costumam activar-se quando as crianças se sentem vistas e incondicionalmente amadas pelos seus pais. No seu percurso de desenvolvimento a criança forma com a mãe (ou com a pessoa que mais tempo cuida dela) aquilo a que Jonh Bolwby chamou apego. Esta expressão traduz uma vinculação muito forte que a criança começa por formar, geralmente, primeiro com a mãe e depois também com o pai. A criança quando nasce vem programada para receber e também para dar amor incondicional aos seus pais mas, acontece que, por muito amor que estes tenham nem sempre é fácil demonstrá-lo. Criar esta vinculação com a criança, por um lado, exige tempo que nem sempre as mães ou pais têm, por outro exige uma disponibilidade emocional que também nem sempre é fácil de conseguir. Então, o que acontece é que, por um motivo ou outro, a criança começa a perceber que os pais não estão sempre disponíveis e que, mesmo quando estão disponíveis fisicamente nem sempre o estão de um ponto de vista emocional. O ser humano nasce num estado de dependência total e, talvez por isso mesmo, vem programado para criar laços e ligações profundas e, se a mãe ou o pai estiverem disponíveis para cuidar da criança e para lhe dar esse amor incondicional de que precisa então a criança forma uma vinculação segura com os pais mas, acontece que, nem sempre é fácil para os pais trasmitirem esse amor incondicional à criança. Quando isto acontece, quando a criança não consegue desenvolver um apego seguro com os seus pais, então acabam por ficar algumas lacunas, feridas ou inseguranças no seu desenvolvimento. (ler artigo sobre Apego)
 Aquilo que Dan Siegel verificou foi que o mindfulness tinha a capacidade de  ajudar a curar essas feridas ao contribuir para activar um padrão cerebral idêntico ao que é ativado nos cérebros de pessoas que estabeleceram um processo de vinculação seguro. Isto acontece porque ao cultivarmos um estado de mindfulness estamos justamente a dar a nós mesmos aquilo que todas as crianças querem dos seus pais: atenção plena e incondicional. Quando praticamos a atenção plena, ou o mindfulness, estamos a desenvolver uma atitude de abertura e de aceitação à nossa experiência, aos nossos sentimentos aos nossos pensamentos. Através do mindfulness passamos a ser mais capazes de aceitar os pensamentos, as sensações. Quando nos treinamos para observar sem julgamentos percebemos que passamos muito tempo a lutar com os nossos pensamentos, passamos muito tempo a tentar evitar determinadas emoções, determinadas sensações. Por condicionamentos da nossa infância muitos de nós crescem a acreditar que determinadas emoções ou pensamentos não devem existir e a luta para os erradicar acaba por originar apenas sofrimento e cansaço. Então com a prática do mindfulness aprendemos a largar essas lutas e, por sua vez, isso acaba mesmo por fazer com que o sofrimento desapareça.
Siegel (2005, cit por Ryback, 2006) diz que a “prática de mindfulness, as ligações profundas e afectuosas e uma terapia eficiente fazem todas a mesma coisa: modificam o cérebro construindo fibras integrativas mais fortes, resultando em estados emocionais mais equilibrados….Com o fortalecimento dessas fibras integrativas há mais equílibrio entre os hemisférios corticais direito e esquerdo (posto de forma simples, emocional e lógico respectivamente), logo passa a haver mais equilíbrio emocional, mais flexibilidade de resposta e maior capacidade para a empatia e auto-consciência.”
            Hoje em dia sabemos que o nosso cérebro tem uma grande capacidade de se modificar de acordo com as nossas experiências e que essa capacidade, apesar de estar mais presente na infância, se pode manter ao longo de todas as nossas vidas. Chama-se a esta capacidade neuroplasticidade e é graças a ela que a prática do Mindfulness nos pode ajudar a transformar a nossa experiência e a nossa vida.
           
Laura Sanches

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Reacções Primitivas num Mundo Moderno - A Resposta de Luta ou Fuga e os efeitos fisiológicos do Stress


A resposta de stress começa, em primeiro lugar com a avaliação que fazemos das situações. Esta avaliação nem sempre acontece de forma consciente mas, sempre que estamos perante um desafio ou uma situação nova, o que fazemos é avaliar os recuros que possuímos e aqueles que a situação nos exige. Se o
peso das exigências for maior que o dos recursos que possuimos então vão-se desencadear toda uma série de respostas fisiológicas, a que Walter Cannon chamou Resposta de Luta ou Fuga porque, justamente, parecem servir para cumprir o propósito de preparar o nosso organismo para uma resposta rápida e o mais eficaz possível quando é preciso lutar ou fugir. Esta resposta acontece nos seres humanos mas também nos animais sempre que precisam de enfrentar um determinado perigo. Esta resposta prepara o organismo para lidar da forma mais eficaz possível com as ameaças que possam surgir e pode ser um mecanismo muito eficaz para lidar com algumas situações de emergência. É este mecanismo que possibilita os relatos fantásticos que por vezes ouvimos de mães que tiraram filhos de prédios a arder, ou de pessoas que foram capazes de levantar um carro sozinhas para salvar um familiar que estava preso debaixo dele. Estes feitos são possíveis apenas durante os instantes em que esta resposta está activa graças a todas as modificações que ela provoca no nosso organismo e que vamos ver quais são.
Esta resposta começa no sistema nervoso, que tem como função controlar todas as actividades automáticas essenciais para a sobrevivência e para manter a homeostase do organismo, é o responsável pela orquestração desta resposta de alarne. Este sistema divide-se em duas partes: o sistema nervoso simpático e o parassimpático. O sistema nervoso simpático é o responsável pela activação e pela manutenção da resposta de luta ou fuga e o sistema nervoso parassimpático é aquele que é accionado quando decidimos que o perigo desapareceu e se torna possível descansar, permitindo que o equilíbrio fisiológico se restaure e que possa surgir uma sensação de relaxamento pela qual este sistema é o responsável.
A primeira parte do nosso corpo a reconhecer o perigo e a fazer soar o sinal de alarme é a amígdala, uma estrutura certebral que faz parte do sistema límbico, a zona do cérebro que, nos mamíferos, está relacionada com as emoções e os sentimentos. A amígdala está relacionada com a nossa memória emocional e, ao que parece é a estrutura responsável, pelo armazenamento de informação acerca daquilo que pode ser perigoso para a nossa integridade. Então esta estrutura cerebral funciona como uma espécie de alarme para todas as situações de medo e, juntamente com o hipotálamo é uma das principais responsáveis pela activação da resposta de luta ou fuga.
O hipotálamo, juntamente com as estruturas que formam o sistema límbico, é um dos responsáveis pelo controlo das emoções (Dobson, 1982, pg. 107). Então, assim que a amígdala reconhece uma ameaça e faz soar o alarme, o hipotálamo vai fazer com que todo o organismo entre no modo de defesa ou ataque. Através do controlo que o hipotálamo tem sobre a glândula pituitária, este vai fazer com esta segrege as hormonas que iraão servir para mediar as reacções de stress.
Podemos dizer que o hipotálamo é uma espécie de mediador entre os pensamentos e as reacções fisiológicas que, por sua vez, estão associadas a determinadas emoções.
Então, quando experimentamos uma emoção de tensão, stress, ou ansiedade, dando início à resposta de luta ou fuga, o Hipotálamo começa a segregar um elemento libertador de corticotrofina (CRF) que regula a secreção da maior parte das hormonas trópicas da glândula pituitária, estas são hormonas que actuam sobre outras glândulas endócrinas e regulam as suas secreções. Então o CRF segue para a glândula pituitária, para que esta comece a segregar a hormona adrenocorticotrópica (ACTH) que é uma substância informadora, o que significa que irá ser transportada pela corrente sanguínea até às glândulas supra-renais também conhecidas por glândulas adrenais, levando-as a segregar glicocorticóides (assim chamados porque aumentam os níveis de glicose no sangue) e hormonas esteróides, das quais uma das mais importantes é o cortisol, também chamado de hidrocortisona, que regula as funções cardiovasculares, metabólicas e imunológicas.
Como esta relação mente-corpo é bidireccional, também é possível verificar que, se forem injectados na corrente sanguínea esteróides, isto faz também aumentar a sensação de stress que a pessoa experiencia. Verifica-se também que as pessoas deprimidas têm tipicamente níveis muito altos destes esteróides.

Mas qual o papel destas hormonas no nosso organismo?

Assim, existem três hormonas principais na orquestração desta resposta em todo o organismo:

- Adrenalina: Libertada pela medula adrenal. Também conhecida como epinefrina, esta hormona está mais associada à resposta de fuga, por isso é libertada em maiores quantidades em situações com as quais nos sentimentos incapazes de lidar, nas situações de Distress. A adrenalina é uma hormona que está geralmente associada às sensações de medo, de incerteza, de preocupação, insegurança e ansiedade.
            Produz um aumento da pressão arterial e mobiliza o glicogénio que se encontra nos tecidos corporais. Causa a vasoconstrição da superfície corporal para minimizar o sangramento em situações de emergência e é responsável pelo aumento do nível de açúcar no sangue. Liberta ácidos gordos na corrente sanguínea que ajudam a gerar a energia extra requerida. Se estes não forem usados irão permanecer no corpo por um longo período de tempo.
Provoca um aumento da frequência dos batimentos cardíacos e do volume de sangue bombeado em cada batimento, o que, por sua vez, leva a um aumento da tensão arterial - que traduz a pressão que o sangue exerce na parede das artérias e veias quando passa por elas. Esta hormona também leva a um aumento dos níveis de açúcar no sangue, para que haja mais energia disponível e leva a que o sangue seja distribuído principalmente pelos músculos voluntários das pernas e braços, sendo ainda a responsável pela contracção dos músculos necessários para fugir.
A adrenalina também faz com que as gorduras sejam queimadas, para gerar energia. E é também responsável por fazer com que haja uma diminuição da circulação sanguínea à superfície (o que pode tornar a pessoa mais pálida; daí a expressão branca de medo) e dos órgãos do sistema digestivo, aumentando o afluxo de sangue nos grandes músculos do corpo. Esta hormona é ainda é responsável pela erecção dos pelos, um mecanismo que será talvez herdado dos tempos do homem primitivo com o objectivo de lhe dar um ar mais volumoso e ameaçador, à semelhança do que acontece, por exemplo, com o os gorilas e outros primatas.

Noradrenalina – pode ser também chamada de norepinefrina e esta é uma hormona produzida pela medula da glândula supra-renal, tal como a adrenalina (mas funciona independentemente desta) mas que pode também ser segregada pelas fibras nervosas, visto que é um dos principais neurotransmissores do sistema nervoso. Ao contrário da adrenalina, esta está mais associada a uma reacção de luta. Assim, a noradrenalina aparece mais nas situações de Eustress, aqueles desafios com que nos sentimos capazes de lidar e está relacionada com todas as sensações agradáveis que surgem nestas alturas, como uma certa euforia, por exemplo. A concentração desta hormona no sangue aumenta também quando se faz exercício físico e esta pode estar associada às sensações de bem-estar que surgem depois de exercícios vigorosos. Alguns anti-depressivos têm o efeito de estimular a sua produção, já que esta é uma hormona que se associa a um humor positivo e, um défice na sua produção, está geralmente associado à depressão. Estimular a libertação desta hormona poderá ser também uma das razões pelas quais o exercício físico é uma boa forma de combater os estados depressivos. Esta é uma hormona que parece também ter alguma relação com a capacidade de atenção por isso, nas desordens do défice de atenção, alguns fármacos procuram também estimular a sua produção.
A noradrenalina tem ainda o efeito de provocar a dilatação das pupilas, melhorando a nossa visão periférica e a visão nocturna e faz que com que haja também uma dilatação das passagens do ar nos pulmões.
 O aumento da concentração desta hormona no sangue pode também, por vezes, estar associado a reacções mais agressivas e está relacionada com a tensão nos músculos faciais, nos ombros e nos punhos cerrados. A noradrenalina, tal como a adrenalina, também contribui para a subida da tensão arterial e para o aumento do ritmo cardíaco. Também provoca uma diminuição da circulação nos rins e no fígado.

Cortisol – É uma das hormonas mais importantes segregadas pelas glândulas supra-renais, segundo Gabor Mate (2003) “o cortisol é a hormona mais central para a resposta de stress e aquela que os estudos mostram que fica mais desregulada depois do stress crónico.”
            Uma das suas funções é sensibilizar os órgãos para a adrenalina e noradrenalina. Quando é segregada em quantidades normais, esta hormona tem o papel de estimular a actividade do sistema imunitário mas, quando é despoletada a Resposta de luta ou Fuga, os níveis de cortisol na corrente sanguínea aumentam bastante e este passa a ter o efeito de inibir temporariamente o sistema imunitário e de suprimir a resposta febril. Podemos perceber a utilidade desta resposta se pensarmos, por exemplo, num homem primitivo contagiado pelo vírus da gripe, deitado na sua gruta cheio de febre, que não é mais que uma resposta do sistema imunitário, que aumenta a sua produção de glóbulos brancos para eliminar o vírus reconhecido como uma potencial ameaça. De repente surge na entrada dessa caverna um tigre e naquele momento, o organismo precisa de decidir rapidamente qual é a ameaça maior: o vírus da gripe ou o tigre que o pode comer a qualquer instante. Assim, a resposta febril é temporariamente suprimida, o que significa que o homem poderá voltar a ter forças para fugir do tigre. Lipton diz-nos que o sistema imunitário é o sistema que mais energia consome no nosso organismo, assim para que esta energia possa ser canalizada para outras funções, este sistema é dos primeiros a sofrer com o stress, sendo parcialmente desactivado pelo cortisol.
O cortisol também faz com que certos ácidos deixem de ser removidos da corrente sanguínea. A libertação de cortisol na corrente sanguínea também faz com que seja desfeito o tecido magro, para que este se converta em açúcar, como fonte de energia, aumentando assim os níveis de açúcar no sangue. O cortisol, quando existe em excesso na corrente sanguínea, também pode contribuir para uma alteração dos padrões de sono, provocando insónias. Leva também a um aumento do apetite e da ingestão calórica e faz com que a gordura se acumule principalmente na zona do abdómen, do tronco e da face, locais onde esta será mais facilmente acessível para o caso de ser preciso convertê-la em energia. De um ponto de vista psicológico o cortisol está muito relacionado com os sentimentos de fracasso, de incapacidade, de desespero, de ansiedade crónica e depressão.
O cortisol também ajuda o sangue a coagular mais depressa o que, em caso de ferimentos, poderá ser uma preciosa ajuda a sobrevivência, visto que diminuirá o tempo que as feridas ficarão a sangrar.

            Todas estas reacções fisiológicas começam a acontecer assim que entramos naquilo a que Hans Selye – um médico que se dedicou ao estudo desta resposta - chamou a Reacção de Alarme. Se se mantiver o estímulo que provocou esta reacção entramos então, de acordo com Selye, na fase de Resistência em que estas reacções irão manter-se pelo tempo que durar a ameaça.
È aqui que começam a surgir os problemas e, é nesta fase, que este mecanismo evolutivo que poderá ser útil em determinadas situações, pode começar a voltar-se contra nós levando-nos assim a entrar na Fase de Exaustão. Na verdade, quando estamos perante uma ameaça à nossa sobrevivência física é natural que estas respostas se dêem, levando-nos á reacção correspondente e, assim que esta ameaça desaparece, voltamos novamente a um estado de equilíbrio fisiológico. Podemos pensar no exemplo de alguém que atravessa uma estrada, de repente, surge um carro com que a pessoa não contava a grande velocidade e capaz de a atingir. A pessoa assusta-se, todo o seu corpo se mobiliza, os músculos contraem-se, o coração bate mais forte, a respiração fica mais rápida, os reflexos mais aguçados e a pessoa corre rapidamente para o passeio escapando assim por um triz. Durante os curtos segundos em que o seu corpo precisa de fugir acontecem muito rapidamente todas estas alterações mas, assim que chega ao passeio e se sente segura, em pouco tempo, o seu corpo desliga esta resposta de fuga e o equilíbrio é retomado sem grandes consequências, pelo menos no caso de uma pessoa saudável. Este mecanismo é provavelmente um dos responsáveis pelo facto das pessoas serem capazes de cometer os actos mais incríveis em situações de perigo, como mães que salvam os filhos de incêndios reagindo e movendo-se a velocidades impressionantes, ou pessoas capazes de levantarem pesos incríveis para salvarem os seus entes queridos em situações de acidentes, por exemplo; isto acontece porque realmente o nosso corpo, naqueles instantes, mobiliza todos os seus recursos para ser capaz de lidar com aquele acontecimento. Na verdade, sempre que é activada esta resposta de Luta ou Fuga, todos os nossos instintos ficam mais apurados.
Diz-nos Lipton (2008) que as hormonas adrenais também provocam a contracção das veias na parte da frente do nosso cérebro (limitando assim a sua capacidade de funcionar eficazmente), que é responsável pela lógica e pela compreensão e que, por isso mesmo, é muito mais lento do que as acções reflexas que são controladas pela parte anterior do cérebro. De acordo com Lipton (2008) estas hormonas também reprimem a actividade no córtex pré-frontal que é o centro da actividade voluntária. Apesar de, em determinadas situações, isto poder ser útil para nos ajudar a sobreviver “….vem com um custo: consciência perceptiva diminuída e inteligência reduzida:” (Takamatsu, et al, 2003, Arnsten and Goldman-Rakic 1998; Goldstein, e tal, 1996, cit por Lipton, 2008, Pg, 120)

É por isto que, em situações de perigo iminente todos os nossos instintos parecem ficar mais apurados e somos capazes de tomar decisões muito rápidas quase sem pensar, aliás, é também por isto que, muitas vezes, quando estamos em situações de tensão e ansiedade não somos capazes de pensar logicamente em determinadas questões e, no caso dos estudantes, por exemplo, por muito que se conheça o tema em questão, por vezes, torna-se mesmo muito difícil se não impossível pensar sobre ele.
Mas esta capacidade de resposta que quase sempre desconhecemos em nós até precisarmos de a usar, esta capacidade de usarmos de repente todos os nossos recursos físicos e não só para sair de uma determinada situação perigosa para nós ou para aqueles que nos são queridos, acontece a um preço: há um grande gasto energético que precisa de ser reposto o mais rapidamente possível, com algum tempo de repouso que permita ao organismo recuperar toda a energia que precisou de gastar para lidar com aquele acontecimento.
            Quando as ameaças são de natureza física ou biológica, a maior parte das vezes, têm um tempo limitado. Mas, no caso de ameaças de natureza psicológica, se não fizermos nada para as eliminar, a sua presença pode tornar-se constante. Nestes casos não haverá tempo para recuperar a energia consumida na sua defesa e então o organismo entra naquilo a que Selye chamou a Fase de Exaustão, sendo aqui que acontecem os verdadeiros danos para a nossa saúde. O que mais impressionou Selye na investigação com os ratinhos que eram colocados em ambientes mais frios do que aquele a que estavam adaptados foi que, mesmo que depois de algum tempo os ratinhos fossem retirados desse ambiente, passando a estar em condições mais favoráveis, com uma temperatura agradável e com comida suficiente, os que tinham estado durante demasiado tempo no ambiente frio já não eram capazes de sobreviver mesmo num ambiente de temperaturas favoráveis. Era como se se tivessem esgotado já todas as reservas energéticas do seu organismo. Assim Selye concluiu que o stress, quando prolongado por períodos demasiado longos leva a um gasto de energia que o organismo poderá não ter como repor. Para Selye a morte acontecia justamente porque determinados órgãos do nosso corpo acabavam por entrar em desgaste devido às várias situações de stress que iam sofrendo ao longo da vida.
            Sabemos também hoje em dia que o facto de vivermos sob uma tensão que se mantenha de modo mais ou menos constante irá fazer com estas alterações fisiológicas se mantenham ao longo do tempo. Assim uma coisa que em muitas investigações se observa é que as pessoas deprimidas ou ansiosas, por exemplo, têm níveis permanentemente elevados de cortisol na sua corrente sanguínea. Isto significa que o organismo estará sempre a funcionar de uma forma que não corresponde a um verdadeiro estado de equilíbrio. Um dos efeitos do cortisol, como já vimos, é a supressão do sistema imunitário, então uma pessoa com níveis elevados de cortisol na sua corrente sanguínea estará sempre muito mais sujeita a todo o tipo de infecções ou de contágios, visto que o seu sistema imunitário não pode funcionar normalmente. E isto é de facto observado em muitos estudos de psiconeuroimunologia que mostram que existe realmente uma relação entre os estados emocionais e o funcionamento do nosso sistema imunitário e que as pessoas deprimidas ou ansiosas estão mais vezes doentes. Outro efeito do cortisol é o impedimento da remoção de determinados ácidos da corrente sanguínea, o que irá levar a um aumento de acidez no estômago que, com o tempo, pode mesmo levar à formação de úlceras. Como já vimos, o cortisol também tem o papel de promover a destruição do tecido magro, para que este se converta em açúcar, como fonte de energia, aumentando assim os níveis de açúcar no sangue. Isto, para além de poder levar a um quadro do Diabetes do tipo II, pode também contribuir para que aconteçam perdas musculares além de que o cortisol inibe também a formação de novas estruturas ósseas, de acordo com Gabor Mate, uma concentração excessiva de cortisol durante muito tempo na corrente sanguínea, pode mesmo tornar os ossos mais finos.
Quando o nosso organismo está num estado de equilíbrio, o sangue está normalmente concentrado na zona das vísceras, na cavidade abdominal onde se situam tantos órgãos essenciais ao seu bom funcionamento. Quando esta a resposta de Luta ou Fuga é activada e o sangue passa a ser desviado desta zona, os processos digestivos passaram a fazer-se com maior dificuldade, o que significa que não estaremos a absorver todos os nutrientes necessários, nem a eliminar convenientemente as toxinas, o que, juntamente com o gasto de energia extra de que precisamos para lidar com as ameaças constantes, nos fará sentir ainda mais cansados e fragilizados.
O funcionamento alterado do nosso sistema cardiovascular poderá também conduzir a problemas de coração, e estados de hipertensão arterial o que, por sua vez, poderá levar um quadro de arteriosclerose, um processo de endurecimento das artérias que poderá por em risco a vida. Herbert Benson (2001), explica que a arteriosclerose leva a que aconteça “um depósito de coágulos sanguíneos, gorduras e cálcio nas paredes das artérias, fazendo com que as paredes, normalmente moles, elásticas e abertas das artérias, se tornem duras, inflexíveis e, parcialmente ou completamente bloqueadas:” (Benson, 2001, pg. 14). Este médico diz também que “O risco de se desenvolver arteriosclerose ou endurecimento das artérias está directamente relacionado com o nível da pressão arterial.” (Benson, 2001, pg. 21). Este endurecimento pode conduzir a doenças cardíacas ou mesmo ataques cardíacos ou enfartes, ou a Acidentes vascular-cerebrais (AVC) que podem levar a sérias limitações na qualidade de vida e que, em muitos casos, levam mesmo á morte. Benson explica que: “….quanto mais frequentemente activarmos a resposta de luta ou fuga, mais provável é que desenvolvamos tensão arterial elevada, especialmente se as circunstâncias não nos permitirem realmente lutar ou fugir.” (Benson, 2001, pg. 47)  Isto, aliado ao efeito que o cortisol tem de fazer com o sangue coagule mais facilmente, poderá ter um efeito altamente nocivo para a nossa saúde.
Por outro lado a tensão constante nos músculos das pernas e braços, sempre prontos para agir, pode levar a dores musculares constantes que podem mesmo chegar a ser bastante fortes.
As alterações ao nível da respiração podem também levar a quadros de hiperventilação, que produz sintomas semelhantes aos que experimentam os montanhistas em grandes altitudes, como enjoos, náuseas, confusão mental, tonturas, cansaço, dores de cabeça, Etc. Em situações de tensão, muitas vezes, temos também tendência para respirar mais com a zona superior dos pulmões, o que significa que estaremos a usar principalmente os músculos da zona do peito, que são músculos com um papel apenas secundário na respiração, o que significa, que têm apenas um papel auxiliar na respiração. Se os tornamos os principais músculos do processo respiratório é muito provável que passem a surgir também dores musculares na zona do peito e que aumente ainda mais a sensação de cansaço e falta de ar.
Na verdade podemos não experimentar, pelo menos de forma consciente, todos estes sintomas. O que acontece é que, quase sempre, há um dos nossos sistemas que acaba por ser mais afectado pelos estados de activação constante e, por isso, é nesse que sentimos mais os efeitos da tensão e stress. Assim, algumas pessoas podem ser mais dadas a problemas cardiovasculares, por exemplo, outras pessoas poderão sentir mais transtornos digestivos, para outras ainda será o aparelho músculo-esquelético o mais afectado e por isso poderão surgir dores musculares mais ou menos fortes, etc. Na verdade já Selye dizia que a morte acontecia porque alguns órgãos acabavam por se desgastarem em relação a outros e, quando a sua falência acontecia, se estes tivessem uma função vital, a morte seria a última consequência desse desgaste.
Segundo Lipton, um dos sistemas mais afectados pela activação da Resposta de Luta ou Fuga é mesmo o sistema imunitário que é também um dos que mais energia consome no nosso organismo e também um sistema que tem um papel essencial na nossa qualidade de vida e na nossa capacidade de resposta ao meio ambiente. Este autor explica que, a acção conjunta das hormonas libertadas pela glândula adrenal é tão eficaz a suprimir a resposta do sistema imunitário que elas chegam mesmo a ser receitadas a doentes transplantados, para impedir a rejeição dos transplantes.
Candace Pert também salienta a ligação entre o stress e predesposição para se ficar doente, segunde esta, pode haver situações em que as emoções ficam como que bloqueadas, como “Quando o stress impede as moléculas da emoção de fluírem livremente para onde são precisas, os processos largamente autónomos que são regulados pela corrente dos péptidos, como a respiração, a circulação sanguínea, a imunidade, a digestão e a eliminação entram em colapso passando a apenas uns circuitos de feedback e perturbam a resposta de cura normal.” (Pert, 1997, pg. 243) para Pert, uma das formas de restabelecer este equilíbrio e deixar as emoções fluir livremente outra vez era a meditação.
Tanto o yoga como a meditação podem também ter o papel de nos fazer voltar a entrar em contacto com as emoções e com o corpo para que possamos passar a estar mais consciente dos sinais que este nos vai enviando.

Laura Sanches

 Bibliografia 

Bruce Lipton (2008) - The Biology of Belief 

Candace Pert (1997) - Molecules of Emotion

Gabor Maté (2003) - When the Body Says No

Hans Selye - The Stress of Life

Herbert Benson (2001) - The Relaxation Response



sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Seitas no mundo do Yoga


No dicionário podemos encontrar a definição de seita como uma doutrina ou sistema que se afasta da crença geral ou como um grupo de pessoas que professam uma religião diversa da geralmente seguida. Hoje em dia esta é uma palavra que é usada, geralmente, com uma conotação negativa e atribuída a grupos marginais da sociedade que vivem de uma forma que não é bem aceite ou compreendida pelos demais.
Neste artigo vamos usar a palavra seita para definir um certo grupo ou escola que vive fechada sobre si mesma e é liderada por uma figura de autoridade inquestionável para os seus membros mas questionável aos olhos de todos os outros que estão por fora desse grupo.

Necessidade de pertença a um grupo                 

Todos nós, enquanto pessoa, temos necessidade de sentir que pertecemos a um grupo. Segundo Jonathan Haidt, investigador e psicólogo, faz parte do ser humano esta necessidade de sentir que pertecemos a algo maior do que nós próprios. Segundo este nós não somos animais solitários, o ser humano, enquanto espécie, evoluiu como membro de um grupo e, por isso precisamos de nos sentir integrados e acolhidos para sermos felizes e nos sentirmos seguros e preenchidos. Para este psicólogo é esse um dos grandes benefícios da religião: dar-nos essa sensação de que pertecemos a algo maior do que nós mesmos, essa sensação que o nosso eu individual pode fazer parte de algo maior, mais profundo e mais intenso. É também isso que nos faz gostar de estar no estádio cheio de gente a torcer pela mesma equipa, ou num concerto por exemplo. Quando estamos no meio de uma multidão com objectivos comuns isso faz-nos esquecer temporariamente o nosso eu pequenino, sozinho e limitado e dá-nos uma sensação de sermos maiores, mais fortes, mais capazes e mais espaçosos. Por momentos cria-se a sensação de que somos o grupo todo e esse grupo é algo mais poderoso e intenso do que apenas a soma de todos os eus individuais que o constituem. Nas sociedades orientais, que são mais sacralizadas, está mais presente essa dimensão do grupo no dia a dia das pessoas. No ocidente valorizamos mais o indivíduo que o grupo e isso, por vezes, pode trazer-nos uma certa sensação de vazio por falta desse sentimento de pertença.
Todas as actividades espirituais, como o yoga ou a meditação, podem ajudar-nos a resgatar esse sentimento que não somos só este eu limitado e fechado dentro deste corpo. O Yoga e a meditação podem ajudar-nos a expandir as fronteiras do nosso eu e a viver mais facilmente essa sensação de sermos mais e maiores do que aquilo que geralmente percepcionamos na nossa vida diária.
Se essas actividades acontecerem dentro de um grupo com os mesmos objectivos e interesses essa sensação grupal torna-se ainda mais forte e isto pode ter consequências positivas na nossa vida. O problema acontece quando esse grupo é liderado por alguém que não tem os melhores interesses de cada um dos seus membros em mente. Infelizmente isto é o que acontece em algumas escolas de yoga hoje em dia.

Efeitos do Yoga e Meditação

Quando praticamos yoga ou meditação entramos em contacto com muitas partes de nós que nos eram desconhecidas até então. Isto quer dizer que descobrimos uma outra dimensão do nosso eu, da nossa personalidade e, se por um lado isto nos pode abrir portas para uma existência mais feliz e preenchida também é verdade que nos pode tornar mais vulneráveis e trazer consigo uma certa sensação de fragilidade. Quando temos a coragem de nos aventurar dentro de nós mesmos e de mergulhar nas profundezas da nossa psique nem sempre gostamos daquilo que encontramos à primeira vista. Pode começar por surgir um sentimento de desorientação: porque nos deparamos com algo novo, podemos não saber o que fazer com essas descobertas. Podem também ficar abaladas algumas certezas que julgávamos ter acerca da vida, de nós mesmos e do mundo e isso pode dar-nos uma sensação de que estamos perdidos sem saber muito bem o que fazer com esses novos insights que tivemos e sem uma estrutura que nos permita enquadrá-los.
Podemos também ficar desiludidos com as descobertas que fazermos acerca de nós mesmos, não gostando do que encontramos cá dentro quando decidimos olhar para nós verdadeiramente pela primeira vez. Isto pode trazer consigo um sentimento de insatisfação, de tristeza ou de zanga.
Por outro lado, quando praticamos yoga ou meditação podem também surgir sensações agradáveis que desconhecíamos e que ficamos com vontade de voltar a ter porque nos mostram que esse vazio que nos trouxe à prática está a ser preenchido e de que estamos no caminho de algo muito bom e gratificante.
Todas estas sensações, más ou boas, nos colocam numa certa posição de vulnerabilidade. O simples facto de nos predispormos a olhar para dentro sem fazer ideia daquilo que iremos encontrar já nos coloca numa posição um pouco vulnerável. Para olhar para dentro, verdadeiramente, precisamos de estar disponíveis e abertos para o que quer que possa surgir. Então torna-se importante que sejamos capazes de confiar na pessoa que está a dirigir a prática, confiar no seu conhecimento técnico mas e, acima de tudo, nas suas boas intenções, confiar que não está ali para nos julgar, avaliar, que não está ali para nos manipular, que está a dirigir a prática com o nosso bem-estar em mente e não o seu próprio bem. Esta confiança não significa que precisemos de acreditar que aquela pessoa é, de algum modo, superior a nós. Não precisamos de acreditar que é mais ou melhor que nós, precisamos de acreditar simplesmente que aquela pessoa tem algum conhecimento sobre a prática que está a orientar, sobre os seus efeitos nos alunos e que tem o nosso bem-estar em mente quando está a dirigi-la.

Efeitos da prática e relação com o professor que a conduz

Mas, acontece que quando descobrimos que uma prática de yoga ou de meditação pode ter efeitos tão profundos sobre nós torna-se muito fácil passarmos a associar esses efeitos à pessoa que dirige a prática, à pessoa que nos apresentou a essa prática. Por outro lado, um professor de yoga – dentro da aula – geralmente serve como uma espécie de modelo de algo que queremos conquistar: se vamos para o yoga à procura de uma sensação de paz e de bem-estar é muito natural que achemos que aquele professor tem toda essa paz que procuramos, se vamos à procura de auto-conhecimento é natural que também pensemos que aquele professor já fez esse percurso. Há sempre uma tendência do aluno para achar que o professor tem todas as respostas que este gostaria de obter e que já fez todo o percurso que este gostaria de fazer.
Até certo ponto é perfeitamente natural e desejável até que assim seja. Quanto mais confiarmos na pessoa que está a dirigir a prática mais nos entregamos à prática e mais benefícios acabamos por obter. Só confiando nas boas intenções da pessoa que dirige a prática é que podemos abrir-nos totalmente a esta e aos seus efeitos. Então um professor em quem confiamos é como uma mãe em que o filho confia para explorar o mundo: quanto mais a criança confia na presença da mãe mais liberdade tem para explorar o mundo e tudo o que o rodeia. Se confiarmos no professor podemos abrir-nos mais a nós mesmos para explorar tudo o que for surgindo cá dentro.
Também pode ser positivo que o professor sirva como uma fonte de inspiração, como modelo de alguns comportamentos que gostaríamos de adoptar, como forma de vermos que é possível viver de modo diferente e relacionarmo-nos com outro modo com o que nos rodeia. Isto pode ajudar-nos a perceber que é possível mudar certos comportamentos em nós.
Mas, esta confiança que deve existir dentro da sala de aula, não significa que devemos perder a nossa capacidade de ver aquele professor - sobretudo quando está fora da sala - como apenas um ser humano que está a seguir o seu caminho pessoal, com todos os defeitos e qualidades que todos nós temos. Não significa que tenhamos que idealizar a imagem dessa pessoa.
Quando essa idealização acontece significa que passamos a colocar aquela pessoa num pedestal e isto, só por si, faz com que ela passe a ter a possibilidade de exercer algum poder sobre nós, uma vez que passa a ser vista como alguém que possui um conhecimento superior sobre a vida e sobre o mundo e que, por isso mesmo, está como que num nível superior de evolução. Nestes casos é necessário que o professor saiba estabelecer barreiras e que deixe bem definidos os limites da relação mostrando que está ali para ensinar yoga e não para guiar o aluno em escolhas ou opções pessoais, nem para orientar a sua vida.

Spiritual Bypassing – Evitamento espiritual

O que acontece muitas vezes é que o professor também tem algumas lacunas na sua personalidade e, de certo modo, sentir-se o guia de alguém ajuda a preenchê-las. Assim, se o professor resolve embarcar na fantasia do aluno de que sabe mais do ele sobre a vida e as pessoas ou de que se encontra num outro nível mais elevado estão criadas as condições para esta deixe de ser uma relação positiva, quer para um quer para outro.
Isto pode não trazer consequências graves se o professor não tiver más intenções. Em muitos destes casos o que acontece é que tanto o aluno como o professor ficam convencidos que estão a fazer um trabalho muito profundo quando, na verdade estão a fazer aquilo que a que Robert Augustus, chama Spiritual Bypassing – que podemos traduzir como evitamento espiritual – nestes casos a prática espiritual, em vez de nos ajudar a crescer e de proporcionar um verdadeiro autoconhecimento, serve apenas como uma fuga das emoções difíceis. Muitas pessoas usam a meditação e o yoga como usariam uma droga: para não terem que lidar com determinadas partes de si mesmas que de não gostam ou que têm medo de enfrentar. Nestes casos tanto o professor como aluno embarcam neste evitamento espiritual que acaba apenas por fortalecer cada vez mais as suas defesas e tornar cada vez mais difícil um verdadeiro crescimento.

Os líderes psicopatas

Mas, nos casos em que o professor não tem a melhor das intenções então podem surgir situações de grande sofrimento para os alunos envolvidos. É o que acontece nas seitas que, infelizmente, não são assim tão raras no mundo do yoga. Nestes casos existe um líder que tem quase sempre algumas características específicas que podem ser consideradas como traços de um psicopata: a falta de empatia, a falta de preocupação com os sentimentos dos outros, a motivação para atingir os seus próprios objectivos que normalmente estão ligados à obtenção de uma posição de poder, a capacidade de manipular e mentir apenas para satisfazer os seus interesses, a visão de que as pessoas são simples objectos que podem ser manipulados e usados para conquistar os seus objectivos e satisfação pessoal.
Quando se junta uma personalidade deste tipo com alunos que procuram este sentimento de pertença a um grupo (como quase todos procuramos), com uma prática que naturalmente derruba fronteiras, que pode criar alguma vulnerabilidade, com os elementos que já referimos está criada a receita para algumas situações que podem ser muitos dolorosas para os que se deixam apanhar nelas. Infelizmente isto não é assim tão raro no mundo do yoga e, em países como os E.U.A até já deu origem a alguns processos judiciais, em que os alunos procuram que os líderes os compensem através da justiça por todos os prejuízos que causaram.
            Em Portugal também não são assim tão raros os casos de professores que não têm as melhores motivações e usam o seu poder sobre os alunos para os manipular e para atingir os seus objectivos sem qualquer consideração pelos seus sentimentos ou pelo que será melhor para ele. Infelizmente temos também exemplos no mundo do yoga de professores que usam a sua influência para se insinuarem sexualmente junto das suas alunas e/ou para conseguirem que os alunos lhes deêm cada vez mais dinheiro, influência e poder.
           

Características das seitas                                        


Existem algumas características que são comuns a organizações do tipo das seitas:

Existência de uma figura de liderança inquestionável – este, geralmente é algúem que não se pode questionar e de quem nem se pode falar a não ser que seja para tecer elogios e louvores mas que está omnipresente em todas as actividades da escola. Jonathan Haidt explica que sempre que algo se torna sagrado deixa de ser possível questioná-lo. Isto acontece em todas as sociedades com determinados aspectos que - normalmente estão associados a rituais religiosos - que são repetidos pelas pessoas sem que estas saibam já porque os fazem. O seu carácter sagrado, impede-as de pensar abertamente e de uma forma racional sobre estes comportamentos que assim são perpetuados e repetidos sem que ninguém os ponha em causa. O mesmo acontece neste tipo de escolas ou seitas em que a figura do professor já tem esse carácter sagrado e por isso este pode ter todo o tipo de comportamento – mesmo os mais absurdos – sem que os alunos cheguem alguma vez a questionar a sua pessoa. Estou-me a lembrar do exemplo de um suposto mestre que conheci há uns anos que - entre muitos outros comportamentos duvidosos e sem escrupúlos que eram feitos às escondidas – tinha uma dependência conhecida abertamente de coca-cola, sendo capaz de beber várias latas por dia. Este era um comportamento conhecido de todos e que não será muito próprio de alguém que pretendia passar uma imagem de quem se precupava com a sua saúde e dos outros e seria sem dúvida recriminado se fosse de outra pessoa qualquer: o facto daquela pessoa, naquele meio, ter este estatuto sagrado fazia com nunca se questionassem os seus comportamentos por mais absurdos que estes fossem.

Posições hierárquicas bem definidas – existem normalmente regras rígidas associadas à hierarquia como por exemplo, o uso de um código de cores que permita distinguir os professores mais antigos dos mais novos e os professores dos alunos ou a imposição de regras para o lugar que os alunos ocupam dentro da sala de prática, distinguindo os mais novos dos mais antigos (ou adiantados como por vezes se chamam). Qualquer instituição que pretenda ter algum tipo de autoridade sobre os outros precisa sempre de ter estatutos hierárquicos muito bem definidos para que possa fazer valer essa autoridade. Este tipo de hierarquia leva as pessoas com o estatuto mais baixo a ambicionarem estar entre os mais altos e a sentir que precisam de cumprir as regras do grupo para lá chegarem tornando-as tanto mais submissas quanto maior for o seu desejo de subir na hierarquia e de agradar ao líder. Por vezes acontece que esse líder abre excepções na hierarquia para as pessoas que considera “especiais” e que podem passar a ter um estatuto mais elevado mesmo sem cumprirem os requisitos iniciais todos. Este jogo de poderes, que nunca é feito às claras, cria alguma insegurança nos membros do grupo, insegurança essa que, mais uma vez acaba por levar a um comportamento de maior submissão e a um forte desejo de agradar ao líder.

Segredos – nestas escolas há sempre a ideia de que os alunos ou professores de estatuto superior têm conhecimentos importantes sobre a prática que não podem ser transmitidos a qualquer pessoa. É também propagada a ideia de que o líder da escola tem um conhecimento profundo acerca da vida e do universo, que poderá mudar a vida de quem o partilhar, que só poderá ser divulgado a pessoas da sua mais profunda confiança. Neste tipo de escola está quase sempre latente a ideia de que o aluno tem que mostrar ser digno de conhecer esses segredos e o líder tem que reconhecer que este merece conhecê-los. Isto abre portas a que o aluno – na esperança de obter respostas de que julga precisar para ser mais feliz e poder levar uma vida mais realizada – se torne vulnerável a todo o tipo de manipulação por parte do líder. Em muitos casos isto é usado para conseguir até estabelecer relações sexuais com as alunas (na maioria dos casos em que isto acontece são líderes homens que assediam as alunas) usando vários argumentos e formas de manipulação bem descritas no livro “Sex and the Spiritual Teacher” de Scott Edelstein.

Crítica às restantes escolas -  Neste tipo de escola costuma ser veiculada a ideia de que todos os outros estão errados ou não sabem nada e de que só aquela escola é que ensina o verdadeiro yoga. Uma das melhores formas de prender os alunos a determinada escola é fazê-los acreditar que, saindo dela, nunca mais vão poder aprender nada que valha realmente a pena porque só ali é que se encontra o conhecimento verdadeiro. São usadas até à exaustão palavras como: único, mais completo, primordial, ancestral, excelência, etc. Juntamente com as críticas que vão sendo veiculadas de forma directa ou indirecta acerca das outras escolas há também a tendência para exagerar muito (por vezes até ao ponto do rídiculo) as suas próprias características, como algumas escolas que dizem ter cursos de formação de 6500 horas de aulas efectivas para formar instrutores de yoga em 6 anos o que implicaria que os alunos estivessem em formação cerca de 3 horas por dia, todos os dias do ano, quando esses cursos acontecem apenas um dia por mês em 10 ou 11 meses do ano. 

A noção de ancestralidade – numa escola deste género o líder quer ser visto como alguém todo poderoso e único detentor do conhecimento por isso nunca há uma honestidade acerca das formas como este foi obtido. É muitas vezes veiculada a ideia de que este é um conhecimento muito antigo que foi captado de uma forma quase sobrenatural. Esta ideia faz com os alunos sintam que esse conhecimento é algo de inatingível a menos que seja transmitido pelo grande líder e, ao mesmo tempo, também ajuda a cimentar ainda mais o seu carácter sagrado e inquestionável.

Inimigo comum – nestas escolas, sobretudo nos seus círculos mais internos, é muito comum ser incutida uma espécie de ódio contra uma ou mais escolas concorrentes. Esta escola muitas vezes é justamente a escola onde esse líder teve os seus primeiros contactos com o yoga e onde aprendeu muito daquilo que usa. Uma das melhores formas de fortalecer o espirito de grupo é a criação de um inimigo comum do qual todos precisam de se proteger.

Regras rígidas e bem definidas –não convém que o aluno pense muito por si mesmo e que tenha demasiada liberdade para questionar o que está estabelecido. Costumam existir muitas regras em relação a vários aspectos da prática mas também da vida e comportamento do aluno. Muitas vezes estas regras abrangem até os livros que o aluno pode ler sendo-lhe dada uma bibliografia da qual não é suposto fugir. Estas regras podem abranger também as normas de conduta dos membros do grupo entre si e com o líder e podem até ser feitas insinuações sobre a forma como se deve comportar com amigos e família mesmo fora da escola. Estas regras, como tudo o resto, servem para que seja mais fácil controlar os alunos e manter bem estabelecida a hierarquia.

Elogios e ralhetes desmesurados – os líderes deste tipo de escola, normalmente, são peritos em manipular as pessoas e em conhecer os seus pontos fracos. Tentativas de exortação que alternam por vezes com outras de humilhação em público são muito usadas pelas seitas, com a desculpa de que a pessoa precisa de aprender a por de lado o seu ego e são uma forma de manter a pessoa dependente, submissa e a cumprir todas as regras do grupo.


Implicações de pertencer a uma seita

Estar numa escola deste tipo pode trazer alguns benefícios como o conforto de sentir que estamos integrados num grupo aparentemente unido e com ideais comuns. O problema é que, quase sempre, chega uma altura em que os prejuízos ultrapassam os benefícios: normalmente nessas escolas os alunos são encorajados a passar cada vez menos tempo com a família e os amigos fora do grupo. Porque, quase sempre, para quem está de fora as coisas são muito mais claras estes também podem começar a fazer comentários e afirmações acerca da escola ou do seu líder que os membros da seita levam a mal e que fazem com que sintam incompreendidos e até rejeitados. Assim, se o aluno passar ainda muito tempo envolvido na seita começa a ficar cada vez mais afastado do mundo exterior o que, por um lado, acentua cada vez o seu envolvimento com a seita e faz com que questione cada vez menos tudo o que se passa lá dentro e, por um outro, com que seja cada vez mais díficil sair dela. As seitas deste tipo acabam por criar uma dependência no aluno que sente que, se sair dela, estará sozinho no mundo uma vez que praticamente cortou os laços com todas as relações que tinha anteriormente.
O sentimento de família e pertença que se cria em grupos destes é, quase sempre, não muito verdadeiro porque os membros não podem ter relações verdadeiras de amizade entre si, o que poria em prática todas as estratégias de manipulação do líder que, muitas vezes, passam justamente por por uns contra outros para se ter mais poder sobre cada um individualmente. Como nunca é muito claro de que forma é que alguns membros conquistaram os privilégios que têm também se gera facilmente um clima de invejas e de insatisfação entre os membros que querem sempre fazer parte desse grupo mais pequeno dentro do grupo de priveligiados.

            No ínicio da prática é natural que o aluno se sinta bem com as aulas e goste daquilo que faz, afinal de contas, como já dissemos, o yoga pode trazer efeitos de bem-estar muito agradáveis a quem pratica. Mas, a verdade é que, nestas escolas, normalmente o conhecimento de yoga não é muito porque o seu líder está mais preocupado em obter benefícios pessoais do que em estudar e porque os alunos e restantes professores não têm liberdade suficiente para conhecer outras escolas e nem sequer para ler muitos livros, o conhecimento que têm de yoga acaba por ser muito limitado. No yoga, como em tudo o resto que se queira estudar e conhecer, é preciso liberdade para experimentar, para ler, para procurar, fazer aulas, cursos e workshops com professores diferentes e, se estes forem também de escolas diferentes tanto melhor porque conhecer diferentes visões sobre aquilo que se estuda é sempre enriquecedor e importante. Mas, nestas escolas isso não é possível e, por isso os seus professores acabam por não ter sequer grande conhecimento daquilo que estão a ensinar.
            Isto tem duas consequências importantes: por um lado é a saúde dos seus alunos que muitas vezes é colocada em risco com determinados exercícios que podem não ser adequados a determinadas condições de saúde. Muitas vezes nestas práticas os professores querem fazer aulas exigentes do ponto de vista físico, porque sentem que essa será uma forma de mostrar que sabem mas, como não têm conhecimentos suficientes para lidar com as fragilidades ou desequilíbrios dos alunos ou simplesmente porque não compreendem bem o efeito dos exercícios que estão a pedir-lhes para fazer, acabam por surgir lesões que podem ser mais ou menos graves e ter algumas consequências nefastas. Por outro lado, esta limitação também acaba por ser sentida pelos professores mais dedicados que, naturalmente teriam vontade de estudar e de conhecer mais a fundo aquilo que ensinam mas sentem que não o podem fazer sem entrar em contradição com a escola e assim acabam por viver este conflito que não é muito benéfico.
            Outro dos efeitos negativos destas escolas é justamente o de abalar a confiança que a pessoa tem em si própria: quando alguém está numa destas escolas e passou anos a dizer a si mesmo que determinados comportamentos (como os abraços excessivos do líder, ou o facto de passar horas fechado na sua sala com algumas alunas, ou os elogios excessivos a determinados membros do grupo, ou os preços escandalosos que cobra pelas suas actividades, ou o carro de corrida topo de gama escandaloso em que anda todos os dias, etc) são normais e naturais e a tentar rebater todos os comentários que ouvia de familiares e amigos que estavam de fora e finalmente percebe que todos tinham razão e que afinal nada disso era normal a pessoa acaba por passar por uma fase de desilusão, de humilhação (por não ter visto o que os outros viam) mas também, mais grave de tudo, de falta de confiança em si mesma: porque durante tantos anos não acreditou nos seus próprios olhos.
            Muitas pessoas quando percebem que afinal aquela pessoa que idolatravam não é nada do que pensavam ser acabam por ficar tão desiludidas com o mundo do yoga que nem sequer conseguem voltar à prática. Ficam desiludidas também consigo mesmas por terem sido capazes de viver cegas durante tanto tempo. E o processo de saída de uma escola destas pode ser muito doloroso, sobretudo se a pessoa o fizer sozinha, sem apoio de ninguém. Algumas pessoas que passaram por isso sozinhas confidenciaram-me que, durante muito tempo não conseguiam deixar de sentir que elas é que estavam a fazer algo de errado, tal é a manipulação a que são sujeitas quando lá estão.
            O envolvimento com este tipo de escola faz sempre com a pessoa passe a estar numa posição de fragilidade e de vulnerabilidade que, quanto mais o tempo passa, mais rouba a sua confiança em si mesma, a sua autonomia, a sua capacidade de fazer escolhas e de levar uma vida verdadeiramente feliz, preenchida e realizada.

Laura Sanches

Se quiser ler mais sobre este tema recomendo os seguintes artigos:





E os livros:

Sex and the Spiritual Teacher – Scott Edelstein

Spiritual Bypassing: When spirituality disconnects us from what Really Matters – Robert Augustus Masters