quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Fazer Asana escutando o Corpo

O mindfulness é um treino da atenção que nos ensina a observar sem julgar. Este treino permite-nos por de parte os comentários, avaliações, julgamentos e análises que a nossa mente faz constantemente e observar a realidade e a nossa experiência tal como elas são. Isto permite-nos entrar muito mais em contacto com o nosso corpo e com as nossas sensações o que, por sua vez, nos permite estar muito mais conscientes das mensagens que este transmite. Acontece que, no nosso percurso de crescimento muitas vezes aprendemos a desligar-nos do corpo. Quando educamos as crianças, muitas vezes, acabamos por lhes transmitir que há determinadas emoções que não são aceitáveis e isso faz com a que a criança passe a negar determinadas partes de si. As emoções sentem-se no corpo, por isso, a única forma da criança deixar de sentir determinadas emoções será passando a ignorar as sensações que estas despertam no corpo.

Outras vezes também acontece que, enquanto crianças, passamos por situações que podem ser demasiado difíceis de assimilar e, por isso, a única forma de lidar com elas será tentando ignorar, de algum modo, as sensações que estas despertam em nós. Deste modo, com o passar dos anos, vamos crescendo e aprendendo a desligar-nos um pouco do corpo. A educação dos nossos dias ajuda ainda mais a efectivar esse desligar na medida em que todas as capacidades intelectuais são muito mais valorizadas, estimuladas e reconhecidas do que a capacidade de estar em contacto com as próprias emoções ou com o próprio corpo.
Com o passar dos anos este desligar cria uma sensação de insatisfação, uma espécie de vazio que não sabemos muito bem como preecher. Porque afastamento do corpo, ao afastar-nos das emoções negativas, também nos impede de saborear verdadeiramente as positivas e então vamos passando pela vida sem saber muito bem como apreciá-la em pleno. A incapacidade de nos ligarmos ao corpo e às emoções também nos impede de fazer verdadeiras escolhas porque para escolher precisamos de escutar as emoções. As escolhas mais importantes são sempre feitas com base nas emoções. Na verdade há estudos que mostram que, em todas as nossas escolhas – mesmo aquelas que pensamos serem mais racionais – são feitas pelas emoções, o racional aparece depois para justificar uma escolha que já foi feita. Estes estudos usam imagens que são projectadas de uma forma tão rápida que a pessoa não tem tempo de, conscientemente, as assimilar. O que se verifica é que, mesmo que a pessoa não chegue a ter tempo de assimilar essas imagens conscientemente, elas continuam a influenciar as decisões que a pessoa toma a seguir. Jonathan Haidt, psicólogo americano e investigador no campo da psicologia moral, explica que as emoções aparecem sempre primeiro e estão por trás de todas as nossas escolhas o que fazemos é, depois, arranjar argumentos racionais que ajudem a explicar essas escolhas.
Por outro lado, também acontece que, as pessoas que têm mais dificuldade em estar em contacto com as suas emoções acabam por ter também muita dificuldade em fazer escolhas, por vezes, até das coisas mais simples. 
Gabor Maté, um médico canadiaano, no seu livro “When the body says No” desenvolve a tese de que este desligar do corpo e das emoções, quando é muito acentuado, acaba por fazer com que se desenvolvam doenças que podem chegar a ser mesmo graves, como o cancro, por exemplo. O que este autor diz é que o corpo fala constantemente connosco, por meio das sensações que transmite, e quando não escutamos as suas mensagens ele precisa de enviar algumas que sejam mais fortes e então surge a doença. Se passámos muito tempo a ignorar as mensagens do nosso corpo é mais provável que essas mensagens se tornem mais urgentes daí que as doenças que acabamos por desenvolver são formas do corpo se fazer escutar e de nos obrigar a parar. Na verdade, as pessoas que conseguem ultrapassar com mais sucesso essas doenças, são justamente aquelas que param mesmo para pensar na vida e que ganham coragem para fazer as mudanças necessárias quando são confrontadas com o seu diagnóstico. Aquelas que querem continuar como se nada fosse e preferem continuar a pensar que está tudo bem – e que, muitas vezes são encaradas como as que estão a lidar melhor com a doença -  mostram as estatísticas que são justamente aquelas que têm mais recaídas e menores probabilidades de sobrevivência. Justamente porque se recusam a ouvir o corpo e as suas mensagens.
Então, podemos usar a nossa prática de mindfulness yoga para aprender a ouvir mais o nosso corpo, para estarmos mais receptivos e em sintonia com as mensagens que ele nos transmite. Uma das ferramentas que podemos usar para o fazer é a nossa prática de asana. Quando fazemos asana (as posturas do yoga), especialmente aqueles que são mais difíceis para nós, o corpo dá-nos uma série de mensagens: podemos sentir os músculos a alongar ou a serem fortalecidos, podemos tomar consciência dos músculos que não estão a ser usados e que podem permanecer totalmente relaxados, podemos aperceber-nos das tensões desnecessárias que estamos a criar, etc. Mas acontece que, no meio destas mensagens do corpo, surgem também os pensamentos, as avaliações e os julgamentos: a nossa mente começa a tecer vários comentários e julgamentos sobre aquelas sensações dizendo-nos que não somos capazes de as aguentar, ou que algo de mau vai acontecer se insistirmos, ou que não temos força suficiente, ou que não somos flexíveis, ou que aquilo é muito difícil para nós,etc. E, a maioria das vezes, são estas mensagens que nos levam a desfazer um asana, mais do que uma verdadeira necessidade do nosso corpo. Então, é um exercício importante de auto-conhecimento aprendermos a ser capazes de distinguir as mensagens da nossa cabeça, os comentários constantes, das verdadeiras mensagens do nosso corpo. Quando fazemos um asana podemos ter a intenção de escutar verdadeiramente o corpo e só sair desse asana quando for o corpo a dizer-nos que já obteve tudo o que precisa de obter daquele exercício.
Se conseguirmos fazê-lo, o que nem sempre é fácil, damos mais um passo para criar uma verdadeira intimidade e aceitação com o corpo e connosco mesmos.
Outras vezes também pode acontecer o contrário: o corpo está cansado da posição, mas a cabeça diz que é preciso aguentar porque temos que nos esforçar, porque queremos melhorar ou porque ainda ninguém desfez, ou porque achamos que precisamos de ir mais longe na posição e, quando isto acontece, é muito fácil magoarmos-nos. Principalmente se o fazemos repetidamente, aí podemos mesmo criar lesões crónicas ou até com alguma gravidade. Nestes casos o exercício de ouvir o nosso corpo e reconhecer as suas mensagens é também um exercício de aceitação: aceitação dos nossos limites e aceitação da realidade, do nosso corpo, tal como ele é e não como gostaríamos que fosse. Esta também é uma aprendizagem essencial porque muitas vezes passamos uma boa parte da vida a lutar connosco mesmos, a achar que precisamos de ser diferentes e, só quando largarmos essa luta é que teremos verdadeiramente espaço para crescer, para sermos felizes e para levarmos uma vida mais saudável e equilibrada em todos os sentidos.

Laura Sanches

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