quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Mindfulness e Ansiedade - Viver com Atenção Plena as nossas dores


Há muito tempo que a meditação tem sido reconhecida pela ciência como uma prática com um efeito importante e eficaz para baixar e  controlar os níveis de ansiedade e para contrabalançar os efeitos negativos do stress nas nossas vidas. Existem vários tipos de práticas de meditação diferentes, em várias tradições diferentes pelo mundo fora mas, desde há algum tempo que as investigações científicas se têm concentrado principalmente num tipo específico de meditação, a meditação do tipo Mindfulness, ou meditação da Atenção Plena, em português.
Mindfulness é uma palavra que define uma prática, um treino específico da atenção mas que, ao mesmo tempo, designa também um estado particular de atenção. O estado de mindfulness, tal como o define Kabat-Zinn – um médico e investigador dos E.U.A - implica prestar atenção, de propósito, ao momento presente. Este médico foi um dos grandes responsáveis pela introdução desta prática e pelo reconhecimento dos seus benefícios num contexto mais terapêutico. Nos anos 70 Kabat-Zinn fundou, no hospital onde trabalhava, um curso baseado no mindfulness onde se pretendia ajudar os doentes desse hospital a lidar melhor com todas as condições de saúde que podiam ser agravadas pelo stress, ou que podiam provocar altos níveis de ansiedade (como algumas doenças crónicas ou mesmo terminais). Desde então, o trabalho de Kabat-Zinn deu já origem a uma imensidão de investigações sobre os benefícios desta prática e ao um grande número de correntes terapêuticas que procuram aplicá-la a patologias específicas, como a ansiedade, a depressão, a perturbação borderline da personalidade e até a casos de psicose.

Esta prática tem as suas raízes na tradição budista e um dos primeiros responsáveis pela introdução do termo no ocidente foi Tich Nhat Hanh, um monge vietnamita, de quem Kabat-Zinn foi aluno. Na tradição budista esta é uma prática considerada essencial para a libertação do sofrimento que, na verdade, é a meta de todas as tradições espirituais. 
A psicologia budista ensina-nos que podemos distinguir a dor do sofrimento: a dor é o evento primário, é o algo que acontece, que faz parte da vida e que é inevitável: enquanto tivermos um corpo podemos sempre magoar-nos, ficar doentes, envelhecer, etc; o sofrimento é uma camada extra que acrescentamos às nossas dores e que pode ser evitado se aprendermos como fazê-lo. Para percebermos melhor isto pensemos no seguinte exemplo: estamos na nossa cama e acordamos a meio da noite com vontade de ir à casa de banho, saimos da cama, ainda ensonados, e seguimos pela casa fora em direccção à dita cuja. A meio do caminho batemos com o dedo do pé na esquina de uma mesa e sentimos aquela dor forte que não podemos evitar porque o dedo ficou mesmo magoado. Este é o evento primário, a tal dor que já está presente, que existe e que não pode ser evitada. A seguir o que acontece, de forma automática, é que gera a tal segunda camada, a camada de sofrimento, que pode ser voltada para dentro quando pensamos “porque raio é que não acendi a luz?! Porque é que não calcei o raio das chinelas?!” ou pode ser voltada para fora quando começamos a culpar os outros pelo que aconteceu com pensamentos do género “Quem é que tirou esta mesa do sítio?! Porque é que o meu marido tinha de comprar esta mesa que eu nunca quis aqui e está-se mesmo a ver que só estorva?!” Quando surgem este tipo de pensamentos o que estamos a fazer é a alimentar o nosso sofrimento à volta daquela dor e a torná-la ainda mais intensa. Estes pensamos criam uma tensão à volta daquela dor porque estamos a tentar evitá-la, são pensamos que reforçam uma atitude que nos diz que não gostamos daquela sensação e que queremos evitá-la, eliminá-la o mais depressa possível. Acontece que a dor é um sinal natural do nosso corpo que tem um propósito importante. A dor serve para nos avisar de que qualquer coisa está a acontecer no nosso corpo e precisamos de lhe dar atenção. Neste caso sabemos o que aconteceu, batemos com o dedo na perna da mesa, mas mesmo assim este mecanismo tem um propósito importante: se o dedo estiver partido, por exemplo, a dor torna-se ainda mais intensa para nos impedir de andar, protegendo-nos de um dano ainda maior que poderia acontecer se a ignorássemos e fizéssemos algum tipo de esforço. Então, como estamos a tentar ignorar aquela mensagem do corpo, ele não em outro remédio se não tentar torná-la ainda mais intensa. Por outro lado, este tipo de pensamentos também criam alguma tensão. Se tomarmos consciência da forma como os proferimos, mesmo em silêncio, podemos facilmente verificar que há uma tendência para contrair os maximlares, os ombros, para cerrar os punhos, sinais de tensão corporal. E, essa tensão, por sua vez, também acaba por contribuir ainda mais para o mal-estar que a dor inicial já provocou.
Com o mindfulness aprendemos que podemos observar simplesmente aquela dor, podemos deixar que esteja presente naquele instante, podemos aceitá-la como uma parte integrante da nossa experiência no momento presente. Com o mindfulness percebemos que é natural que esses pensamentos automáticos surjam mas que não precisamos de os alimentar e percebemos que, quando deixamos de lutar com as nossas dores, eliminamos o sofrimento que estamos habituados a criar à volta delas.
Por isso existem muitos estudos que mostram que o Mindfulness é muito eficaz para lidar com os casos de dor crónica, com investigações que demonstram que esta prática pode baixar os níveis de dor ao mesmo tempo que também ensina uma melhor forma de lidar com a dor que ainda resta.
Isto também é válido para as dores da mente, as dores mais emocionais que, na verdade, de um ponto de vista psicofisiológico são tão reais como as físicas. Os nossos pensamentos e as nossas emoções, ou a forma como lidamos com estes, por vezes também nos causam um sofrimento tão intenso como as pancadas ou as quedas que vamos dando pela vida. O sofrimento psicológico vem, quase sempre, dos pensamentos ou emoções que tentamos evitar. Ao longo da nossa vida vamos aprendendo que há certas emoções que são avaliadas, por nós, como sendo desagradáveis ou insuportáveis e vamos acreditando que a única forma de lidar com elas passar por tentarmos eliminá-las ou ignorá-las o mais possível. Mas, na verdade esta luta, além de provocar ainda mais tensão, sofrimento e um enorme desgaste, só acaba por fortalecer ainda mais estes pensamentos e estas emoções. 
Para comprovar isto pode experimentar fazer o seguinte exercício: páre de ler este artigo e, durante os próximos três minutos, tente não pensar num urso branco, pode usar as estratégias que quiser, a única tarefa dos próximos três minutos é não pensar num urso branco.
Wegner era um psicólogo de Harvard que, nos anos 80, usava este exercício para tentar perceber a capacidade que as pessoas tinham de sumprimir pensamentos.
Este investigador fazia experiências em que o tempo era dividido em duas metades e criou dois grupos diferentes em que os procedimentos na primeira metade da experiência eram diferentes: a um dos grupos era pedido que não pensassem num grupo branco e ao outro grupo pedia-se justamente o oposto, que pensassem num grupo branco durante 5 minutos. Durante esse tempo pedia-se às pessoas dos dois grupos que fossem verbalizando os seus pensamentos e que tocassem uma campainha sempre que surgisse um pensamento do urso. Na segunda parte da experiência era pedido aos participantes dos dois grupos que pensassem num urso branco e continuassem a tocar a campainha sempre que o fizessem. O que se verificou foi que as pessoas do primeiro grupo, a quem era pedido que suprimissem os pensamentos acerca do urso branco eram sempre aquelas que, na segunda parte, tocavam mais vezes a campainha. Jonathan Haidt explica que podemos dividir os nossos pensamentos em pensamentos automáticos e pensamentos controlados. Quando estamos aprender a tocar um instrumento, por exemplo, ou a conduzir, precisamos de usar os pensamentos controlados que vão guiando as nossas acções e que, de tempos a tempos, precisam de confirmar se estão a fazer o que é certo. Ou seja, quando estamos a aprender uma determinada tarefa sabemos qual é o desempenho a que queremos chegar e, por isso, com alguma regularidade os nossos processos de pensamento vão comparando o nosso desempenho com esse ideal para fazer os ajustes que forem necessários. Quando já dominamos essa tarefa a comparação deixa de ser necessária e por isso esta pode passar a ser orientada pelos processos de pensamento automáticos que já não nos exigem estar tão atentos ao que estamos a fazer. Então, Haidt (2007) explica que, o que se passa quando estamos a tentar suprimir um pensamento é que estamos a estabelecer um objectivo, logo precisamos de usar os pensamentos controlados para saber se estamos ou não a aproximar-nos desse objectivo.
Neste caso, como sempre que se persegue um objectivo, uma parte da mente automaticamente vai monitorizando o nosso progresso para sabermos se já o atingimos ou se nos estamos a aproximar desse objectivo. Diz Haidt que, se esse objectivo for uma acção no mundo exterior, como aprender um instrumento, por exemplo, isto funciona bem. Mas, o acto de monitorizarmos a ausência de um pensamento introduz esse mesmo pensamento: temos que nos perguntar “já não estou a pensar num urso branco?” com alguma regularidade, para saber se de facto não estamos a pensar num urso branco. Então temos que introduzir regularmente este pensamento na tentativa de o afastarmos. Jonathan Haidt (2007) explica ainda que os processos de pensamento controlados são mais cansativos que os processos de pensamento automáticos. Quando estamos a aprender um instrumento, na fase inicial, ficamos muito mais cansados do que quando já temos algum domínio sobre este, o mesmo se passa quando estamos a aprender a conduzir, por exemplo: esta monitorização constante que faz parte do próprio processo de aprendizagem acaba por se tornar cansativa. Mas, acontece que os processos automáticos são praticamente inesgotáveis então, rapidamente, quando estamos a tentar suprimir um pensamento estes acabam por tomar conta e é como se desatassem de repente a produzir milhares de ursos brancos. Segundo este autor e de acordo com os estudos de Wegner é assim que se geram as obsessões. Os nossos processos automáticos de pensamento geram milhares de pensamentos todos os dias, Haidt defende que aqueles pensamentos de que não nos conseguimos livrar são justamente aqueles que mais tentamos eliminar: quando lutamos com um determinado pensamento, na verdade, acabamos apenas por torná-lo mais forte e cada vez mais presente na nossa mente.
Wegner explica que suprimir pensamentos implica um estado de saber e de não saber ao mesmo tempo, justamente, porque temos que pensar constantemente naquilo em que estamos a tentar não pensar.
            Esta é base para todas as perturbações da ansiedade e também para a as ruminações características da depressão e é este mecanismo que o mindfulness nos pode ensinar a evitar eliminando todo o sofrimento que lhe está associado. Na verdade a nossa capacidade de suprimir pensamos pode funcionar em situações sem tensão com pensamentos que não sejam importantes, por exemplo, se estou descontraída no cinema a ver um filme e me passa pela cabeça que não sei o que hei-de fazer para o almoço do dia seguinte, posso facilmente afastar esse pensamento porque não implica nada de muito importante. Mas se estou presa no trânsito, atrasada para chegar a casa, onde ainda vou ter que cozinhar um jantar importante para alguém do trabalho, por exemplo, com quem faço muitas cerimónias e ainda nem sei bem o que hei-de cozinhar, será bem mais dificil tentar não pensar no assunto.
E, tal como a dor do nosso corpo quando este se magoa tem um papel importante e precioso que não deve ser ignorado, as dores emocionais também nos trazem informações importantes que não devemos descuidar. A ansiedade tem um valor adaptativo porque nos ajuda a prever o que pode correr mal e nos ajudar a estar mais preparados. A zanga tem também um valor importante porque nos mostra que alguma necessidade nossa não foi satisfeita ou respeitada. A tristeza também é importante porque nos diz que ocorreu uma perda, que estamos vulneráveis. Se não aprendermos a escutar estas mensagens o nosso corpo acabará por ser obrigado a dar-nos outras mais fortes que, muitas vezes surgem na forma de doenças que podem ser mais ou menos graves. 
            Com o mindfulness aprendemos a ser mais capazes de respeitar as informações preciosas e importantes que essas dores nos podem trazer. E aprendemos também que não precisamos de entrar em luta com os nossos pensamentos ou com as nossas emoções, aprendemos que podemos simplesmente aceitá-los e deixar que estejam presentes sem termos que nos deixar levar pelo diálogo da nossa mente que nos diz que são pensamentos ou emoçõe perigosas ou negativas e que não deviam estar presentes. Assim, percebemos que não precisamos de criar uma nova camada de sofrimento à volta de cada um das nossas dores e isto deixa-nos muito mais livres para encontrarmos formas mais criativas de lidar com a dor ou, quando não há mesmo nada a fazer, para simplesmente deixarmos que passem, no seu tempo, sem nenhum sofrimento extra adicionado.
O mindfulness, ao ajudar-nos a aceitar as nossas emoções e pensamentos ensina-nos também algo ainda mais importante: aceitarmos-nos a nós mesmos. Com o treino de mindfulness percebemos que não precisamos de passar a vida a lutar com os pensamentos, com as emoções e com quem somos, percebemos que as nossas emoções e os nossos pensamentos estão certos tal como estão. E, com esta base de aceitação que podemos ganhar coragem para mudar realmente aquilo que precisa de ser mudado na nossa vida. É com esta aceitação que percebemos que temos o direito de ser quem somos mas que também temos o direito de mudar e de encontrar formas mais criativas de viver a nossa vida sem termos que nos tornar escravos da ansiedade, dos medos, da tristeza ou das preocupações. O mindfulness dá-nos a liberdade de sabermos que, sejam quais forem as circunstâncias da nossa vida, somos livres para responder mais do que simplesmente reagir ao que acontece. 

Laura Sanches