Durante muito tempo a Psicologia dedicou-se sobretudo ao estudo da patologia e da doença mental, procurando compreender e caracterizar as várias perturbações psicológicas e o seu funcionamento. Não havia, até há pouco tempo atrás, uma grande preocupação em saber como é que as pessoas saudáveis viviam e prosperavam mas sim uma preocupação de saber como funcionavam as pessoas doentes e o que caracterizava as diferentes perturbações psicológicas.
Bases da Psicologia Positiva
O trabalho de alguns psicólogos humanistas, principalmente, nos anos 60 e 70, lançou algumas bases para o estudo daquilo que caracteriza as pessoas mais felizes e realizadas. Mas, no entanto, este trabalho não tinha uma base científica tão rigorosa como aquela que procura manter hoje em dia a Psicologia Positiva. Gable e Haidt (2005) lembram que já em 1902 William James falava em “Healthy Mindedness”, preocupando-se também com o constituia a saúde mental.
Abraham Maslow também procurou analisar as características daquilo a que chamou Self-Actualizers – as pessoas que procuravam fazer uso de todo o seu potencial e que, por isso mesmo, pareciam ser pessoas mais felizes e mais saudáveis do ponto de vista psicológico.
Carl Rogers, deu também o seu contributo nesta área com a sua descrição da pessoa totalmente funcional: uma pessoa mais em contacto consigo mesma, com a totalidade do seu organismo e, por isso, uma pessoa com maior capacidade para fazer uso de todas as suas capacidades e para se sentir realizada em todos os níveis da sua vida.
Mas, foi com o trabalho de Martin Seligman que esta área começou a ser de facto reconhecida. Foi nos anos 90 que Seligman, que foi eleito presidente da American Psychological Association em 1998, contribuiu para a criação a primeira secção de Psicologia Positiva dentro da American Psychological Association.
Em Janeiro de 2000 Seligman e Csikszentmihaly publicaram uma edição do American Psychologist inteiramente dedicada à Psicologia Positiva e, desde então, esta área tem-se desenvolvido rapidamente, com cursos, artigos, livros, sites na internet, bolsas de investigação e conferências pelo mundo inteiro.
No seu discurso de tomada de posse, Seligman, defendeu a importância da Psicologia Positiva salientando a importância de ser criada uma ciência das forças e virtudes, que alimentasse o que há de melhor em nós mesmos (in Christopher, Richardson, Slife, 2008).
Nesta conferência Seligman descreveu também o que considera serem os três pilares da Psicologia Positiva: o estudo das emoções positivas, o estudo dos traços de carácter positivos (as forças e virtudes) e o estudo das instituições que facilitam o desenvolvimento dos dois primeiros.
O livro “Character Strenghths and virtues: A Handbook and Classification”, de Seligman e Peterson, é uma das obras que marcam esta área de estudo e pretende ser uma espécie de oposto e, ao mesmo tempo, de complemento à DSM, descrevendo as forças e as virtudes que permitem às pessoas desenvolver-se positivamente. O livro tem por base seis virtudes que são reconhecidas em todas as culturas: coragem, sabedoria, humanidade, justiça, temperança e transcendência. Dentro de cada virtude foram identificadas várias forças.
De um ponto de vista clínico, o trabalho dos psicólogos e terapeutas, mais do que procurar corrigir o que a pessoa tem de errado, deverá passar, com base neste trabalho de classificação, pela descoberta e fortalecimento dessas forças e virtudes. É através do conhecimento destes aspectos de nós mesmos e através da compreensão de como melhor podemos usá-los e aplicá-los na nossa vida diária que, segundo Seligman e outros autores da Psicologia Positiva, podemos tornar-nos pessoas cada vez mais felizes, realizadas e satisfeitas com as nossas vidas.
Percurso da Psicologia Positiva – a Desesperança Aprendida
Uma das características que distingue esta área da Psicologia é o seu grande investimento na investigação e a tentativa de basear sempre em estudos empíricos as teorias que vão surgindo acerca dos aspectos positivos da pessoa.
Assim, a Psicologia Positiva começou por surgir, como o próprio conta, com os trabalhos de Martin Seligman acerca daquilo a que se chamou desesperança aprendida.
Nos anos 60, este autor, começou a sua carreira de investigação em Psicologia com uma investigação com cães em que estes eram submetidos a choques eléctricos. Mas havia três grupos diferentes de cães: um a quem não eram dados os choques, outro em que os cães podiam aprender a saltar uma cancela para se livrarem dos choques e um último em que não havia nada a fazer e os choques aconteciam, imprevisivelmente e sem poderem ser evitados.
Depois desta primeira fase, os dois grupos de cães eram postos em situações onde tinham sempre a opção de aprender a movimentar uma cancela para parar os choques. Mas, o que acontecia, era que, os cães que, na primeira fase da experiência, não tinham tido qualquer oportunidade de controlar os choques, nesta segunda fase nem sequer o tentavam fazer, mostrando um comportamento apático e deprimido. Isto não acontecia com os cães a quem tinha sido dada a oportunidade de eliminar os choques aprendendo a saltar a cancela. Ao comportamento deprimido, apático e de desistência dos cães que não tinham podido aprender a controlar os choques na primeira fase, chamou-se Desesperança Aprendida, porque essa impossibilidade de controlar uma situação dolorosa parecia ter sido aprendida e alargada para outros aspectos das suas vidas.
Depois de perceberem que podiam fazer os cães aprender este comportamento de desesperança aprendida, Seligman e os seus colegas quiseram saber se seria possível tornarem os cães imunes a ele. E descobriram que, se ensinassem os cães a saltar a barreira, insistindo o suficiente para eles perceberem que o podiam fazer sozinhos e que as suas acções contavam, estes ficavam imunes à desesperança.
Na mesma altura, na Europa em Edimburgo, por coincidência, havia também cientistas a fazer experiências muito parecidas com porquinhos da índia. Nestas experiências havia dois grupos de porquinhos que eram postos a nadar em recipientes que continham água turva com leite, em que não era possível ver-se o fundo. Um dos grupos destes porquinhos, tinha dentro de água uns montinhos (que não se podiam ver) em que, de vez em quando, podiam parar de nadar e recuperar as forças. O outro grupo tinha que nadar o tempo todo em que estivessem dentro do recipiente, para não se afogarem, porque não tinha onde se apoiar. Na segunda fase da experiência, todos os porquinhos passavam a estar dentro de recipientes com montinhos escondidos, onde poderiam descansar. Mas, tal como o que se passava com os cães, os porquinhos que, na primeira fase, não tinham tido montinhos para descansar, pareciam muito mais agitados quando estavam dentro de água e acabavam por aguentar muito menos tempo a nadar, ao passo que os outros nadavam tranquilos e aguentavam mais do dobro do tempo dentro de água.
Mas, o que espantou Seligman nestes estudos, foi o facto de, em todos os grupos de cães (e também de porquinhos), todas as vezes que a experiência foi repetida havia sempre alguns que, por mais que permanecessem numa situação desagradável que não podiam controlar, nunca chegavam a apresentar este comportamento de desesperança aprendida. E, por contraste, havia também outros que, nunca tendo estado na situação sem controlo, apresentavam já desde o início uma falta de vontade de tentar controlar a situação, como se fossem já desistentes desde sempre.
Nos anos 70 Seligman trabalhou com um outro investigador, Hiroto que aplicava estes estudos a pessoas, submetendo-as a ruídos desagradáveis, ou dando-lhes problemas insolúveis para resolver, descobrindo que uma em cada 3 pessoas que tentava tornar desesperadas nunca chegava a ficar. E tanto nas pessoas como nos cães, uma em cada 10 já era desesperado desde o ínicio, mesmo que ficassem na condição em que não eram submetidos a nenhum estímulo desagradável.
Na verdade, um em cada 3 nunca desistia, independentemente do que se fizesse. E um em cada 8, já era desesperado desde o ínicio, não sendo precisas experiências para os fazer desistir.
Segundo conta Seligman, foram estes indídividuos de excepção, que fugiam à norma, que o fizeram questionar-se o que é que estes teriam de diferente dos outros e surgiu assim o seu interesse em tentar perceber o que é que levava alguns a nunca desisitir e outros a nem sequer tentar.
Optimismo vs. Pessismo – diferenças na explicação dos eventos
E assim, sugiram os primeiros passos na Psicologia Positiva. Seligman, que se dedicou então a tentar perceber as diferenças entre estes dois grupos de pessoas, concluiu que uma das coisas que parece determinante para a forma como escolhemos continuar sempre a lutar ou, pelo contrário, desistir facilmente, tem a haver com a forma como explicamos as situações a nós mesmos, com o nosso diálogo interno, com a forma como interpretamos as coisas boas e más que nos acontecem. Nasceram assim os primeiros estudos sobre o Optimismo que Seligman se tem dedicado a compreender. Para este autor o Optimismo ou Pessimismo representam um estilo explicativo, uma forma de explicarmos a nós mesmoas as coisas boas e más que nos vão acontecendo.
Uma pessoa optimista é uma pessoa que espera com frequência que coisas boas aconteçam, é uma pessoa com mais confiança no futuro e nas suas próprias capacidades de o enfrentar. Assim, uma pessoa bastante optimista dificilmente desisistirá de voltar a tentar independentemente dos desafios que lhe sejam colocados. Já uma pessoa pessimista é alguém que com frequência acredita que lhe irão acontecer coisas más, por isso nem vale muito a pena tentar contrariá-las. As pessoas optmimistas seriam aquelas que, por mais condições negativas que enfrentassem, nunca desistiriam. As pessoas pessimistas seriam as que, desde o ínicio, nem tentariam encontrar uma forma de controlar a situação, mesmo que essa oportunidade existisse.
O optimismo tem duas dimensões que podem ser avaliadas: a permanência - acreditarmos ou não que os bons eventos têm probabilidades elevadas de acontecer; e a penetrabilidade - a extensão com que os eventos contaminam ou não as diferentes áreas da nossa vida.
O Optimismo e suas repercussões
O optimismo como uma estratégia comportamental que nos permite ser mais felizes e até mesmo ter mais sucesso e saúde nas nossas vidas, tem vindo a ser muito pesquisado dentro da Psicologia Positiva. E as investigações mostram que este está, normalmente, associado a um melhor desempenho académico e desportivo, a um melhor ajustamento ocupacional e melhor vida familiar. O optimismo também prediz um melhor desempenho nas vendas e em outras profissões que impliquem uma grande dose de frustações. No casamento, o optimismo prediz uma maior satisfação e maior número de interacções positivas.
Um estudo de Seligman e Zullow, que analisou os discursos de várias figuras públicas mostra que o optimismo prediz o sucesso na vida pública e a probabilidade de se vir a ser eleito presidente dos E.U.A.
As pessoas optimistas são mais felizes e mais saudáveis. O optimismo e a esperança estão associados a um melhor funcionamento do sistema imunitário. Num estudo de 200 pacientes, os optimistas tinham mais 19% de longevidade que os pessimistas.
Um estudo importante para estas investigações foi a análise dos diários de 180 freiras desde a altura em que ingressaram numa ordem religiosa. Com este estudo descobriu-se que 90% das freiras do quarto mais alegre ainda estava viva aos 85 anos, enquanto que apenas 34% das freiras do quarto menos alegre chegou a essa idade. Aos 94% anos chegaram 54% do quarto mais alegre e apenas 11% do quarto menos alegre.
Seligman defende também que o pessimismo é um traço importante da ansiedade e da depressão. A desesperança aprendida e a depressão aparentemente têm a mesma química cerebral e podem ser ambas aliviadas pelos mesmos fármacos. As pessoas deprimidas e aquelas que são levadas a um estado de desesperança aprendida têm o mesmo tipo de sintomas: passividade, falta de apetite, apatia, desinteresse, aprendem mais devagar, e mostram-se mais tristes e ansiosas do que as pessoas que não estão deprimidas.
Boas notícias da Psicologia Positiva
Mas, uma das virtudes do trabalho de Seligman e de outros investigadores, é justamente a demonstração de que é possível passarmos de um estilo pessimista a um mais optimista. À semelhança do que defende a Psicologia Cognitiva, que sublinha a importância de aprendermos a reconhecer os nossos pensamentos como influenciadores ou criadores das nossas emoções, Seligman desenvolveu estratégias que servem para desenvolver um tipo de pensamento optimista e que descreveu, pela primeira vez, no seu livro: “Learned Optimism: How to change Your Mind and Your Life.”, cuja primeira edição data de 1990.
Outros tópicos que têm vindo a ser estudados dentro da Psicologia Positiva prendem-se com a satisfação geral com a vida, a felicidade, o flow (um estado que tem vindo a ser associado ao crescimento psicológico, criatividade e capacidade de levar uma vida mais preenchida e satisfatória), etc.
A gratidão também tem vindo a ser muito estudada dentro desta área, como uma estratégia que nos permite viver melhor, com mais tranquilidade, saúde e bem-estar. De acordo com Emmons (2009), que escreveu o livro, “Obrigado!” com base nos anos de investigação em que se tem dedicado a este tema, as pessoas agradecidas sentem mais alegria, entusiasmo, amor, felicidade e optimismo, lidam mais eficazmente com o stress pós-traumático, recuperam mais rapidamente da doença e têm melhor saúde física. A gratidão também melhora as relações e leva a um maior sentimento de conexão e ao altruísmo, maximiza a nossa apreciação do bem. Diz Emmons (2009) “A felicidade é facilitada quando apreciamos aquilo que nos foi dado, quando desejamos o que
temos.” Este autor defende também que, tal como descreve no seu livro, Obrigado! é possível encontrarmos estratégias para nos tornarmos pessoas mais gratas e, consequentemente, mais felizes.
Relativamente à satisfação com a vida, curiosamente e contrariamente ao que muitas vezes temos tendência a pensar, as investigações nesta área demonstram que a maioria das pessoas, no mundo inteiro, tem pontuações acima do neutro em escalas que medem a satisfação com a vida, até mesmo as pessoas com vidas que podemos considerar mais miseráveis, como por exemplo um grupo de prostitutas habitantes de um dos bairros de lata mais pobres do mundo, em Calcutá, que apresentavam níveis relativamente satisfatórios de satisfação com as suas vidas. Outro aspecto importante que a Psicologia Positiva nos tem ajudado a comprovar e que, neste caso, vai exactamente de encontro ao que muitos de nós sempre sentiram, é que, ao que parece, os aspectos que mais contribuem para esta satisfação geral com a vida, não são os materiais. No caso deste grupo de prostitutas, por exemplo, as que se mostravam mais satisfeitas eram justamente aquelas que relatavam ter as relações familiares mais satisfatórias e preenchedoras.
Laura Sanches
BIBLIOGRAFIA
Carr, A. (2003), Positive Psychology: The Science of Happiness and Human Strengths. Routledge.
Christopher, Richardson, Slife (2008), Thinking Through Positive Psychology. Theory Psychology (18) 555
Emmons, R. (2009), Obrigado: Como a Gratidão pode Torná-lo mais Feliz. Estrela Polar.
Gable, S. and Haidt, J. (2005) What (and why) is Positive Psychology, Review of General Psychology, Vol. 9 (2)
Linley, A. (2006), Counselling Psychology’s Positive Psychological Agenda: a Model for Integration and Inspiration. The Counselling Psychologist, 2006, Vol. 34 (2).
Seligman, M. (2006), Learned Optimism: How to change your mind and your life. Vintage Books.
Seligman, M. (2002), Authentic Happiness: Using the new Positive Psychology to realize your potential for lasting fulfilment. Nicholas Brealley Publishing.
Seligman, M., Csikszentmihaly, M. (2000), Positive Psychology: an Introduction. American Psychologist. Vol. 55 (1)
Seligman, M., Steen, T., Park, N. and Peterson, C. (2005), Positive Psychology Progress. American Psychologist, Vol. 60 (5).
2 comentários:
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