sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Seitas no mundo do Yoga


No dicionário podemos encontrar a definição de seita como uma doutrina ou sistema que se afasta da crença geral ou como um grupo de pessoas que professam uma religião diversa da geralmente seguida. Hoje em dia esta é uma palavra que é usada, geralmente, com uma conotação negativa e atribuída a grupos marginais da sociedade que vivem de uma forma que não é bem aceite ou compreendida pelos demais.
Neste artigo vamos usar a palavra seita para definir um certo grupo ou escola que vive fechada sobre si mesma e é liderada por uma figura de autoridade inquestionável para os seus membros mas questionável aos olhos de todos os outros que estão por fora desse grupo.

Necessidade de pertença a um grupo                 

Todos nós, enquanto pessoa, temos necessidade de sentir que pertecemos a um grupo. Segundo Jonathan Haidt, investigador e psicólogo, faz parte do ser humano esta necessidade de sentir que pertecemos a algo maior do que nós próprios. Segundo este nós não somos animais solitários, o ser humano, enquanto espécie, evoluiu como membro de um grupo e, por isso precisamos de nos sentir integrados e acolhidos para sermos felizes e nos sentirmos seguros e preenchidos. Para este psicólogo é esse um dos grandes benefícios da religião: dar-nos essa sensação de que pertecemos a algo maior do que nós mesmos, essa sensação que o nosso eu individual pode fazer parte de algo maior, mais profundo e mais intenso. É também isso que nos faz gostar de estar no estádio cheio de gente a torcer pela mesma equipa, ou num concerto por exemplo. Quando estamos no meio de uma multidão com objectivos comuns isso faz-nos esquecer temporariamente o nosso eu pequenino, sozinho e limitado e dá-nos uma sensação de sermos maiores, mais fortes, mais capazes e mais espaçosos. Por momentos cria-se a sensação de que somos o grupo todo e esse grupo é algo mais poderoso e intenso do que apenas a soma de todos os eus individuais que o constituem. Nas sociedades orientais, que são mais sacralizadas, está mais presente essa dimensão do grupo no dia a dia das pessoas. No ocidente valorizamos mais o indivíduo que o grupo e isso, por vezes, pode trazer-nos uma certa sensação de vazio por falta desse sentimento de pertença.
Todas as actividades espirituais, como o yoga ou a meditação, podem ajudar-nos a resgatar esse sentimento que não somos só este eu limitado e fechado dentro deste corpo. O Yoga e a meditação podem ajudar-nos a expandir as fronteiras do nosso eu e a viver mais facilmente essa sensação de sermos mais e maiores do que aquilo que geralmente percepcionamos na nossa vida diária.
Se essas actividades acontecerem dentro de um grupo com os mesmos objectivos e interesses essa sensação grupal torna-se ainda mais forte e isto pode ter consequências positivas na nossa vida. O problema acontece quando esse grupo é liderado por alguém que não tem os melhores interesses de cada um dos seus membros em mente. Infelizmente isto é o que acontece em algumas escolas de yoga hoje em dia.

Efeitos do Yoga e Meditação

Quando praticamos yoga ou meditação entramos em contacto com muitas partes de nós que nos eram desconhecidas até então. Isto quer dizer que descobrimos uma outra dimensão do nosso eu, da nossa personalidade e, se por um lado isto nos pode abrir portas para uma existência mais feliz e preenchida também é verdade que nos pode tornar mais vulneráveis e trazer consigo uma certa sensação de fragilidade. Quando temos a coragem de nos aventurar dentro de nós mesmos e de mergulhar nas profundezas da nossa psique nem sempre gostamos daquilo que encontramos à primeira vista. Pode começar por surgir um sentimento de desorientação: porque nos deparamos com algo novo, podemos não saber o que fazer com essas descobertas. Podem também ficar abaladas algumas certezas que julgávamos ter acerca da vida, de nós mesmos e do mundo e isso pode dar-nos uma sensação de que estamos perdidos sem saber muito bem o que fazer com esses novos insights que tivemos e sem uma estrutura que nos permita enquadrá-los.
Podemos também ficar desiludidos com as descobertas que fazermos acerca de nós mesmos, não gostando do que encontramos cá dentro quando decidimos olhar para nós verdadeiramente pela primeira vez. Isto pode trazer consigo um sentimento de insatisfação, de tristeza ou de zanga.
Por outro lado, quando praticamos yoga ou meditação podem também surgir sensações agradáveis que desconhecíamos e que ficamos com vontade de voltar a ter porque nos mostram que esse vazio que nos trouxe à prática está a ser preenchido e de que estamos no caminho de algo muito bom e gratificante.
Todas estas sensações, más ou boas, nos colocam numa certa posição de vulnerabilidade. O simples facto de nos predispormos a olhar para dentro sem fazer ideia daquilo que iremos encontrar já nos coloca numa posição um pouco vulnerável. Para olhar para dentro, verdadeiramente, precisamos de estar disponíveis e abertos para o que quer que possa surgir. Então torna-se importante que sejamos capazes de confiar na pessoa que está a dirigir a prática, confiar no seu conhecimento técnico mas e, acima de tudo, nas suas boas intenções, confiar que não está ali para nos julgar, avaliar, que não está ali para nos manipular, que está a dirigir a prática com o nosso bem-estar em mente e não o seu próprio bem. Esta confiança não significa que precisemos de acreditar que aquela pessoa é, de algum modo, superior a nós. Não precisamos de acreditar que é mais ou melhor que nós, precisamos de acreditar simplesmente que aquela pessoa tem algum conhecimento sobre a prática que está a orientar, sobre os seus efeitos nos alunos e que tem o nosso bem-estar em mente quando está a dirigi-la.

Efeitos da prática e relação com o professor que a conduz

Mas, acontece que quando descobrimos que uma prática de yoga ou de meditação pode ter efeitos tão profundos sobre nós torna-se muito fácil passarmos a associar esses efeitos à pessoa que dirige a prática, à pessoa que nos apresentou a essa prática. Por outro lado, um professor de yoga – dentro da aula – geralmente serve como uma espécie de modelo de algo que queremos conquistar: se vamos para o yoga à procura de uma sensação de paz e de bem-estar é muito natural que achemos que aquele professor tem toda essa paz que procuramos, se vamos à procura de auto-conhecimento é natural que também pensemos que aquele professor já fez esse percurso. Há sempre uma tendência do aluno para achar que o professor tem todas as respostas que este gostaria de obter e que já fez todo o percurso que este gostaria de fazer.
Até certo ponto é perfeitamente natural e desejável até que assim seja. Quanto mais confiarmos na pessoa que está a dirigir a prática mais nos entregamos à prática e mais benefícios acabamos por obter. Só confiando nas boas intenções da pessoa que dirige a prática é que podemos abrir-nos totalmente a esta e aos seus efeitos. Então um professor em quem confiamos é como uma mãe em que o filho confia para explorar o mundo: quanto mais a criança confia na presença da mãe mais liberdade tem para explorar o mundo e tudo o que o rodeia. Se confiarmos no professor podemos abrir-nos mais a nós mesmos para explorar tudo o que for surgindo cá dentro.
Também pode ser positivo que o professor sirva como uma fonte de inspiração, como modelo de alguns comportamentos que gostaríamos de adoptar, como forma de vermos que é possível viver de modo diferente e relacionarmo-nos com outro modo com o que nos rodeia. Isto pode ajudar-nos a perceber que é possível mudar certos comportamentos em nós.
Mas, esta confiança que deve existir dentro da sala de aula, não significa que devemos perder a nossa capacidade de ver aquele professor - sobretudo quando está fora da sala - como apenas um ser humano que está a seguir o seu caminho pessoal, com todos os defeitos e qualidades que todos nós temos. Não significa que tenhamos que idealizar a imagem dessa pessoa.
Quando essa idealização acontece significa que passamos a colocar aquela pessoa num pedestal e isto, só por si, faz com que ela passe a ter a possibilidade de exercer algum poder sobre nós, uma vez que passa a ser vista como alguém que possui um conhecimento superior sobre a vida e sobre o mundo e que, por isso mesmo, está como que num nível superior de evolução. Nestes casos é necessário que o professor saiba estabelecer barreiras e que deixe bem definidos os limites da relação mostrando que está ali para ensinar yoga e não para guiar o aluno em escolhas ou opções pessoais, nem para orientar a sua vida.

Spiritual Bypassing – Evitamento espiritual

O que acontece muitas vezes é que o professor também tem algumas lacunas na sua personalidade e, de certo modo, sentir-se o guia de alguém ajuda a preenchê-las. Assim, se o professor resolve embarcar na fantasia do aluno de que sabe mais do ele sobre a vida e as pessoas ou de que se encontra num outro nível mais elevado estão criadas as condições para esta deixe de ser uma relação positiva, quer para um quer para outro.
Isto pode não trazer consequências graves se o professor não tiver más intenções. Em muitos destes casos o que acontece é que tanto o aluno como o professor ficam convencidos que estão a fazer um trabalho muito profundo quando, na verdade estão a fazer aquilo que a que Robert Augustus, chama Spiritual Bypassing – que podemos traduzir como evitamento espiritual – nestes casos a prática espiritual, em vez de nos ajudar a crescer e de proporcionar um verdadeiro autoconhecimento, serve apenas como uma fuga das emoções difíceis. Muitas pessoas usam a meditação e o yoga como usariam uma droga: para não terem que lidar com determinadas partes de si mesmas que de não gostam ou que têm medo de enfrentar. Nestes casos tanto o professor como aluno embarcam neste evitamento espiritual que acaba apenas por fortalecer cada vez mais as suas defesas e tornar cada vez mais difícil um verdadeiro crescimento.

Os líderes psicopatas

Mas, nos casos em que o professor não tem a melhor das intenções então podem surgir situações de grande sofrimento para os alunos envolvidos. É o que acontece nas seitas que, infelizmente, não são assim tão raras no mundo do yoga. Nestes casos existe um líder que tem quase sempre algumas características específicas que podem ser consideradas como traços de um psicopata: a falta de empatia, a falta de preocupação com os sentimentos dos outros, a motivação para atingir os seus próprios objectivos que normalmente estão ligados à obtenção de uma posição de poder, a capacidade de manipular e mentir apenas para satisfazer os seus interesses, a visão de que as pessoas são simples objectos que podem ser manipulados e usados para conquistar os seus objectivos e satisfação pessoal.
Quando se junta uma personalidade deste tipo com alunos que procuram este sentimento de pertença a um grupo (como quase todos procuramos), com uma prática que naturalmente derruba fronteiras, que pode criar alguma vulnerabilidade, com os elementos que já referimos está criada a receita para algumas situações que podem ser muitos dolorosas para os que se deixam apanhar nelas. Infelizmente isto não é assim tão raro no mundo do yoga e, em países como os E.U.A até já deu origem a alguns processos judiciais, em que os alunos procuram que os líderes os compensem através da justiça por todos os prejuízos que causaram.
            Em Portugal também não são assim tão raros os casos de professores que não têm as melhores motivações e usam o seu poder sobre os alunos para os manipular e para atingir os seus objectivos sem qualquer consideração pelos seus sentimentos ou pelo que será melhor para ele. Infelizmente temos também exemplos no mundo do yoga de professores que usam a sua influência para se insinuarem sexualmente junto das suas alunas e/ou para conseguirem que os alunos lhes deêm cada vez mais dinheiro, influência e poder.
           

Características das seitas                                        


Existem algumas características que são comuns a organizações do tipo das seitas:

Existência de uma figura de liderança inquestionável – este, geralmente é algúem que não se pode questionar e de quem nem se pode falar a não ser que seja para tecer elogios e louvores mas que está omnipresente em todas as actividades da escola. Jonathan Haidt explica que sempre que algo se torna sagrado deixa de ser possível questioná-lo. Isto acontece em todas as sociedades com determinados aspectos que - normalmente estão associados a rituais religiosos - que são repetidos pelas pessoas sem que estas saibam já porque os fazem. O seu carácter sagrado, impede-as de pensar abertamente e de uma forma racional sobre estes comportamentos que assim são perpetuados e repetidos sem que ninguém os ponha em causa. O mesmo acontece neste tipo de escolas ou seitas em que a figura do professor já tem esse carácter sagrado e por isso este pode ter todo o tipo de comportamento – mesmo os mais absurdos – sem que os alunos cheguem alguma vez a questionar a sua pessoa. Estou-me a lembrar do exemplo de um suposto mestre que conheci há uns anos que - entre muitos outros comportamentos duvidosos e sem escrupúlos que eram feitos às escondidas – tinha uma dependência conhecida abertamente de coca-cola, sendo capaz de beber várias latas por dia. Este era um comportamento conhecido de todos e que não será muito próprio de alguém que pretendia passar uma imagem de quem se precupava com a sua saúde e dos outros e seria sem dúvida recriminado se fosse de outra pessoa qualquer: o facto daquela pessoa, naquele meio, ter este estatuto sagrado fazia com nunca se questionassem os seus comportamentos por mais absurdos que estes fossem.

Posições hierárquicas bem definidas – existem normalmente regras rígidas associadas à hierarquia como por exemplo, o uso de um código de cores que permita distinguir os professores mais antigos dos mais novos e os professores dos alunos ou a imposição de regras para o lugar que os alunos ocupam dentro da sala de prática, distinguindo os mais novos dos mais antigos (ou adiantados como por vezes se chamam). Qualquer instituição que pretenda ter algum tipo de autoridade sobre os outros precisa sempre de ter estatutos hierárquicos muito bem definidos para que possa fazer valer essa autoridade. Este tipo de hierarquia leva as pessoas com o estatuto mais baixo a ambicionarem estar entre os mais altos e a sentir que precisam de cumprir as regras do grupo para lá chegarem tornando-as tanto mais submissas quanto maior for o seu desejo de subir na hierarquia e de agradar ao líder. Por vezes acontece que esse líder abre excepções na hierarquia para as pessoas que considera “especiais” e que podem passar a ter um estatuto mais elevado mesmo sem cumprirem os requisitos iniciais todos. Este jogo de poderes, que nunca é feito às claras, cria alguma insegurança nos membros do grupo, insegurança essa que, mais uma vez acaba por levar a um comportamento de maior submissão e a um forte desejo de agradar ao líder.

Segredos – nestas escolas há sempre a ideia de que os alunos ou professores de estatuto superior têm conhecimentos importantes sobre a prática que não podem ser transmitidos a qualquer pessoa. É também propagada a ideia de que o líder da escola tem um conhecimento profundo acerca da vida e do universo, que poderá mudar a vida de quem o partilhar, que só poderá ser divulgado a pessoas da sua mais profunda confiança. Neste tipo de escola está quase sempre latente a ideia de que o aluno tem que mostrar ser digno de conhecer esses segredos e o líder tem que reconhecer que este merece conhecê-los. Isto abre portas a que o aluno – na esperança de obter respostas de que julga precisar para ser mais feliz e poder levar uma vida mais realizada – se torne vulnerável a todo o tipo de manipulação por parte do líder. Em muitos casos isto é usado para conseguir até estabelecer relações sexuais com as alunas (na maioria dos casos em que isto acontece são líderes homens que assediam as alunas) usando vários argumentos e formas de manipulação bem descritas no livro “Sex and the Spiritual Teacher” de Scott Edelstein.

Crítica às restantes escolas -  Neste tipo de escola costuma ser veiculada a ideia de que todos os outros estão errados ou não sabem nada e de que só aquela escola é que ensina o verdadeiro yoga. Uma das melhores formas de prender os alunos a determinada escola é fazê-los acreditar que, saindo dela, nunca mais vão poder aprender nada que valha realmente a pena porque só ali é que se encontra o conhecimento verdadeiro. São usadas até à exaustão palavras como: único, mais completo, primordial, ancestral, excelência, etc. Juntamente com as críticas que vão sendo veiculadas de forma directa ou indirecta acerca das outras escolas há também a tendência para exagerar muito (por vezes até ao ponto do rídiculo) as suas próprias características, como algumas escolas que dizem ter cursos de formação de 6500 horas de aulas efectivas para formar instrutores de yoga em 6 anos o que implicaria que os alunos estivessem em formação cerca de 3 horas por dia, todos os dias do ano, quando esses cursos acontecem apenas um dia por mês em 10 ou 11 meses do ano. 

A noção de ancestralidade – numa escola deste género o líder quer ser visto como alguém todo poderoso e único detentor do conhecimento por isso nunca há uma honestidade acerca das formas como este foi obtido. É muitas vezes veiculada a ideia de que este é um conhecimento muito antigo que foi captado de uma forma quase sobrenatural. Esta ideia faz com os alunos sintam que esse conhecimento é algo de inatingível a menos que seja transmitido pelo grande líder e, ao mesmo tempo, também ajuda a cimentar ainda mais o seu carácter sagrado e inquestionável.

Inimigo comum – nestas escolas, sobretudo nos seus círculos mais internos, é muito comum ser incutida uma espécie de ódio contra uma ou mais escolas concorrentes. Esta escola muitas vezes é justamente a escola onde esse líder teve os seus primeiros contactos com o yoga e onde aprendeu muito daquilo que usa. Uma das melhores formas de fortalecer o espirito de grupo é a criação de um inimigo comum do qual todos precisam de se proteger.

Regras rígidas e bem definidas –não convém que o aluno pense muito por si mesmo e que tenha demasiada liberdade para questionar o que está estabelecido. Costumam existir muitas regras em relação a vários aspectos da prática mas também da vida e comportamento do aluno. Muitas vezes estas regras abrangem até os livros que o aluno pode ler sendo-lhe dada uma bibliografia da qual não é suposto fugir. Estas regras podem abranger também as normas de conduta dos membros do grupo entre si e com o líder e podem até ser feitas insinuações sobre a forma como se deve comportar com amigos e família mesmo fora da escola. Estas regras, como tudo o resto, servem para que seja mais fácil controlar os alunos e manter bem estabelecida a hierarquia.

Elogios e ralhetes desmesurados – os líderes deste tipo de escola, normalmente, são peritos em manipular as pessoas e em conhecer os seus pontos fracos. Tentativas de exortação que alternam por vezes com outras de humilhação em público são muito usadas pelas seitas, com a desculpa de que a pessoa precisa de aprender a por de lado o seu ego e são uma forma de manter a pessoa dependente, submissa e a cumprir todas as regras do grupo.


Implicações de pertencer a uma seita

Estar numa escola deste tipo pode trazer alguns benefícios como o conforto de sentir que estamos integrados num grupo aparentemente unido e com ideais comuns. O problema é que, quase sempre, chega uma altura em que os prejuízos ultrapassam os benefícios: normalmente nessas escolas os alunos são encorajados a passar cada vez menos tempo com a família e os amigos fora do grupo. Porque, quase sempre, para quem está de fora as coisas são muito mais claras estes também podem começar a fazer comentários e afirmações acerca da escola ou do seu líder que os membros da seita levam a mal e que fazem com que sintam incompreendidos e até rejeitados. Assim, se o aluno passar ainda muito tempo envolvido na seita começa a ficar cada vez mais afastado do mundo exterior o que, por um lado, acentua cada vez o seu envolvimento com a seita e faz com que questione cada vez menos tudo o que se passa lá dentro e, por um outro, com que seja cada vez mais díficil sair dela. As seitas deste tipo acabam por criar uma dependência no aluno que sente que, se sair dela, estará sozinho no mundo uma vez que praticamente cortou os laços com todas as relações que tinha anteriormente.
O sentimento de família e pertença que se cria em grupos destes é, quase sempre, não muito verdadeiro porque os membros não podem ter relações verdadeiras de amizade entre si, o que poria em prática todas as estratégias de manipulação do líder que, muitas vezes, passam justamente por por uns contra outros para se ter mais poder sobre cada um individualmente. Como nunca é muito claro de que forma é que alguns membros conquistaram os privilégios que têm também se gera facilmente um clima de invejas e de insatisfação entre os membros que querem sempre fazer parte desse grupo mais pequeno dentro do grupo de priveligiados.

            No ínicio da prática é natural que o aluno se sinta bem com as aulas e goste daquilo que faz, afinal de contas, como já dissemos, o yoga pode trazer efeitos de bem-estar muito agradáveis a quem pratica. Mas, a verdade é que, nestas escolas, normalmente o conhecimento de yoga não é muito porque o seu líder está mais preocupado em obter benefícios pessoais do que em estudar e porque os alunos e restantes professores não têm liberdade suficiente para conhecer outras escolas e nem sequer para ler muitos livros, o conhecimento que têm de yoga acaba por ser muito limitado. No yoga, como em tudo o resto que se queira estudar e conhecer, é preciso liberdade para experimentar, para ler, para procurar, fazer aulas, cursos e workshops com professores diferentes e, se estes forem também de escolas diferentes tanto melhor porque conhecer diferentes visões sobre aquilo que se estuda é sempre enriquecedor e importante. Mas, nestas escolas isso não é possível e, por isso os seus professores acabam por não ter sequer grande conhecimento daquilo que estão a ensinar.
            Isto tem duas consequências importantes: por um lado é a saúde dos seus alunos que muitas vezes é colocada em risco com determinados exercícios que podem não ser adequados a determinadas condições de saúde. Muitas vezes nestas práticas os professores querem fazer aulas exigentes do ponto de vista físico, porque sentem que essa será uma forma de mostrar que sabem mas, como não têm conhecimentos suficientes para lidar com as fragilidades ou desequilíbrios dos alunos ou simplesmente porque não compreendem bem o efeito dos exercícios que estão a pedir-lhes para fazer, acabam por surgir lesões que podem ser mais ou menos graves e ter algumas consequências nefastas. Por outro lado, esta limitação também acaba por ser sentida pelos professores mais dedicados que, naturalmente teriam vontade de estudar e de conhecer mais a fundo aquilo que ensinam mas sentem que não o podem fazer sem entrar em contradição com a escola e assim acabam por viver este conflito que não é muito benéfico.
            Outro dos efeitos negativos destas escolas é justamente o de abalar a confiança que a pessoa tem em si própria: quando alguém está numa destas escolas e passou anos a dizer a si mesmo que determinados comportamentos (como os abraços excessivos do líder, ou o facto de passar horas fechado na sua sala com algumas alunas, ou os elogios excessivos a determinados membros do grupo, ou os preços escandalosos que cobra pelas suas actividades, ou o carro de corrida topo de gama escandaloso em que anda todos os dias, etc) são normais e naturais e a tentar rebater todos os comentários que ouvia de familiares e amigos que estavam de fora e finalmente percebe que todos tinham razão e que afinal nada disso era normal a pessoa acaba por passar por uma fase de desilusão, de humilhação (por não ter visto o que os outros viam) mas também, mais grave de tudo, de falta de confiança em si mesma: porque durante tantos anos não acreditou nos seus próprios olhos.
            Muitas pessoas quando percebem que afinal aquela pessoa que idolatravam não é nada do que pensavam ser acabam por ficar tão desiludidas com o mundo do yoga que nem sequer conseguem voltar à prática. Ficam desiludidas também consigo mesmas por terem sido capazes de viver cegas durante tanto tempo. E o processo de saída de uma escola destas pode ser muito doloroso, sobretudo se a pessoa o fizer sozinha, sem apoio de ninguém. Algumas pessoas que passaram por isso sozinhas confidenciaram-me que, durante muito tempo não conseguiam deixar de sentir que elas é que estavam a fazer algo de errado, tal é a manipulação a que são sujeitas quando lá estão.
            O envolvimento com este tipo de escola faz sempre com a pessoa passe a estar numa posição de fragilidade e de vulnerabilidade que, quanto mais o tempo passa, mais rouba a sua confiança em si mesma, a sua autonomia, a sua capacidade de fazer escolhas e de levar uma vida verdadeiramente feliz, preenchida e realizada.

Laura Sanches

Se quiser ler mais sobre este tema recomendo os seguintes artigos:





E os livros:

Sex and the Spiritual Teacher – Scott Edelstein

Spiritual Bypassing: When spirituality disconnects us from what Really Matters – Robert Augustus Masters


1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei do seu blog, recente conheci um Templo Budista em Sintra. Não sei se interessa em conhecer mas é muito interessante - http://www.aprenderameditar.org.pt/