sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Yoga e Ansiedade nas crianças

Yoga e ansiedade nas crianças 

Muitos pais falam comigo preocupados com os comportamentos ansiosos que vêem nos seus filhos. Porque, infelizmente, são cada vez mais os casos de crianças que sofrem com a tensão em que vivem quase diariamente e são cada vez mais os comportamentos que o demonstram como, por exemplo, dores de cabeça constantes como acontece com algumas crianças que conheço.

E, a maior parte das vezes, estes pais que chegam até mim que, na maior parte dos casos, são pessoas informadas, preocupadas e atentas já ouviram dizer que o yoga pode ser uma boa solução e muitas vezes esta é mesmo a recomendação do médico de família ou do pediatra que segue a criança. Como, além de psicóloga também sou professora de yoga e também já dei aulas de yoga a crianças, então muitas vezes estes pais vêm falar comigo na esperança de encontrarem no yoga uma solução para a ansiedade dos filhos. Mas  verdade é que fico sempre com sentimentos ambivalentes nestes casos, que vou tentar explicar porque surgem.

Benefícios do Yoga para crianças


É verdade que uma prática de yoga pode ter vários benefícios para uma criança. Por um lado, do ponto de vista físico, é importante que as crianças ganhem uma maior consciência do corpo e que aprendam o que podem fazer para o manterem saudável ao mesmo que podem também aprender a ter algum prazer com isso. Também é verdade que as crianças passam cada vez mais tempo sentadas e têm cada vez menos oportunidades de mexer o corpo e de entrar em contacto com ele e de explorar os seus limites, pelo que as aulas de yoga podem ser uma boa altura para o fazerem. Uma vantagem do yoga em relação a outros desportos é o facto de não ter a vertente competitiva que está presente nos outros e que pode ser uma fonte de tensão e de ansiedade para as crianças que, cada vez mais, já estão sujeitas a tantas pressões para serem capazes e para serem as melhores em tantas áreas da sua vida. O yoga pode ser também uma boa forma da criança entrar mais em contacto com as suas emoções e de aprender a adquirir algumas estratégias e ferramentas que lhe permitam geri-las da melhor forma. Através de alguns exercícios de respiração, de relaxamento e de concentração a criança pode aprender a libertar alguma tensão, a estar mais em contacto com o seu mundo interno a ser mais capaz de gerir os seus estados. O yoga pode também ajudar na capacidade de concentração levando a criança a perceber que é possível direccionar a sua atenção e a não ficar tão à mercê das distracções. Se o professor for capaz de transmitir à criança uma atitude de aceitação e de respeito pelo próprio corpo isto pode também ter um papel importante na auto-estima da criança e na criação de uma auto-imagem positiva. Todos estes benefícios têm vindo a ser comprovados por algumas investigações que vão sendo feitas nesta área.

No entanto não acho que o yoga deva ser encarado como a primeira solução para lidar com a ansiedade e insegurança nas crianças. Até porque, as crianças mais ansiosas, são justamente aquelas que terão mais dificuldade em retirar verdadeiros benefícios de uma aula de yoga.


As crianças vivem ainda muito em relação. Os adultos também mas, nas crianças, isto está ainda mais presente. Na infância os relacionamentos que formamos com as pessoas significativas são a fonte mais poderosa de experiências e a que mais contribui para moldar o nosso cérebro e a nossa forma de lidar com o mundo e connosco próprios. As crianças nascem totalmente predispostas para estabelecer relações significativas com as pessoas que cuidam de si. E nascem também com uma tendência inata para confiar nessas pessoas e para verem o mundo através daquilo que elas lhes mostram. Assim, as crianças são autênticos espelhos da forma dos seus pais estarem no mundo. Uma criança procura nos seus pais referências para a forma como se deve comportar, para a forma como deve agir, para a forma como deve lidar com as emoções e sentimentos. 

Os bebés quando nascem passam os primeiros meses num estado de fusão emocional com a mãe, isto quer dizer que, para além de precisarem muito da sua presença e da sua disponibilidade quase constante também acabam por ser um bom reflexo das suas emoções e daquilo que a mãe vai sentido. Se a mãe está ansiosa, por exemplo, os bebés demonstram muito rapidamente essa ansiedade passando a ter um comportamento mais agitado e com mais choro. Observações feitas com mães deprimidas mostraram que os bebés dessas mães apresentavam eles próprios um comportamento semelhante ao da depressão: mostravam muito mais expressões de desconforto de mau-estar do que expressões positivas, tinham episódios de choro mais frequentes do que os filhos de mães não deprimidas e tinham uma maior tendência para se tornarem bebés que mostravam muito pouca vontade de interagir. Isto demonstra que os bebés aprendem com as mães como devem olhar para o mundo e também como olhar para si próprios. Também do ponto de vista neurológico há estudos que mostram que o organismo do bebé tem tendência para se regular através do contacto com o organismo da mãe. Por exemplo, se o bebé está a chorar é muito mais fácil acalmá-lo se a mãe estiver com ele no colo e se mantiver ela própria calma. É como se o organismo mais maduro da mãe mostrasse ao bebé como pode passar de um estado de tensão e mal-estar para um outro estado diferente, de equilíbrio.

Por outro lado, a forma como respondemos aos nossos filhos também vai moldando o seu organismo. Por exemplo, sabe-se que os bebés que são repetidamente expostos a situações de stress - como nos casos em que são deixados a chorar sozinhos – acabam por ter os seus organismos inundados de cortisol, o que faz com o seu hipocampo perca a sensibilidade a esta hormona e deixe de ser capaz de avisar o cérebro que já foi produzida em excesso, o que quer dizer que, o hipotálamo se torna incapaz de desligar a produção de cortisol e a criança passa a viver com a resposta de stress ligada quase de forma permanente. Isto significa que esta será uma criança que terá sempre muita dificuldade em lidar com os desafios. Porque o seu organismo está já num estado permanente de sobrecarga que acaba por provocar um desgaste e fazer com que lhe sobre muito pouca energia extra para lidar com desafios.

Sobretudo durante os primeiros dois anos de vida, o cérebro das crianças está em constante formação. Nesta altura são perdidas e criadas milhares de ligações neuronais. É como se a criança, durante estes dois anos, estivesse a tentar perceber em que tipo de mundo irá viver e tentasse adaptar-se o melhor possível a este. Isto quer dizer que através das experiências que os pais proporcionam ás crianças, ela vai moldando o seu  organismo e o seu cérebro de forma a criar determinados padrões. E estas experiências incluem não só a forma como os pais respondem às suas necessidades mas também a forma como vê os seus próprios pais a lidar com as emoções. As crianças aprendem mais por imitação do que pelo que ouvem e, sobretudo nos primeiros tempos de vida, elas são peritas a sentir mesmo o que não foi dito. Nos dois primeiros anos a criança usa principalmente o lado direito do seu cérebro que está ligado ás emoções e, só a partir dos dois anos de vida, com o desenvolvimento da linguagem é que a criança começa a ser capaz de usar o lado esquerdo que lhe permite racionalizar, analisar e interpretar de forma  mais elaborada o que sente. Isto quer dizer que, nestes primeiros dois anos de vida, criança absorve muita coisa e faz muitas aprendizagens apenas através daquilo que sente com os pais.

Então, quando penso em crianças ansiosas, inseguras ou com alguma dificuldade em lidar com as situações da vida, é inevitável pensar que isso estará, de algum modo ligado ás experiências que viveu com os seus pais. E, se é verdade que os primeiros dois anos de vida são determinantes no que toca a essa moldagem que vai acontecendo, também é verdade que, durante toda a infância continua a existir alguma permeabilidade que permite à criança alterar esses padrões que foram criados. Também é verdade que esta capacidade de alterar esses padrões se mantém até na vida adulta mas, acontece que, na infância, esses padrões ainda não estão tão consolidados o que facilita essa alteração.

Uma das formas mais eficazes de alterarmos os nossos padrões de funcionamento é através das relações que estabelecemos com os outros e criam determinadas experiências dentro de nós, que nos fazem segregar hormonas e neuropéptidos – substâncias que segregamos em função daquilo que sentimos e que têm o poder de influenciar e de alterar a nossa fisiologia. E, se isto é verdade ao longo de toda a vida é ainda mais verdade durante a infância: uma altura em que estamos mais receptivos, mais predispostos a estabelecer relações e deixarmos-nos moldar por elas. Na meditação do tipo mindfulness, por exemplo, que tem vindo a ser comprovada como uma excelente forma de quebrarmos determinados padrões e de alterarmos o nosso funcionamento mesmo ao nível cerebral, o que acontece é justamente o facto de nos tornarmos capazes de estar verdadeiramente em relação connosco próprios e é isso que pode fazer toda a diferença na forma como encaramos a vida.

Então, isto quer dizer que, antes de decidirmos que uma criança ansiosa tem um problema e que precisamos de encontrar estratégias para a ajudar a lidar com ele, podemos pensar que ela está apenas a fazer aquilo que aprendeu connosco ao longo dos seus anos de vida e que, por isso mesmo, uma forma muito eficaz de a ajudar a lidar com a sua ansiedade é aprendermos a lidar com a nossa.

Sem culpas, porque cada pai ou mãe faz exactamente o melhor que sabe fazer com os seus filhos e sem culpas porque apenas podemos dar aos nossos filhos aquilo que aprendemos a dar a nós próprios. Então, se queremos verdadeiramente quebrar o ciclo e ajudar os nossos filhos a lidarem da melhor forma com as suas emoções, precisamos primeiro de aprender a lidar com as nossas. Por isto, dou comigo muitas vezes a dizer aos pais que, em vez, de porem os seus filhos a praticar yoga deviam pensar em ser eles próprios a praticar. Porque, honestamente, se é verdade que as crianças ansiosas ou inseguras podem encontrar no yoga algumas ferramentas que lhes permitam lidar melhor com essa ansiedade, também é verdade que essas crianças aprenderam a sê-lo por causa de todas experiências que viveram com os pais. Então, acredito que a melhor forma de eliminar de vez essa insegurança ou ansiedade é modificar essas experiências.

Muitas vezes, justamente por causa dos nossos receios ou ansiedades acabamos por acreditar que são as pessoas de fora que podem ajudar os nossos filhos  quando a melhor ajuda é nós simplesmente estarmos dispostos a estar presentes, verdadeiramente presentes na relação que temos com eles. Então, muitas vezes os pais fazem o esforço de levar o filho a algum lado para fazer aulas de yoga, incluindo mais uma actividade nas suas agendas já tão preenchidas e atarefadas quando esse tempo seria muito mais bem empregue se o passassem com a criança, criando espaço e oportunidade para estarem verdadeiramente com ela.


A nossa presença, inteira, completa de corpo e coração é o melhor presente que podemos dar a uma criança. E, quando nos tornamos capazes de lhe dar essa presença de forma regular, com que ela possa aprender a contar, estamos a criar-lhe a possibilidade de crescer no verdadeiro sentido do termo. Essa presença dos pais tem um efeito terapêutico muito mais profundo e completo do que aquele que qualquer aula de yoga ou qualquer outra relação lhe pode proporcionar. Uma criança precisa, mais do que tudo de sentir a presença e a aceitação incondicional dos seus pais. É a falta dessa presença - que acontece, a maior parte das vezes, por causa das nossas próprias ansiedades - que está na base de todas as inseguranças com que os nossos filhos lidam. Então, antes de procurarmos no exterior a correcção e a solução para esses medos ou dificuldades que os nossos filhos enfrentam, acredito que faremos muito melhor se as procurarmos em nós mesmos. E isto implica uma grande responsabilidade, sim, é verdade. Mas é uma responsabilidade sem culpa. É uma responsabilidade apenas de nos tornarmos conscientes do nosso poder enquanto pais ou mães de uma criança mas uma responsabilidade onde não entram culpas porque, enquanto pais, também já fomos filhos e fazemos apenas o melhor que nos foi possível aprender com os nossos pais. E sem culpas também porque é essencial que saibamos que é sempre tempo de mudar aquilo que ensinamos e transmitimos aos nossos filhos. Basta tomarmos consciência de que é tempo de lidar com as nossas feridas, é tempo de quebrar o ciclo e basta tomarmos consciência de que os nossos filhos estão sempre prontos, disponíveis para nos receber e para aceitar o que temos para lhes dar, sobretudo quando conseguem sentir que estamos realmente dispostos a tentar fazer diferente.